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30/03/2022
24/03/2022
O PARAÍSO PERDIDO
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
Aprendi nos
compêndios de geografia no Colégio Marista que “o Brasil é um país
essencialmente agrícola”. Essa teoria mudou radicalmente nesses últimos 60
anos. Principalmente no Nordeste, grande produtor de cana de açúcar, banana,
algodão, milho, feijão, mandioca, etc. Particularizando o Rio Grande do Norte,
podemos dizer, sem medo de errar, que o produtor rural está falido.
Quem faliu a
atividade agrícola? Ora, o Governo Federal, através dos seus próprios
instrumentos: o Ministério da Agricultura, os juros bancários e o calote das
usinas de açúcar aos produtores de cana.
O produtor rural é
hoje um refém permanente dos bancos oficiais. Além das dívidas padecem as
dúvidas do tempo, da ausência de uma política agrícola definida que objetive a
produtividade. Quem cair na arapuca do empréstimo agrícola em banco do governo
se arrisca a perder a propriedade. Nesses tempos alternativos, para sair do
buraco, ou o proprietário rural faz acordo com os sem terra para invadirem sua
propriedade, ou, quem tem nome/sobrenome arranja um gancho de um financiamento
a fundo perdido, tipo “reflorestamento”, que já salvou, pelo “ladrão”, muita
gente boa. O mais, ser produtor rural é padecer num paraíso perdido.
E a SUDENE?
Pergunta um idiota chapado. Evadiu-se nas vagas vazias e vadias da
incredibilidade, da inconsequência e da incompetência. Morreu de inanição sem
se aperceber que a próxima crise mundial será a da escassez de alimento. No Rio
Grande do Norte, se não fosse o programa do leite todos os produtores rurais,
sem exceção, já teriam se enforcado. Desde o Governo Sarney, quando foi extinto
o subsídio agrícola a atividade rural nesse país entrou em colapso. Na ANORC
(Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores) ou fora dela, a maioria dos
agropecuaristas está vendendo o rebanho para pagar o banco. Para se viver
honestamente, tirar da terra o sustento, acreditar que somos essencialmente um
país agrícola, sem bandalheira, sem maracutaía, sem empréstimos dadivosos a
fundo perdido com o dinheiro do contribuinte, o que fazer? Só há dinheiro para
a atividade industrial urbana, fábricas, pólo-gás-sal, etc., e o campo vai se
esvaziando, se erodindo...
Dir-se-á que o país
todo se urbaniza e as propriedades rurais vão ficar mesmo para os sem-terras
que irão se decepcionar e constatar que o trabalho agrícola é mesmo uma
atividade marginal nesse país. Aí virá o Evangelho e Cristo dirá novamente:
“Naquele tempo...”. O Nordeste será a Galiléia.
(*) Escritor.
10/03/2022
RELEMBRANDO
TICIANO DUARTE
Valério
Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
Certos homens adquirem uma visibilidade
tão marcante em seu campo de atuação que se tornam imprescindíveis aos seus
contemporâneos, na medida em que suas opiniões e convicções passam a determinar
modos de ver e de interpretar os acontecimentos da vida social. É que aos olhos
deles nada daquilo que importa passa ao largo.
Assim vejo e identifico o meu primo-irmão
Ticiano Duarte. Desde a antiga Rua 13 de Maio, depois Princesa Isabel, quando o
conheci efetivamente e melhor, lá pelos idos de 1950. De 1954, em diante, fui
revê-lo na Rua Voluntários da Pátria, no 722, Cidade Alta, telefone 2901. Ele
era já expressão do “bate-papo” no Grande Ponto, seu fiel ancoradouro, onde se
tornara notário público e destemido navegante das ruas e avenidas da política
potiguar. Bacharel em Direito da Faculdade de Maceió, tornou-se decano do
jornalismo da imprensa potiguar, atividade da qual desfrutou de ilibada
notoriedade por sua isenção e imparcialidade nos juízos dos acontecimentos da
política. Seumemorialismo ganhava ritmo de crônica e embasamento de
historiador. Em seus escritos é possível intuir aquele saber de experiências,
traço que distingue o verdadeiro homem de visão de um mero prestidigitador de quimeras.
