23/06/2014

A PRIMEIRA SANTA-CASA NO BRASIL

Por: GILENO GUANABARA, sócio do IHGRN


            No Relatório que fez o então provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Cláudio Luís da Costa, em junho de 1857, consta a informação de que o português Braz Cubas fundou, no ano de 1548, uma Santa-Casa, nas proximidades do povoado de São Vicente, o primeiro hospital do Brasil e da América, ao qual foi dado o nome de Casa dos Santos. Na mesma época, a sua mantenedora, a Confraria da Misericórdia, fora criada e também por sua iniciativa. A par e no entorno do hospital, com a contribuição dos primeiros habitantes, Braz Cubas edificou também uma igreja, a de Nossa Senhora da Misericórdia. Dada a similaridade com a Casa dos Santos (ou Hospital de Todos os Santos, como também era chamada) e a sua mantenedora, Confraria da Misericórdia, fundadas em Lisboa no ano de 1498, e para que servisse de referência o até então conhecido Porto dos Escravos, passou a constar o nome – Porto dos Santos - nas correspondências trocadas com a corte. Em face da sua importância comercial/marítima, ficou o nome da atual cidade de Santos, na baixada paulista.
            No relato histórico de João Luís Promesse – in Reminiscências de Santos, D. João III, Rei de Portugal, em Almeirim, no ano de 1551, concedera à Casa dos Santos igual tratamento dado por seu pai, D. Manuel, as casas de misericórdia instituídas em Portugal. A mesma informação também se encontra nos escritos do beneditino e paulista Gaspar da Madre de Deus (Memórias para a História da Capitania de São Vicente-1797).
            O português Braz Cubas havia chegado em São Vicente no ano de 1532, na comitiva de Martim Afonso de Souza, donatário-mor da Capitania, de quem recebeu em doação uma gleba de terra, onde atualmente se acha encravado o perímetro urbano do litoral, escoadouro de índios escravizados para as minas do Peru, atual cidade de Santos. Conhecedor da experiência da Casa dos Santos, fundada em Lisboa, bem como passando a conviver com a situação precária dos patrícios aqui residentes, vítimas das doenças que atingiam os primeiros povoadores, se propôs fundar nos limites de sua propriedade uma casa de socorro público, nos moldes da experiência da metrópole.
            Edificada a sede e organizada a lista dos confrades, enviaram carta ao rei de Portugal, com pedido de facilidades para a instituição que fundaram. A publicação conservada no Arquivo Nacional (Documentos Históricos), na referência à Ordem Terceira de S. Francisco da Penitência de Santos, traz a informação de que o rei, D. João III, em setembro de 1548, solicitara esclarecimentos sobre o pedido de regalias e licença que os subscritores teriam requerido e obtido para a fundação daquela Casa, portadores que foram os integrantes do Conselho Ultramarino, Rafael Pires Pardinho e Antônio Henriques.
            Ainda hoje é mantida no arquivo da Santa-Casa de Santos o termo de Compromisso, tal como foi originariamente lavrado: - Compromissos e privilégios pelos quais a Irmandade ordena sejão cumpridas todas as obras de Misericórdia e espirituais, no quanto fôr possível, para socorrer as tribulações e miseria que padecem nossos irmãos em Christo, que recebem gozo do Santo Baptismo, a qual Confraria foi instituída no anno do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Crhristo de mil quinhentos e quarenta e oito, no mês de agosto, na Sé Cathedral desta mui sempre leal cidade de Lisboa, por permisso e consentimento da Illustrissima Senhora Rainha D. Leonor, a segunda que Santa é, a qual, aos tempo da instituição da dita confraria e irmandade, governava os Reinos e Sonhorios de Portugal, pelo muito alto, Excelentissimo e muito poderoso Senhor Rei D. Manoel Nosso Senhor...
Segue-se anexo à cópia do Compromisso o da Confraria da Misericórdia, com seus 21 capítulos que serviram de estatuto, tal como observado aqui, na colônia vicentina. Dispunha: Das obras de Misericórdia; como serão ordenadas e compostas para o serviço; como hão de ter ao entrar de confrades e em repreenderem os que não forem de forte condição; da eleição dos oficiais; do provedor e dos mordomos de cada mês e os da capela; dos pedidores de pão; das propriedades da Confraria; dos condenados à morte; a repartição dos cargos; de como visitar os presos e os envergonhados; da arrecadação das esmolas; Da confirmação e aprovação do compromisso por El-Rei; e os privilégios que sejam concedidos por El-Rei Nosso Senhor.
            O modelo da instituição Santa-Casa adotado em São Vicente copiou o modelo de Portugal. A piedosa rainha, casada com D. João II, instituíra no ano de 1498, a Casa dos Santos, a primeira Santa-Casa de Portugal. Coube ao seu confessor e esmoler, Frei Miguel Contreiras, influir para que se adotasse ali o espírito das confrarias de misericórdia fundadas em Florença, no ano de 1350, as quais se destinavam a dar guarida aos desamparados, abrigo e educação aos órfãos, dotes as donzelas desprevenidas, remédio aos enfermos, esmolas aos necessitados, pousada aos retirantes e sepultura aos mortos. Já em Portugal, as confrarias serviam também para dar apoio e manutenção financeira àqueles hospitais beneficentes.

