26/06/2018


 
   
Marcelo Alves

 

Crimes econômicos (VII)

Hoje, pondo fim a esta série de artigos sobre o tema, tentarei fazer um balanço da evolução do combate institucional à criminalidade econômica e à corrupção no nosso país. E digo logo: levando em consideração as últimas décadas, sobretudo a partir da Constituição Federal de 1988 e dos anos 1990, o saldo é bastante positivo. 

Primeiramente, avançamos com a legislação, sobretudo com a nossa Constituição Federal, de 1988, e com os tipos penais econômicos inseridos no nosso ordenamento jurídico a partir da década de 1990 – período de intensa atividade legislativa penal em nosso país – ou mesmo em anos mais recentes. Para além da nossa Constituição, com seus muitos dispositivos orientados ao combate à criminalidade organizada e à corrupção, aponto a Lei nº 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional), a Lei nº 8.078/90 (crimes contra as relações de consumo), a Lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária e contra a ordem econômica), a Lei nº 8.176/91 (crimes contra a ordem econômica), a Lei nº 9.613/98 (crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores), a Lei nº 10.303/2001 (crimes contra o mercado de capitais) e por aí vai. Isso mostra que o Brasil, embora um pouco atrasado, no que toca à sua legislação repressiva, tem voltado os olhos para a criminalidade chamada econômica ou de “colarinho branco”. 

Em segundo lugar, a partir dessa legislação, temos novos instrumentos de investigação e produção de prova, bastante eficientes no combate à criminalidade econômica organizada. Boa parte desses novos instrumentos estão discriminados na Lei nº 12.850/2013 (que, entre outras coisas, define o que é organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal e os meios de obtenção da prova em infrações penais relacionadas a esse tipo de associação), a exemplo da colaboração premiada, da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, da ação controlada, da interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, do afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal e por aí vai. Comentei alguns deles aqui, registro. 

Em terceiro lugar, temos uma nova mentalidade direcionada a esse combate institucional à criminalidade econômica e à corrupção. Atualmente, uma das grandes preocupações do direito e das autoridades brasileiras, sobretudo daquelas verdadeiramente preocupadas com o futuro do nosso país, é a investigação e a persecução penal da nossa velha conhecida “corrupção” e dos denominados “crimes econômicos”. Vejo uma crescente especialização na Polícia Federal, no Ministério Público Federal e na Justiça Federal em prol desse combate. Vejo também outras agências – a Receita Federal, o COAF, o TCU e a CGU, por exemplo – engajadas na missão de viabilizar e otimizar a prevenção e a repressão a esse tipo de criminalidade. E vejo a cooperação entre elas. Não é o ideal. Mas um bom diálogo já existe. 

Juntando tudo, acho que o Brasil se insere num contexto mundial de crescente interesse pelo direito penal econômico. A globalização, com as transformações operadas em todas as sociedades, contribui para isso. A necessidade de integração entre os países – uma exigência da tal globalização – impõe um olhar muito atento de todos os países em condutas que possam afetar, de um modo ou de outro, a ordem econômica local e global. Ademais, embora vivamos uma era do capitalismo, a intervenção do Estado no domínio econômico ainda se faz necessária. Basta lembrar que os grandes conglomerados econômicos estão aí e se faz necessária uma política de proteção aos interesses da economia nacional e da população como um todo. As próprias crises econômicas, tão recorrentes no Brasil, com suas nefastas consequências, dão mais argumentos para que tenhamos uma legislação forte no que toca ao direito penal econômico. E, por fim, não resta dúvida de que vivemos uma era de mudança social que alterou um paradigma da criminalidade. Saímos de um modelo clássico de criminalidade, no qual a delinquência era sobretudo um fenômeno individual, para uma criminalidade cada vez mais coletiva. 

Claro que nem tudo são flores. Os problemas existem. Embora tenha melhorado muito, o nosso combate à criminalidade econômica e à corrupção ainda é consideravelmente ineficaz. Ainda se comete muito crime. A corrupção ainda nos custa muito alto (algo entre 1,38% e 2,38% do nosso PIB, segundo estudo da FIESP de 2010). O nosso Índice de Percepção da Corrupção, divulgado pela Transparência Internacional, ainda é muito ruim. Nossa posição mundial, de acordo com esse Índice, até piorou de 2016 para 2017. Ainda há muita impunidade. E, como tentei explicar no artigo da semana passada, esse nosso combate muitas vezes se dá ao arrepio da legislação, da Constituição e do próprio estado democrático de direito. A espetacularização das grandes operações, os frequentes vazamentos nas investigações (seletiva e direcionadamente), o relacionamento pernicioso de algumas autoridades (encarregadas da persecução penal) com a imprensa, as longas prisões preventivas (que estão virando cumprimento da pena no Brasil), as colaborações premiadas pessimamente negociadas, a criminalização da própria advocacia, a criminalização e desmoralização da política, esses são apenas alguns dos problemas que constatei ao longo desta série de artigos. Isso, definitivamente, também não é bom. 

Mas acho, sinceramente, que é só uma questão de ajeitar o prumo. Observando as últimas décadas, a coisa tem melhorado bastante. Sem dúvida. E devemos continuar na mesma balada, apenas otimizando essa repressão à criminalidade econômica e à corrupção. Esse é o dever do nosso país: prevenir (o que é sempre melhor) e investigar as infrações penais, identificar os respectivos autores, processá-los e, se for o caso, condená-los, exigindo o cumprimento da pena imposta. É a justiça penal eficaz, consagrada constitucionalmente. Mas isso deve se dar, sempre, dentro dos ditames constitucionais e legais, respeitando os princípios da ampla defesa e do contraditório e os demais direitos individuais. Isso é civilizatório. Algo que aprendemos com a história. 

Acredito que você concorda comigo, caro leitor. A não ser que você prefira um direito sem qualquer cientificidade. Um direito constitucional do Twitter, um direito penal do Facebook ou o processo inquisitorial do Whatsapp. A não ser que você prefira promotores e juízes midiáticos agindo/decidindo, em busca do aplauso fácil, com base na opinião pública (rectius, nas redes sociais) ou no que fomenta, a partir dos seus próprios interesses, uma parte da imprensa. A não ser que você prefira apenas gritar a suposta culpa dos outros. Ou mesmo que você simplesmente adore odiar. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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