Bibliotecas espanholas (I)
Na minha última estada na Espanha, em 2015, para participar do 3º
Encontro Internacional da Associação Nacional dos Procuradores da
República/ANPR (que teria lugar sobretudo em Madrid), aproveitei para
chegar uns dias antes e fazer um “tour” pelas regiões de Castela e Leão e
Castela-La Mancha, que ficam ao derredor da capital do país. Se a
memória não me prega uma peça, antes de aportamos em Madrid, estivemos
em Ávila, Salamanca, Zamorra, Leão, Burgos, Predaza, Segóvia, San
Lorenzo del Escorial e Toledo, entre outras belezuras.
Nesse giro todo, tivemos a oportunidade de visitar três excelentes bibliotecas espanholas.
Sobre uma delas eu até já escrevi aqui: a “Biblioteca Nacional de
España”, cuja sede principal fica no Paseo de Recoletos, 20-22, na
“Madrid dos Bourbon” (estações de metrô Colón e Serrano). É uma
“biblioteca de trabalho”, ou seja, não é só um lugar para apreciação do
ambiente e de belos livros. Tricentenária, gigante, ela é depósito legal
de todos os livros publicados na Espanha, além de possuir, claro, uma
riquíssima coleção de livros raros, manuscritos, jornais, desenhos,
fotografias, partituras, gravações sonoras etc. O museu da Biblioteca
Nacional, antigo “Museo del Libro”, à semelhança dos museus de outras
grandes bibliotecas (o exemplo que logo me vem à memória é o da British
Library), é fantástico. Como já sugeri aqui, vale a pena passear,
vagarosamente, por cada uma de suas salas, sobretudo as denominadas (à
época em que lá estivemos) “La Biblioteca a través de la historia”, “La
escritura y sus soportes” e “La memoria del saber”. A BNE está aberta de
segunda a sábado até as 20 horas e também aos domingos pela manhã. E o
melhor: a entrada é gratuita.
O segundo “templo” dedicado aos livros que visitamos nessa estada na
Espanha foi a “Biblioteca do Monastério Real de San Lorenzo del
Escorial”. A noroeste de Madrid, cerca de uma hora de carro, a cidade de
San Lorenzo del Escorial em si, que visitamos num dia frio mas
ensolarado, é pequenina (menos de 20 mil habitantes) e sem muito
atrativos “mundanos”, por assim dizer. O que ali nos atrai, sem dúvida, é
o seu palácio/monastério, “El Escorial”, que, para muitos espanhóis,
sobretudo os mais antigos, é a oitava maravilha do mundo.
A história do palácio/monastério – que está indissoluvelmente ligada
à majesdade de Filipe II de Espanha (1527-1598, e rei a partir de 1556
até a sua morte) – é longa e complicada para ser aqui resumida. Mas é
fato que, edificado entre os anos de 1563 e 1584, “El Escorial” foi
concebido mais como museu, retiro espiritual e mausoléu do que como
residência para a dinastia Habsburgo. A mistura de monastério e palácio
não era uma ideia original, é verdade. Mas, no caso do “Escorial”, o
sucesso da austeridade pretendida, pela manifesta falta de ornamentação,
fez dele um dos edifícios mais belos, importantes e influentes da
história da arquitetura europeia, em especial espanhola, e modelo de um
novo estilo de edificação. Como registram os autores de “A biblioteca:
uma história mundial” (Edições Sesc, 2016, e cujo título original é “The
Library: a World History”), James W. P. Campbell (texto) e Will Pryce
(fotografias), “'não existe nada parecido com o Escorial, nem Windsor,
na Inglaterra, nem Peterhof, na Rússia, nem Versalhes, na França',
escreveu Alexandre Dumas, pai, em 1846. 'Sem similares, criado por um
homem que dobrou sua própria época a sua vontade, um devaneio moldado em
pedra, concebido durante as horas insones de um rei em cujo reino o sol
nunca se põe'”.
Na concepção do prédio do “Monastério Real de San Lorenzo del
Escorial”, ao lado da Basílica e do Panteão Real, a sua “Biblioteca” tem
um papel fundamental. Idealizada pelo próprio rei Filipe II, a
concepção da dita cuja (da biblioteca, refiro-me) reflete o espírito
renascentista desse grande soberano. Uma das últimas etapas da
construção do Monastério, foi efetivamente projetada e construída, entre
os anos 1575 e 1583, por Juan de Herrera (1530-1597), arquiteto que
substituiu Juan Bautista de Toledo (1515-1567) como inspetor de
monumentos da Espanha. Como acrescentam os autores de “A biblioteca: uma
história mundial”, o teto da bilbioteca “tem afrescos de Pellegrino
Tibaldi [que são um aspecto mais que fundamental para a maravilha do
conjunto] e foi finalizado, provavelmente, por volta de 1585. Consiste
em um espaço único com abóbada de berço, com 68m de comprimento e
janelas da altura das paredes intercaladas de ambos os lados. Trechos
compridos de parede entre as janelas dão espaço para grandes estantes
bem encaixadas. Embora enormes e construídas contra as paredes, as
estantes são, para todos os efeitos, grandes peças de mobília, cada uma
formando uma unidade autônoma. No entanto, diferem radicalmente de
armários de biblioteca anteriores: os livros agora estão em exposição,
tornando-se parte da decoração”. Realmente, harmonizando com os
deslumbrantes afrescos do teto, as estantes, finamente trabalhadas, nem
claras nem escuras, são belíssimas.
No mais, como apontam Guillaume de Laubier e Jacques Bosser, em
“Bibliothèeques du monde” (Éditions de La Martinière, 2014), para o
sobredito rei espanhol, “o conhecimento não residia apenas nos livros,
mas também nas cartas, nos mapas, nas pinturas, nos instrumentos
científicos e nas mil e uma curiosidades e maravilhas que seus navios
lhe trouxeram das mais longínquas expedições”. Segundo os mesmos
autores, “se o acervo atual da biblioteca real não passa de 45000 obras
impressas, ela é enriquecida com 5000 manuscritos. Sua extraordinária
qualidade [mais uma vez] reflete as ambições de Filipe II, apaixonado
por seus livros e pela escrita em geral”.
Por derradeiro, informo que a terceira biblioteca que visitamos
nesse nosso périplo – pela capital e pelas regiões espanholas de Castela
e Leão e Castela-La Mancha, relembro – foi a “Biblioteca da
Universidade de Salamanca”. Mas sobre ela, por falta de espaço hoje,
papearemos somente na semana que vem.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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