            A rainha Leonor, irmã de D. Manuel I e viúva de D. João II, dera apoio material àquele primeiro hospital público instalado no claustro da Sé de Lisboa. Pela ordem, o rei e a rainha eram o primeiro e o segundo confrades, a que se seguiam os membros da nobreza que obrigatoriamente aderiam ao gesto de caridade e, por isso, eram chamados irmãos de misericórdia, motivo de orgulho de seus portadores. A fim de angariar fundos, para os fins filantrópicos a que se propunham, organizavam-se festas e se realizavam comemorações religiosas. Numa delas, no Natal de 1518, ficou famosa a fala de Gil Vicente. Nas presenças do rei, da rainha e das Damas da Corte, o escritor, doublé de comediante e ourives, declamou pela boca de um dos seus personagens, vivente no purgatório: “ – Vêdes outro perrexil/ e marinheiro sedes vós;/ ora assim me salve Deus,/ e me livre do Brasil.” (Auto da Devoção – Obras Completas, 1572). O dramaturgo satirizava as contradições, contabilizava o medo que causava o Brasil e as personagens pitorescas da sociedade da época. Era tempo da acumulação comercial que se expandia nos mares à distância; da linguagem satírica dos autos pastoris/medievais; do renascimento europeu e da prática salvadora da filantropia misericordiosa.

21/06/2014

Conversas com Manoel Onofre Jr

“Manoel Onofre Júnior foi um dos primeiros autores potiguares que li. Conheci a literatura desse importante escritor potiguar através de…

“Manoel Onofre Júnior foi um dos primeiros autores potiguares que li. Conheci a literatura desse importante escritor potiguar através de um livro chamado O Caçador de Jandaíras. Gostei tanto, que comecei a procurar nos Sebos da cidade outros títulos mais antigos dele. Na medida que fui lendo, me apaixonei pela maneira que ele conta as estórias. Conhecendo mais da variada obra literária de Manoel Onofre Jr., percebi que ele era muito mais do que um ficcionista, ele é um grande amante e defensor da literatura potiguar”, declarou o pesquisador Thiago Gonzaga.
Foi isso que encantou e motivou Gonzaga a escrever o livro “Literatura Etc. Conversas com Manoel Onofre Jr”, que tem como enfoque aspectos da produção literária local e será lançado nesta quinta-feira, dia 31, às 18h, na livraria Nobel Salgado Filho, pelo selo/blog 101 Livros do RN.
“Este livro é uma homenagem ao escritor Manoel Onofre Jr. que completa esse ano 70 anos de vida, e 49 dedicados a literatura potiguar. A obra é uma reunião de entrevistas, que tem como foco principal, a literatura local, com os principais livros e autores do RN, na visão do Manoel Onofre que é um dos nossos maiores pesquisadores”, conta o autor.
Thiago Gonzaga concedeu entrevista para O JORNAL DE HOJE. Confira!

