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25/01/2021

 

O escritor intranquilo
​Graham Greene (1904-1991), o escritor, nasceu em Berkhamsted, uma pequenina e histórica cidade mercado do interior da Inglaterra. Tentou ser comunista. Acabou católico. Estudou em Oxford. Foi jornalista. Trabalhou para o serviço secreto inglês, especificamente para o MI6. Inquieto, alegadamente bipolar, viajou muito. México, Cuba, Haiti, América do Sul, África, Indochina e outros sítios menos votados. Fez do contexto social e político desses países/regiões o pano de fundo de algumas de suas estórias. Prolífico, escreveu quase tudo: romances, contos, livros infantis, teatro, cinema, crônicas, crítica literária e por aí vai. Alguns de seus romances, publicados no Brasil, são sempre celebrados: “O Expresso do Oriente” (1932), “O Poder e a Glória” (1940), “O coração da matéria” (1948), “O americano tranquilo” (1955), “Nosso homem Havana” (1958), “O cônsul honorário” (1973) e “O Fator Humano” (1978), entre outros. Para o cinema, “O ídolo caído” (1948) e “O terceiro homem” (1949) são obras-primas. Premiadíssimo, Grenne, infelizmente, não levou o Nobel de Literatura. Mas Jorge Luis Borges (1899-1986), seu concorrente de então, também nunca ganhou. Paciência. Aclamado, Greene faleceu, de leucemia, aos 86 anos.
​Numa modéstia indevida, Graham Greene gostava de dividir a própria obra em escritos de entretenimento e trabalhos literários. Discordo veementemente. Greene foi sem dúvida um dos grandes romancistas do século passado, talvez até o maior, em língua inglesa, de sua geração. Na verdade, como poucos, ele misturava espionagem, suspense, política, pitadas de filosofia e religião, romance e outros pecados mais, numa proza elegante, irônica e imaginativa. Isso é escrever bem. Fazer literatura das boas. E se prende ou diverte a gente, melhor.
​Na edição que tenho de “O fator humano” (L&PM, 2006), por exemplo, diz-se ser esta “uma obra de maturidade de Graham Greene, um dos mais prolíficos e importantes romancistas de língua inglesa do século XX que, junto com John Le Carré, alçou as histórias de espionagem a um novo patamar literário. Com sua prosa elegante, Greene medita sobre a força do amor e do segredo – e sobre os sacrifícios por eles exigidos. À leitura deste romance, mais uma vez fica claro que há boa literatura, há literatura de entretenimento e há Graham Greene, que eliminou a linha divisória entre as duas. Ele prende o leitor com seus enredos, mas sobretudo com sua caracterização de personagens, pintados com uma profunda compreensão e respeito pelas ironias, ambiguidades e vastas zonas obscuras da alma humana”. É isso.
​De minha parte, tenho predileção por algumas obras de Greene. O enredo/filme “O terceiro homem”, uma de suas parcerias com o diretor Carol Reed (1906-1976), é uma delas. Obra-prima que, dado o mistério da estória, a falsificação de penicilina numa Viena devastada do pós-guerra, tem muito a ver com os dias de hoje. Criminosos e charlatões sempre vão existir. Em guerras ou em pandemias. E os romances “O americano tranquilo”, “Nosso homem Havana” e “O cônsul honorário”, que li por sugestão de meu pai, tomados emprestados e devolvidos à sua biblioteca. Foi divertidíssimo. Bons tempos.
​Um carinho especial desenvolvi por “O americano tranquilo”, cuja estória se passa na Indochina, em meio à guerra anticolonialista contra a França e já com os Estados Unidos metendo o seu bedelho no Vietnã. Tem-se um jornalista inglês, que narra a coisa toda. Um agente da CIA, o “americano tranquilo”. Uma jovem e bela vietnamita. E um triângulo amoroso. Paro por aqui, para não fazer spolier, apenas registrando que o livro foi adaptado para o cinema duas vezes, sendo que a versão de 2002, direção de Phillip Noyce (1950-), é do balacobaco. Foi indicada e recebeu vários prêmios.
​Após conhecer a Indochina de Greene, até prometi enamorar-me de uma dama daquelas bandas. Nunca aconteceu. Embora, sem muita coragem, tenha chegado bem pertinho. ​
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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