RELEMBRANDO BOB
MOTTA
Valério Mesquita*
Morreu
Bob Mota, o poeta do povo. Foi autor consagrado que dispensa ladainhas.
Publicou mais de quinze cordéis e manteve coluna semanal “Cantinho do Zé Povo” em
jornais de Natal e de outros municípios. O irrequieto Roberto Coutinho da Motta
foi acolhido no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte como notável
pesquisador das raízes da nossa cultura popular e por tanto brasileira, pela
demonstração da exuberância da fala do povo, da sua capacidade de fabular que
nasce da mitologia do cotidiano.
Seu
livro “Preservando o Matutês” teve uma segunda edição devido ao sucesso
alcançado pelo primeiro volume que o tornou mais conhecido e respeitado nos
meios culturais e de comunicação. Inclusive, participou das duas últimas
edições do FESERP – Festival Sertanejo da Poesia – Prêmio Augusto dos Anjos, em
Aparecida, Paraíba, classificando-se com os poemas matutos: “A Queima de Espinho”
e “Meu Chapéu de Couro”, em oitavo e sexto lugar, entre 195 e 208 participantes
respectivamente. Ganhou o título de cidadão da Câmara Municipal de Boa Vista/PB.
Mais
ainda, com honra para o Rio Grande do Norte, ele integrou a equipe do humorista
Tom Cavalcante, como redator free lancer, de 1999 a 2000, colaborando com
piadas, causos, poemas matutos e paródias de sua autoria.
O
segundo volume é enriquecido com mais oito cordéis sobre fatos ocorridos no dia
a dia do Brasil e do mundo, como fiel observador do panorama visto de cima da
ponte Newton Navarro. Vale dizer, que o autor resgatou com lucidez e seriedade
um patrimônio espantosamente rico de nossas raízes prestes a ser esquecido. Os
verbetes acrescidos e anotados com riqueza de detalhes, fixam para sempre o autor
como um estudiosos inigualável da linguagem popular pura e genuína, como as
águas inaugurais dos velhos tempos do nordeste brasileiro. Os olhos do autor,
ao longo de sua vida estiveram sempre fixos na direção do relâmpago do sertão
do Cariri resistindo, pesquisando e defendendo a poética maneira de ser da
gente, confirmando a perene identidade de suas raízes.
Ninguém,
mais que o nosso Bob, merece o título de HERÓI DO SERTÃO, não por andar na
caatinga feito justiceiro armado, mas por haver recolhido, junto ao povo, um
linguajar – o “matutês – resultante de contingências históricas, sociais,
econômicas e, principalmente, culturais”.
Bob
Motta conduziu a sua obra como fruto de uma pesquisa enriquecida pela verve e
bom humor tanto potiguar quanto do Cariri paraibano, tal e qual um ato de amor
e de coragem.
Amor
às raízes de sua região, o Nordeste, à fala arguta da gente simples do sertão,
à riqueza vocabular de homens humildes que muitas vezes, sem saber, utilizam
expressões verbais extraídas do português camoniano do século XVI.
Teve
a coragem de registrar – quando a atenção do grande público é conduzida para a
problemática urbana ou cosmopolita – a presença atuante e preponderante de uma
realidade rural que se impunha pela riqueza do imaginoso e poético.
Em
todas as suas obras, é constante a imagem do sertão e dos sertanejos, das figuras
tradicionais, folclóricas, e acima de tudo, pela exuberância fala do povo, da
sua capacidade de fabular.
O
poeta viveu de 1958 a 1981, ao lado de seu pai, o saudoso empresário João
Francisco da Motta, “Seu Motta”, no sertão do Cariri paraibano. Em 1981, com o
seu falecimento, Bob ainda ficou por lá até 1991. Sua sensibilidade, sua
capacidade de glosar e “gozar” são alimentadas pela seiva inesgotável de humor
nordestino que parece fundamentar-se na aspereza e na ternura da geografia, das
plantas, das macambiras, dos xiques-xiques e das amorosas. E pontualmente do
verde escuro das serras que se tornam azuis na neblina do amanhecer e se
avermelham no incêndio do crepúsculo.
Nesse
cenário o autor edificou sua existência e sua literatura. Sempre, em seu ouvido
secreto cantará a voz do matuto narrando “causos” no alpendre, diante da noite imensa,
ritmado pela sanfona do forró de pé de serra. Não faltarão as imprecações
jocosas durante o jogo de sueca, as sonoras flatulências sertanejas sublinhando
as sentenças seculares.
Bob
Motta, herói de letras, sílabas, palavras, com talento, deixou um legado, um
acervo robusto de linguagem popular, como sua perene identidade com a gente nordestina.
(*) Escritor.
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