O JORNAL DE HOJE – Manoel Onofre Jr. tem 49 anos dedicados a literatura. Na sua opinião, qual é o momento que mais lhe agrada na vida literária deste escritor potiguar?
Thiago Gonzaga – O Manoel Onofre Júnior publicou em 1983 , Chão Dos Simples, sem duvidas o livro  mais importante  dele como ficcionista. Mas na minha modesta opinião,  nos últimos anos ele vem dando uma enorme contribuição a historia da literatura potiguar com livros como ; Salvados (ensaios sobre livros/autores locais), Ficcionistas Potiguares, Contistas Potiguares, e Alguma Prata da Casa, que são obras que reúnem muito do  que temos de melhor nas nossas letras.
O JORNAL DE HOJE – Fale de uma forma resumida, qual é a importância para a cultura potiguar do conjunto da obra dele?
Thiago Gonzaga – A obra de Manoel Onofre Júnior além de ter valor literário, tem um valor histórico. Pois, além de escritor, ele é  um pesquisador preocupado em deixar registrado para as gerações futuras o essencial para conhecimento da nossa historia literária. Ele é sem duvidas  um dos mais importantes escritores potiguares. Só lamento que  escritores do nível dele, permaneçam emparedados na província, muitas vezes porque nao trocaram a placidez da vida regional pelo tumulto das grandes metrópoles.
O JORNAL DE HOJE – O que lhe motivou a escrever este livro sobre a obra de Manoel Onofre Jr.?
Thiago Gonzaga – Manoel Onofre Júnior foi um dos primeiros autores potiguares que li. Conheci a literatura desse importante escritor potiguar através de um livro chamado O Caçador de Jandaíras. Gostei tanto,que comecei a procurar nos Sebos da cidade outros títulos mais antigos dele. Na medida que fui lendo, me apaixonei pela maneira que ele conta as estórias.
Conhecendo mais da variada obra literária de Manoel Onofre Jr., percebi que ele era  muito mais do que um ficcionista, ele é um grande amante e defensor da literatura potiguar.
Meu trabalho como pesquisador da literatura local  também é inspirado no dele. Esse livro é uma homenagem, por ele esta completando 70 anos de vida, e 49 dedicados a literatura potiguar. Representa  também um encontro de gerações, que tem em comum o amor pela literatura local.
O JORNAL DE HOJE – Como foi o processo de produção desta obra?
Thiago Gonzaga – Depois que ele aceitou o convite, passei a visitar e ler os aquivos dele.  Selecionei algumas entrevistas que  ele deu ao longo dos anos, sempre tendo como foco principal a literatura do RN. Passei  em torno de  cinco meses para finalizar o trabalho, que ficou muito bonito graficamente e muito rico em informações literárias e culturais.
O JORNAL DE HOJE – Como surgiu a ideia deste livro?
Thiago Gonzaga – Sempre sonhei em fazer um trabalho em homenagem ao Manoel Onofre Júnior. Conversei com ele, e sugeri que poderíamos  comemorar esta data tao especial, porem, ao mesmo tempo homenagear a literatura potiguar que amamos tanto. Por isso o livro  tem  o título Literatura Etc., pois, além de abordar um pouco da carreira literária dele, foca nas entrevistas que ele deu falando sobre a literatura potiguar, inclusive relata o contato que ele teve com nossas personalidades literárias, como Câmara Cascudo, Zila Mamede, Homero Homem, e muitos outros.
O JORNAL DE HOJE – Fale um pouco sobre ele?
Thiago Gonzaga – O Manoel Onofre Júnior é uma figura humana incrível, além do grande amor que ele tem pelos livros, é a simplicidade em pessoa.
O JORNAL DE HOJE – Você pretende dar sequência a este projeto?
Thiago Gonzaga – Vou continuar escrevendo e homenageado nossos autores e livros. A literatura potiguar precisa ser descoberta pelos próprios potiguares e os escritores ” mais velhos “precisam ser apresentados a nova geração.
O JORNAL DE HOJE – Quem seria os próximos homenageados ?
Thiago Gonzaga – Tenho uma vasta lista de escritores que pretendo homenagear, mas tenho a preocupação de homenagear os vivos, principalmente os que li, e sou fã da obra. Estou terminando  um livro em comemoração aos 45  anos de vida literária do Diógenes da Cunha Lima.  Tenho ainda trabalhos com Nelson Patriota, Ruben G. Nunes e Francisco Sobreira… emfim, a  lista é imensa.
Parafraseando uma frase do Newton Navarro, ele disse certa vez , que era tempo de cuidarmos mais dos nossos escritores, não deixar para amanha, para depois, já fomos muito displicentes com os do passado.
O JORNAL DE HOJE – E, qual a sua visão sobre a realidade atual da literatura potiguar?
Thiago Gonzaga – A literatura potiguar nunca esteve tao rica e diversificada, temos publicações para todos os estilos e gostos. O que falta, são politicas publicas de incentivo a leitura,começando das series iniciais de ensino, e cumprir o que sugere a constituição do estado, que é dar a disciplina de Literatura e Cultura do RN nas escolas.
A UFRN lançou em 2012 uma Pós Graduação em Literatura e Cultura Potiguar, esse também foi um importante passo para valorização das nossas obras e autores, da universidade vão sair muitos estudiosos e pesquisadores.
O JORNAL DE HOJE – Quais são seus próximos projetos literários?
Thiago Gonzaga – Tenho alguns trabalhos inéditos, sempre voltados para divulgação e valorização dos nossos autores, por exemplo; Panorama Do Conto Potiguar, uma coletânea de contos com os escritores potiguares que surgiram nesses últimos anos. E  Personalidades Literárias Do RN, um livro repleto de entrevistas com autores locais.