Foi presença fecunda na imprensa
norte-rio-grandense. A colaboração de Ticiano Duarte para a Tribuna do Norte
rendeu, numa primeira seleção, o livro “Anotações do meu caderno” (Z
Comunicação/Sebo Vermelho, 2000), reunindo os principais fatos políticos dos
últimos 70 anos do século passado no Rio Grande do Norte. A precisão das
análises, a escolha dos protagonistas, a evolução dos acontecimentos e o
retrospecto dos episódios que marcaram profundamente as vicissitudes da
política potiguar encontraram ali o seu cronista mais atento e informado,
imparcial e verdadeiro. Nesse livro, objetivamente intitulado “No chão dos
perrés e pelabuchos”, avultam as mesmas qualidades que consagraram “Anotações
do meu caderno”, com a única diferença de que agora ele se deteve com mais
vagar na descrição de perfis e na análise comparativa dos fatos, mesmo
separados por décadas. Vultos inesquecíveis da vida pública estadual, como
Djalma Maranhão, Georgino Avelino, Café Filho, Aluízio Alves, Odilon Ribeiro
Coutinho (“mistura de tabajara e potiguar”), Tales Ramalho (“paraibano por
acidente, norte-rio-grandense pelas grandes ligações familiares, e pernambucano
por adoção”) são algumas das estrelas de primeira grandeza dessa constelação de
escol. Cronista, para quem a política não pode se dissociar da ética, sob pena
de naufragar nos desmandos de governantes e correligionários, Ticiano fez o
elogio dos políticos exemplares perfilando a figura de Café Filho porque,
justifica, “o povo espera dos homens públicos exemplos. E alguém disse, com
muita propriedade, que o importante não é só pregar moral apenas para os
outros, censurando nos outros o que silencia entre amigos e parceiros”. Ao
fazer o elogio da lealdade e da coerência, ele retirou do limbo o nome de
Walfredo Gurgel, ressaltando que “o seu governo foi um exemplo de seriedade no
trato e na gestão da coisa pública. Todo o Rio Grande do Norte sabe desta
grande verdade, mesmo seus adversários não podem omiti-la, por mais que o
tenham combatido no campo das ideias e das diferenças partidárias”.
Em “No chão dos perrés e pelabuchos” ainda
é possível encontrar silhuetas de políticos esquecidos pela História, mas
preservados, por exemplo, numa Acta Diurna de Luís da Câmara Cascudo, como
Hermógenes José Barbosa Tinoco, deputado do Partido Liberal que a voragem do
tempo soterrou; os entreveros entre pelabuchos e perrés que incendiaram o paiol
das agremiações políticas dos anos 1930, que não escaparam à argúcia focada por
Ticiano sobre os atores da nossa história.
Ele propõe e reforça as teses daqueles que
defendem a necessidade de uma urgente reforma política a fim de repor o país
nos trilhos da ética e inaugurar uma nova era na vida política brasileira. O
seu olhar espelha nesse livro o brilho e a lucidez dos seus brancos cabelos, como
testemunhos da vida e do mundo.
(*) Escritor
WALTER, SOUTINHO E O CAMINHAR DA VIDA
Tomislav R.
Femenick
– Jornalista
No
longínquo ano de 1955, eu e o meu amigo Walter Gomes inventamos de abrir uma
agência de publicidade em Mossoró. Ambos trabalhávamos no jornal O Mossoroense,
dirigido pelo “velho” Lauro da Escossia e seu filho Lauro Filho. Eu, como
repórter, e ele, com uma coluna diária que misturava tudo: crônica social,
política, negócios etc. Só não falava de casos policiais. Dizia que dava azar.
Então resolvemos encontrar um meio de ganhar alguns trocados a mais, publicando
cadernos especiais. Dessa ideia saíram edições sobre indústria, comércio,
agricultura e administração pública.
Nos reuníamos nas
mesas do Bar Suez, da ACDP e, vez ou outra, nos cabarés Brahma e Copacabana. As
ideias que ali nasciam precisavam ser aprovadas por Lauro Filho, que geralmente
aceitava nossas sugestões. Só me lembro de um veto: um lançamento que propusemos
de um caderno sobre a vida alegre no Alto Louvor, o bairro do alto meretrício. Além de escrever os
textos, nós tínhamos que conseguir os anúncios. Aí é que nós ganhávamos uma
comissão, sobre o faturamento dos anúncios.
Um ano depois, nós, eu e Walter
Gomes, resolvemos institucionalizar o negócio e criamos a Propag; se não a
primeira, seguramente a segunda empresa de publicidade do Estado, com registro
na Junta Comercial, endereço, instalações, telefone (na época um artigo de
luxo), secretária e outras coisas mais. O problema era que não tínhamos
dinheiro para isso tudo. Fomos para o Bar Suez para ruminar a solução. De
repente, junta-se a nós um cidadão de quem não me lembro o nome, e resolveu a
questão, dizendo: “homem de dinheiro em
Mossoró é Soutinho”. Não dissemos nada, mas ficamos olhando um para o
outro. Logo fomos, ligeirinhos, falar com Francisco Ferreira Souto Filho, com
quem tínhamos amizade. Expusemos a nossa necessidade de grana para fundar a
empresa e, por isso, queríamos um financiamento do Banco de Mossoró, então
controlado por ele. “E se a empresa
quebrar?” – Perguntou-nos. Então viramos sócios; Eu, Walter Gomes e
Soutiho. A Propag viveu até eu fazer concurso e passar para assumir o cargo de
escriturário no Banco do Nordeste.
Mas
a vida dá muitas voltas. Walter foi para o Rio de Janeiro, voltou para Natal e
depois se instalou em Brasília, sempre perseguindo as notícias e suas fontes.
