O escritor intranquilo
Graham Greene (1904-1991), o escritor, nasceu em Berkhamsted, uma pequenina e histórica cidade mercado do interior da Inglaterra. Tentou ser comunista. Acabou católico. Estudou em Oxford. Foi jornalista. Trabalhou para o serviço secreto inglês, especificamente para o MI6. Inquieto, alegadamente bipolar, viajou muito. México, Cuba, Haiti, América do Sul, África, Indochina e outros sítios menos votados. Fez do contexto social e político desses países/regiões o pano de fundo de algumas de suas estórias. Prolífico, escreveu quase tudo: romances, contos, livros infantis, teatro, cinema, crônicas, crítica literária e por aí vai. Alguns de seus romances, publicados no Brasil, são sempre celebrados: “O Expresso do Oriente” (1932), “O Poder e a Glória” (1940), “O coração da matéria” (1948), “O americano tranquilo” (1955), “Nosso homem Havana” (1958), “O cônsul honorário” (1973) e “O Fator Humano” (1978), entre outros. Para o cinema, “O ídolo caído” (1948) e “O terceiro homem” (1949) são obras-primas. Premiadíssimo, Grenne, infelizmente, não levou o Nobel de Literatura. Mas Jorge Luis Borges (1899-1986), seu concorrente de então, também nunca ganhou. Paciência. Aclamado, Greene faleceu, de leucemia, aos 86 anos.
Numa modéstia indevida, Graham Greene gostava de dividir a própria obra em escritos de entretenimento e trabalhos literários. Discordo veementemente. Greene foi sem dúvida um dos grandes romancistas do século passado, talvez até o maior, em língua inglesa, de sua geração. Na verdade, como poucos, ele misturava espionagem, suspense, política, pitadas de filosofia e religião, romance e outros pecados mais, numa proza elegante, irônica e imaginativa. Isso é escrever bem. Fazer literatura das boas. E se prende ou diverte a gente, melhor.
Na edição que tenho de “O fator humano” (L&PM, 2006), por exemplo, diz-se ser esta “uma obra de maturidade de Graham Greene, um dos mais prolíficos e importantes romancistas de língua inglesa do século XX que, junto com John Le Carré, alçou as histórias de espionagem a um novo patamar literário. Com sua prosa elegante, Greene medita sobre a força do amor e do segredo – e sobre os sacrifícios por eles exigidos. À leitura deste romance, mais uma vez fica claro que há boa literatura, há literatura de entretenimento e há Graham Greene, que eliminou a linha divisória entre as duas. Ele prende o leitor com seus enredos, mas sobretudo com sua caracterização de personagens, pintados com uma profunda compreensão e respeito pelas ironias, ambiguidades e vastas zonas obscuras da alma humana”. É isso.
De minha parte, tenho predileção por algumas obras de Greene. O enredo/filme “O terceiro homem”, uma de suas parcerias com o diretor Carol Reed (1906-1976), é uma delas. Obra-prima que, dado o mistério da estória, a falsificação de penicilina numa Viena devastada do pós-guerra, tem muito a ver com os dias de hoje. Criminosos e charlatões sempre vão existir. Em guerras ou em pandemias. E os romances “O americano tranquilo”, “Nosso homem Havana” e “O cônsul honorário”, que li por sugestão de meu pai, tomados emprestados e devolvidos à sua biblioteca. Foi divertidíssimo. Bons tempos.
Um carinho especial desenvolvi por “O americano tranquilo”, cuja estória se passa na Indochina, em meio à guerra anticolonialista contra a França e já com os Estados Unidos metendo o seu bedelho no Vietnã. Tem-se um jornalista inglês, que narra a coisa toda. Um agente da CIA, o “americano tranquilo”. Uma jovem e bela vietnamita. E um triângulo amoroso. Paro por aqui, para não fazer spolier, apenas registrando que o livro foi adaptado para o cinema duas vezes, sendo que a versão de 2002, direção de Phillip Noyce (1950-), é do balacobaco. Foi indicada e recebeu vários prêmios.
Após conhecer a Indochina de Greene, até prometi enamorar-me de uma dama daquelas bandas. Nunca aconteceu. Embora, sem muita coragem, tenha chegado bem pertinho.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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