18/06/2014



O POETA GRAXEIRO
Gileno Guanabara, advogado e sócio do IHGRN

Na visita que d. Pedro II fez à província da Bahia, no ano de 1859, dentre as autoridades locais que o recepcionaram, o soberano foi surpreendido e reverenciado pela presença de um poeta popular, o desabrido João Nepomuceno da Silva.

            A sua verve estava mais para a picardia audaciosa e irreverente de um Gregório de Mattos, de Laurindo Rabello, dos Pessoa da Silva, cujo sortilégio era o de não desperdiçar a oportunidade de atanazar a vida dos poderosos e seus privilégios. Tamanho era o rigor de suas críticas mordazes que o povo o apelidou de poeta graxeiro.

            Não perdoava a falta de sorte de sua amargurada vida, compensando suas frustações em atanazar o comportamento e escândalos impróprios para a época. Nesse aspecto, pesavam mais o seu caráter impulsivo e as firulas de um talentoso vate contrariado.

            Divulgada com certa antecipação a visita imperial à sede da Província da Bahia, as autoridades se preocuparam de estabelecer uma agenda de homenagens e recepções que comportassem a presença tão ilustre. Um boato se espalhou. Dava conta que João Nepomuceno gostaria de falar diretamente com o imperador. Certamente, a sua fala não corresponderia ao protocolo exigido para os cumprimentos de praxe. Pelo contrário, a sua fala seria a da irreverência e reclamos do povo. Dessa forma, o poeta graxeiro se manifestaria, como um direito seu, de sua livre pensamento e liberdade. Ninguém o impediria de se expressar perante o visitante ilustre. Portanto, as ameaças de prisão que passou a sofrer, as promessas para convencê-lo em contrário, nada o fez desistir do seu intento.

            No dia 7 de outubro, d. Pedro II chegou à sede da Província. Dois dias antes, Nepomuceno desaparecera. Ninguém sabia a respeito do seu paradeiro, somente boatos e conjecturas. Formara-se nas ruas o cortejo de recepção, as ruas embandeiradas, as moças das janelas atiravam pétalas de flores ao visitante. Ao final, no coreto do largo do Theatro (atual Praça Castro Alves), a tropa apresentou armas, enquanto a d. Pedro foram entregues as chaves da cidade das mãos do alcaide presidente, conselheiro Herculano Ferreira Penna. O povo delirou. Os olhos do imperador marejavam de tanta felicidade, tal a manifestação popular que o acolhia.

