Reforma agrária é coisa capitalista
Tomislav
R. Femenick – Contador, mestre em economia e historiador.
Da janela da minha biblioteca, vejo a bela instalação predial que o INCRA
desfruta em nossa capital. Também, a posse da terra é um problemão que parece
sem solução.
Antes de Cabral aportar por estas plagas, os nativos, ou melhor dizendo,
as tribos indígenas, disputavam e defendiam um lugar com flechas e tacapes. Mas
era uma posse temporária, até que eles resolvessem se mudar para outras
regiões. Então aconteciam novas lutas. Com a efetiva colonização, cerca de
trinta anos depois do descobrimento, a coroa portuguesa tomou toda a terra para
si e a redistribuiu entre fidalgos e amigos do rei, através das edições das
Capitanias Hereditárias (de curta duração) e das cartas de sesmarias, instituto
que fazia a dação de terrenos aos novos povoadores. A questão era encontrar
quem cultivasse essas terras, quem efetivamente trabalhasse. Escravizaram os
índios e depois trouxeram africanos apresados e feitos escravos. Criou-se,
então, uma dicotomia que premiou todo o período colonial, sobreviveu ao Império
e à República, agravando-se no século XX, e perdura até os dias de hoje: quem
trabalhava a terra não era dono dela; quem era dono não trabalhava.
Revoltas contra essa situação sempre houve. Os índios escapavam para as
matas, os escravos fugiam e criavam quilombos, e os colonos trazidos, da Europa
para trabalhar nos engenhos de cana, fazendas café e outras culturas, terminavam
indo para as cidades, onde se tornavam artesãos, operários e pequenos
empreendedores.
Em meados do século passado, a questão fundiária assumiu novas
proporções. A luta pela reforma agrária tomou nova forma em 1946, quando, sob
orientação do antigo PCB, foram criadas as Ligas Camponesas. Postas na
ilegalidade, ressurgiram em 1954, lideradas por Francisco Julião. No governo
militar de 1964, a organização foi novamente posta na clandestinidade e muitos
de seus dirigentes foram presos. Porém o problema fundiário permaneceu e, em
1984, foi organizado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, que
contou com o decisivo apoio da Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica.
O problema do MST é que as questões políticas suplantam o motivo de sua
origem. Prega a luta de classe, desvia recursos recebidos do governo, através
de cooperativas que são por ele controladas, cobra taxas dos assentados e a
eles impõe procedimentos e ações. Quem se recua é afastado ou excluído de
qualquer benefício. Além desses comportamentos, não diretamente ligados à
reforma agrária, entre suas lideranças há sérias lutas simplesmente pelo poder.
Exemplo: sob forte controle de João Pedro Stédile, o MST afastou de sua direção
uma das suas figuras de destaque, José Rainha Júnior, líder do movimento no
Pontal do Paranapanema, no Estado de São Paulo, e provocou o desligamento de
Bruno Maranhão, que fundou uma dissidência: o Movimento pela Libertação dos Sem
Terra - MLST.
A posse da terra por quem nela trabalha deixou de ser o foco primeiro do
MST e movimentos correlatos. As convocações para as ocupações rurais visam
recrutar o maior número de pessoas, não interessando quem seja. Juntam no mesmo
barco verdadeiros trabalhadores rurais, trabalhadores rurais desempregados e mais
toda espécie de gente; gente que sempre morou na cidade, donos de pequenos
negócios, políticos profissionais, sejam quem sejam. O importante é que formem
um grande ajuntamento, pois a luta política tomou destaque no cenário da
reforma agrária, sempre socialista, sempre anticapitalista. Qualquer
reivindicação social faz com que suas lideranças mobilizem as bases e usem os
“sem terra” como massa de manobra. Analisando o panorama, chega-se à
inevitavelmente conclusão de que há desvirtuamento na luta pela reforma agrária
no Brasil. Desce a terra; sobe o socialismo.
Será que ninguém ver o contrassenso: a reforma agrária verdadeira defende
a PROPRIEDADE PRIVADA da terra para quem nela trabalha; PROPRIEDADE PRIVADA individual
de meios de produção não existe no socialismo. Isso é coisa do capitalismo.
Tribuna do Norte. Natal, 04 set. 2020
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