Eu pedi demissão do BNB, entrei em outros negócios e, depois, deixei minha
terra natal e fui para São Paulo, afastei-me do jornalismo e entrei de cabeça
no mundo dos altos negócios, via auditoria contábil, econômica e
administrativa. Uma vez recebi sua visita em meu escritório na Av. Paulista e
ele foi jantar na minha casa. Quando eu ia à Brasília, também o visitava.
Quanto a Soutinho a distância nos unia. Ele e Edith eram padrinhos de batismo
da minha filha. Sempre que ia a Mossoró, visitava-o em sua casa, onde uma vez,
se me recordo bem, provei um impensável soverte de pitomba.
Porém,
nada é mais inexorável do que o caminhar da vida em direção à morte. Tudo o que
é vivo anda nessa direção. Desde os gigantes baobás africanos e nordestinos,
até os diminutos vírus. Um dia todos desaparecerão.
Em
poucos dias foram-se desta existência Walter, o buscador de fatos e notícias
desta “República Surrealista” do Brasil, e Soutinho, o realizador e desbravador
das lides salineiras. Um perseguia os homens que fazem as leis, que as executam
e, também, que impõem o seu cumprimento. O outro buscava fazer com que o sal se
transformasse em uma riqueza da nossa terra, fazer com que o nosso se
transformasse no sal da nossa vida.
O
que nos entristece, mais ainda, é viver em uma época de tantos homens sem
serventia e ver que, logo eles, homens de valor exemplar, tenham nos deixado.
Tribuna do Norte. Natal, 10 mar. 2022.
03/03/2022
MACAÍBA DE ANTIGAS CANÇÕES E VELHOS
FOLIÕES
Valério Mesquita
Nestor Lima era um macaibense da gema
que foi “cônsul honorário” do município de Parnamirim. Era a quem recorria
quando consultava a bússola do tempo, da tradição, das vertentes e das
nascentes de nossa Macaíba. Revisito Nestor Lima para, através dele, penetrar
na máquina de sua memória. A nossa cidade, nas artes, conheceu o clássico e o
popular. Macaíba foi cidade aristocrática nos anos 20, 30, das bandas de
músicas José da Penha e a do Grêmio, pontificados nas figuras dos chefes
políticos Neco Freire e Major Andrade. A fina flor da sociedade exercitava a
música, o teatro e o canto, o que conferia a Macaíba a fama de cidade cultural.
Vicente Andrade no trompete, violino e piano; Orlando Ubirajara e Rosalvo ao
violino e piano; Euclides Ribeiro, saxofonista; Abílio Monteiro, trombonista;
João Leiros no contrabaixo; Luiz Marinho de Carvalho, grande trompetista e
pianista; João Lins e Luiz Martins, violonistas inexcedíveis; Valdemar Barros,
virtuoso pianista Era a época, onde em cada rua do centro da cidade, existiam
um ou dois pianos.
Nos dias de hoje, não existem um
sequer. Nos anos 40 e 50, se destacaram em todo o município os famosos
conjuntos regionais que interpretavam a música popular brasileira.
Celebrizaram-se Nestor Lima, Cornélio Mangabeira, José Alves, José Cabral, Luiz
Marinho, Manoel Domingos, Chicozinho, Carlito, Nizário Máximo, José Leiros,
Sebastião Melo, Airton Feitoza. Todos formavam uma escola de batutas que hoje
não se vê mais. Como também jamais se reeditarão os conjuntos teatrais que tanto
sucesso fizeram em Natal, começando pela figura maior de Joca Leiros, seus
filhos Zé Leiros, Wilson, Nozinha, Luiz Marinho e os filhos Gutemberg e Aidée,
Antônio Coelho, Alice Lima, Hiran e Célia Lima, José Muniz, e Aguinaldo
Ferreira. E para fechar o leque cultural, uma plêiade de cantores que enchiam
de canto e encanto as noites macaibenses, do quilate de Salvador Galvão,
Joanete Ribeiro, Edson Silva, Dorothy Moura, Aliete Muniz, Luiz Vieira, Cecília
Marinho e Laíde Máximo.
Mas o carnaval macaibense nos anos
prefalados, era o desaguadouro natural dos afluentes culturais da época. Não se
pode esquecer os clubes de cordão: "Os Remadores", os
"Vassourinhas", o “Coco-Zambê” do caboclo velho e as madrugadeiras
"Maxixeiras", anunciadoras primeiras do carnaval, comandadas por Lula
Ramos. Dos blocos, o Zé Ludovico que caminhava à frente pelas ruas, nos seus
1,80 de altura impertigável, imperturbável e inabordável, apesar de toda a
folia ao redor. O de Pedro Pixilinga, que anos passados resistiu, no mesmo passo
e compasso como há 40 anos atrás, a Escola de Samba de Zé de Papo, sambista
incorrigível. As tribos de índios, bagunças, troças, tudo faz sentido hoje
relembrar, abrindo alas para todos passarem na sempre comovida recomposição de
um tempo que nunca mais se repetirá.
(*) Escritor