            Por fim, o cortejo solene se dirigiu ao salão nobre do palácio, dando-se as apresentações dos deputados, dos juízes, dos vereadores, dos chefes políticos, com os devidos afagos e abraços. De repente, um murmurinho ecoou entre os presentes. Sem que se soubesse de como, nem de onde, adentrou na sala o poeta graxeiro, para surpresa do anfitrião e das autoridades gratas.

            Com frieza tumular, indiferente a preocupação dos olhares que se entrecortaram, o poeta dirigiu-se ao imperador, a quem reverenciou em genuflexão respeitosa. Sem soçobro, retirou do bolso da fatiota o alfarrábio em tiras, aumentando ainda mais a dúvida sobre o que teria o poeta escrito, para ler naquela ocasião. D. Pedro, num gesto cavalheiresco, aquiesceu e sinalizou permitindo a sequência do ato. João Nepomuceno iniciou a peroração de sua verve: “ – Majestade dá licença... // Fardas saiam dos cantos bolorentas,/ De balões uma vez fiquem varridas/ As lojas do commercio brasileiro/ Escovem-se as caponas e se remendem./ Velhos façam a barba; as moças comam/ De sepo, e fitas se lhe façam ornadas/ Colletes de três terças e dois palmos./ Gravatas grandes de atrevidas pontas/ Calças estreitas de fevella e cós.” //  “Que cem anos já têm, se escovem hoje;/ Chapéos sem abas de afliladas copas,/ Camisas grandes, que a canela roçam,/ Tudo veja contente a luz do dia,/ E o grande arsenal se apinhe de povo;/ Não entrem negros que não têm monarca/ Os pobres também não, que não têm rei.”.

            A introdução poética já antecipou a exposição das mágoas do poeta que prosseguiu em referência ao professorado incompetente, apesar da preocupação que causava, à exceção da tranquilidade do imperador: “Primeiro que os professores/ Dão lição lá nas escolas,/ De manhã de chambre velho./ De tarde de camisolas.”. E numa referência ao tratamento dispensado aos internos da Santa Casa, satirizou em versos: “O café, que não ilude,/ Parece agua barrenta;/ É o café que o mal aumenta,/ Bem adverso à saúde./ O mingáu parece grude/ Feito dagua e farinha,/ Ralo caldo de galinha/ Bem picado de vinagre;/ Parece tripa de bagre/ Misturado com sardinha.”

            Àquela altura dos acontecidos, a insolência do poeta graxeiro, que parecia não ter mais fim, investiu contra a magistratura: “A nossa Relação de bons e maos/ Desembargadores se compõe; é certo/ Que ali há mais brejeiros que homens sérios.” E em referência às graças que a visita a todo lixo na Província encobriu, vaticinou: “Senhor meu, toda a Bahia/ Nada aqui em porcaria./ Eu vos afirmo, eu vos juro/ Se não fosse a vossa vinda/ Oh! Existiria ainda/ Em cada canto um monturo.”

            Não fora a condescendência do soberano que ouvia infenso ao desaforo do poeta, contrariamente ao desespero manifesto pelo presidente da Província e o chicote fez estalar entre as paredes do Palácio: “Ninguem mette aqui prego sem estopa,/ Ninguem faz um favor sem pedir três.” E concluiu a apologia de seu desabafo, sem alterar o monocórdio: “Eu, João, poeta novo,/ Graxeiro denominado,/ Que não tarda proclamado/ Ser defensor de seu povo, Faço sciente que o rei/ Que visitou nossa grei,/ Recebeu meu relatório/ Este folheto notório/ Que sobre o povo atirei.”

            No silencio que a seguir durou, o poeta graxeiro, em despedida, fez a última saudação ao monarca e, em passos cadenciados, se retirou do recinto, sem ser aparteado. A sua sátira estava registrada solenemente, apesar das advertências e tentativas de conter a sua indignação. A partir de então poderiam surrá-lo, prendê-lo, mas a sua vindita estava cumprida. A sua história estava contada.

17/06/2014



A viagem de Leão Veloso (I)

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
 
 
Havia, no Rio Grande do Norte, um jornal chamado “O Recreio”, e foi nele que Francisco Othílio Álvares da Silva, secretário de governo desta Província, escreveu um relato da viagem que fez o Presidente da mesma, Pedro Leão Veloso, no ano de 1861, em 44 dias. Foi das 13 edições, digitalizadas pela Biblioteca Nacional, que extraímos alguns trechos do Relatório de Viagem, para recompor esse relato.

Ás quatro horas da tarde do dia 11 embarcamos para o Morro, aonde chegamos às noves da noite. 

Principiaram dali os nossos maiores incômodos de viagem, porque, depois de andarmos de Herodes para Pilatos seguramente uma hora, procurando uma casa onde mais comodamente pernoitássemos, fomos por fim obrigados, em desconto dos nossos pecados, a ir dar com os ossos em um grande e imundo telheiro, que constitui a tão falada Fazenda do Morro: porém que a meu ver mais parece um asilo de cascavéis e jararacas do que habitação de homens! E era a residência de um Comandante Superior!

Ali e pela primeira vez deu sua Excelência exuberante provas de um verdadeiro viajante, não se mostrando enfadado por aquela péssima pousada, e acomodando-se com a refeição que de momento se preparou, já às 11 horas da noite.
Ás 9 do dia 12 chegaram os cavalos que se tinham mandado vir do Assú para nossa viagem e às 4 da tarde para ali partimos.

Ás 7 da noite chegamos ao Poço Verde, Fazenda do senhor Francisco Lins Wanderley, que hospedou-nos como era para esperar e desejar, passando ali a noite, e saindo para o Assú no dia seguinte pela manhã muito cedo.

O senhor coronel Manoel Lins Wanderley foi encarregado de nos hospedar, e louvores lhe sejam dados porque tratou-nos maravilhosamente. Eis-me, pois, na cidade do Assú, de que tão vantajosamente sempre ouvia falar. Em verdade a sua localidade é bela, e a edificação, que de presente está amortecida, revela algum gosto. Situada ao norte do rio do mesmo nome, em cujas férteis margens se fazem muitas e variadas plantações, ela oferece mais amplos recursos para a comodidade da vida, do que outros lugares, de que falarei adiante. Na tarde do dia 16, o excelentíssimo senhor Presidente, a convite de algumas pessoas, deu um passeio ao Piató, e visitou o cemitério. 

Disposta as cousas para a nossa viagem, partimos para o Acary no dia 17, às 4 horas da tarde, acompanhando-nos até a distância de 2 léguas as principais pessoas do lugar. 

Nesse trajeto, que na opinião de muitos consta de 28 léguas de excelente caminho, mas que pela minha tabela são 32, e boas, gastamos dois dias e meio, descansando nós e pernoitando em diversas fazendas.

Por aqueles lugares a ignorância ainda grassa admiravelmente, e tanto é isto uma verdade, que em um deles a – Divisão- onde estivemos uma manhã, um sujeito ouvindo falar no doutor engenheiro, dirigiu-se a mim e perguntou-me quais eram as mágicas que ele fazia.

Ás 8 horas da noite do dia 19 chegamos ao Acari já bem maçados, encontrando ao entrar da rua o Senhor Vigário Thomaz Pereira de Araújo, que sendo avisado já às 6 horas que sua Excelência para ali se dirigia, ia ao seu encontro em companhia de dois homens. A sua casa foi destinada para nossa hospedagem.

 Sem pretender ofender o melindre das pessoas que obsequiaram ao excelentíssimo Presidente e sua comitiva nesta viagem, forçoso é confessar que a jovialidade, franqueza, e maneiras delicadas com que nos tratou o Sr. Vigário Thomaz, conquistaram os nossas puras simpatias, o nosso sincero reconhecimento.

Enganei-me completamente no juízo que fazia da Vila do Acary, supondo ser de péssima edificação; mas não: contém 92 casas, sendo bem sofrível a maior parte delas. Notei, porém, que muitas estivessem fechadas, mas deram-me a razão disso que é – morarem os donos em suas fazendas ao redor da Vila, nas distancias de 2,3,4 e 5 léguas.

Uma matriz de grandes dimensões se está ali construindo, a qual, sendo concluída pelo modo por que deseja o Reverendo Vigário, será incontestavelmente uma das melhores da Província.

No dia 21 ás quatro horas da tarde já íamos no caminho da Vila do Jardim. Apesar, porém, do vagar com que caminhava o sendeiro, sempre às 8 horas da noite estávamos na Vila. Apeiei-me e entrei na casa destinada para nossa pousada, a do Sr. Manoel Ildefonso de Oliveira e Azevedo.

Aquela Vila que presentemente conta 36 casas de boa construção, pode ser um dos lugares importantes do centro, em razão do comércio que entretém com o Ceará e Paraíba.

Em a noite desse mesmo dia, a pedido do Sr. João Carlos, que tinha algumas relações na casa, duas filhas do Sr. Ildefonso nos deram a honra de ouvi-las por algumas horas, tocando algumas peças de difícil execução e cantando varias modinhas de gosto.

Ao término deste 1º artigo fazemos algumas observações: O comandante superior, de que fala Francisco Othílio, era Jerônimo Cabral Pereira de Macedo, dono da Fazenda Morro, falecido em 1860; Manoel Ildefonso era o bisavô do professor Max Cunha de Azevedo; O padre Thomaz Pereira de Araújo era neto pela parte materna do presidente que foi da nossa província, Thomaz de Araújo Pereira (3º do nome). O padre fez uma escritura de perfilhação, em 1869, onde reconheceu seus seis filhos que teve com mulheres solteiras, faleceu em 1893; Manoel Lins Wanderley era o pai da Baronesa de Serra Branca.




O Presidente do INSTITUTO NORTE-RIOGRANDENSE DE GENEALOGIA, escritor Ormuz Barbalho Simonetti,  CONVOCOU uma reunião para a próxima QUARTA-FEIRA, DIA 18 DE JUNHO NO ANEXO DO IHGRN (Memorial Oriano de Almeida), pelas 15:00 horas para tratar de assuntos importantes, quais sejam:

 
a)      Eleições para a nova Diretoria e Conselho Fiscal até o dia 29 de AGOSTO próximo vindouro, para dar tempo à posse no dia 17 de setembro para preenchimento das vagas de: Presidente, Vice-Presidente, Secretário, Tesoureiro, Conselho Fiscal (3) e um Suplente do mesmo Conselho (mandato de 2 anos), que serão realizadas em Natal;
b)     pelo nosso :Estatuto, “São deveres dos sócios (art. 8º), cumprir as disposições estatutárias; satisfazer as contribuições financeiras, etc.”, para o que informamos a nossa Conta no Banco do Brasil S/A - Ag. 1588-1 e conta corrente nº 909090-8 e o valor da anuidade de R$ 120,00;
c) para organizar nossas finanças e por ser obrigação estatutária, precisamos decidir até quando devem se exigir a adimplência, pois anteriormente foi decidido anistiar todos os débitos até 2010. Ficando exigíveis as anuidades de 2011 e 2012, totalizando R$ 240,00;
d) sem a prova da adimplência o sócio efetivo NÃO PODE VOTAR NEM SER VOTADO;
e) para se realizar o pleito existem obrigações de publicação de avisos na imprensa e nós não temos caixa para tal encargo;
f) conferir os nossos registros para o levantamento dos sócios inscritos. Para ser considerado sócio o interessado deve ser admitido na forma do art. 5º do Estatuto, isto é, aprovado pela Diretoria, sem o que não será considerado sócio;
g) os membros eleitos só podem ser reeleitos para o mesmo cargo, somente uma vez e pelo mesmo prazo de 2 anos;
h) será designada uma Comissão Eleitoral que editará as normas e as datas, inclusive a forma de voto por correspondência e pela via eletrônica e internet;
i) as chapas terão que apresentar candidatos para TODOS OS CARGOS.
Com a definição desses assuntos será aprazada uma Assembleia Geral, cuja data definitiva será oportunamente anunciada.
 

15/06/2014


O jazigo do capitão J. da Penha 

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

Este ano já completou cem anos que o capitão J. da Penha faleceu, vítima de bandido de aluguel, lá em Miguel Calmon, no Ceará.
Estive em Fortaleza, e no dia 10 de junho fui visitar o cemitério, na companhia de meu primo Luciano Klein, em busca do túmulo onde está enterrado o capitão. Pensávamos encontrar uma edificação mais condizente com a importância que que J. da Penha representou para o Ceará, pois estudou lá na Escola Militar, serviu por um bom tempo a esse Estado e era seu deputado estadual quando foi assassinado.
Infelizmente, nem a família cuidou do seu jazigo, como se pode ver das fotos a seguir.

14/06/2014

O futebol no passado







Ao integrar o time do Bangu, em 1904, Carregal (com a bola) tornou-se o primeiro jogador negro a disputar uma partida oficial no Brasil
Foto: Reprodução 
foto tirada da internet, sem pertinência com o artigo
 


1911 – Um jogo de football em Natal

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Quando chegamos ao terreno quase plano, em Petrópolis, já encontramos uma pequena multidão, inclusive senhoras da sociedade natalense, com seus vestidos largos, chapéus e coloridas sombrinhas parisienses.
Nós não fazíamos a menor noção do que era uma partida de football, esporte recém-chegado ao Brasil, procedente da Europa. Vimos dois grandes retângulos desenhados no chão, que nos apresentaram como sendo o campo de jogo. Eram mais ou menos nivelados e de tamanhos aproximados.
Em cada extremo do terreno havia uma enorme trava de madeira – duas peças em paralelo e unidas por outra, pregada perpendicularmente.
As duas equipes de jogadores já estavam no local – cada uma de um lado do tal campo. Os jogadores vestiam calções apertados até os joelhos e usavam camisas coloridas – cada grupo com sua cor, sendo um de azul e branco, e o outro de vermelho.
Um esférico foi colocado no centro do campo e, a partir do sinal, dado por um homem que comandava tudo, deram início a partida. Ainda não entendíamos absolutamente nada.
Os jogadores de ambos os times corriam para cima da bola, e, aos pontapés, tentavam fazer com que o esférico chegasse à trave adversária. Corriam loucamente pelo campo, diante dos olhares entusiasmados dos espectadores, que, atentos, não perdiam um só detalhe.
Logo percebemos que as regras do jogo eram bastante simples. Só os dois homens que se encontravam nas traves poderiam pegar a bola com as mãos – os outros apenas podiam dar pontapés.
Vez ou outra, algum deles ficava zangado, gritava, gesticulava e até empurrava. Às vezes, o jogo parava e até alguns espectadores entravam no campo para participar da discussão. Depois que a paz se restabelecia, o jogo recomeçava.
A certa altura do jogo, a bola saiu do campo. Um dos espectadores pegou e devolveu a bola. A partida foi imediatamente reiniciada.
A multidão soltava um “aaah”! sempre que havia  um chute em direção a uma das traves. Apesar dos esforços dos homens que ficavam de guarda nas traves, às vezes, a bola conseguia vencer essa defesa e marcar um gol. O povo enlouquecia – gritava, pulava, abraçava-se. Quem não gostava era o time que tinha sofrido o gol e caía num silêncio profundo. Os seus torcedores adotavam o mesmo comportamento.
Em determinado momento foi marcado uma espécie de penalidade contra um dos times, o que levou os espectadores a entrarem no campo, e pedir explicações ao homem que comandava o jogo. Pela intensidade das exclamações, logo percebemos que um dos times era o favorito da maioria dos torcedores.
No final da partida, a pequena multidão se dispersou, em meio a alegres comentários. Pelo que notamos, o football viera mesmo para virar paixão entre os natalenses.