A integração do direito (II)
Na semana passada, introduzimos aqui o tema dos métodos de
integração do direito – a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito, conforme expressamente preconizado no art. 4º da “Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro” (Decreto-Lei 4.657/42) –,
sendo que ainda deu tempo de tratarmos especificamente, embora sem
nenhuma pretensão de exaurimento do tema, do primeiro deles, a analogia.
Hoje continuaremos na mesma toada tratando primeiramente dos costumes e, logo em seguida, dos princípios gerais do direito.
O costume é, numa definição bastante direta, uma prática reiterada
no tempo que se entende como obrigatória. A reiteração (como seu
requisito material ou objetivo) somada à convicção de que se aplica uma
norma de direito (requisito espiritual ou subjetivo) é o que dá ao
costume sua força cogente. “Em síntese”, como explicam Eduardo Espínola e
Eduardo Espínola Filho (em “A Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro: comentada na ordem de seus artigos”, volume 1, editora
Renovar, 1995), “para que se tenha um costume como fonte do direito
objetivo, é indispensável o concurso de dois requisitos: a) o elemento
material, consistente na continuidade, generalidade, uniformidade,
durante um longo espaço de tempo; b) o elemento espiritual ou
psicológico, que é a consciência da sua obrigatoriedade (opinio
necessitatis), a convicção de que se aplica uma regra de direito (ratio
juris)”. Lembremos que o costume não se confunde com a praxe
administrativa. Aquele exige cumulativamente o elemento objetivo
(prática reiterada) e o elemento subjetivo (convicção generalizada de
sua obrigatoriedade), ao passo que esta (a praxe administrativa) se
contenta com a presença do elemento material apenas. O costume, assim, é
fonte do direito e método de integração normativa; a praxe
administrativa, não.
Lembremos ainda que, outrora muitíssimo importante, o costume, nos
estados constitucionais modernos, têm cada vez mais perdido sua
importância, dada a existência de um órgão especialmente vocacionado à
elaboração das normas jurídicas – o Poder Legislativo ou Parlamento,
produtor de leis –, que atende, com muito mais rapidez, atualidade e
segurança (atributos que normalmente faltam, sem dúvida, ao chamado
direito consuetudinário), às necessidades da sociedade.
No mais, no que toca à sua relação com a lei, o costume é
normalmente classificado em três modalidades: (i) “costumes secundum
legem” (segundo a lei); (ii) “costumes praetar legem” (supletivos da
lei); e (iii) “costumes contra legem” (contra a lei). E sobre essas
modalidades, um dia, com mais tempo, voltaremos a conversar aqui.
Os denominados princípios gerais do direito, por sua vez, são as
ideias basilares que inspiram um sistema jurídico e o direito de um
país, nos seus mais diversos ramos, influenciando tanto a sua criação
como a sua aplicação. Como ensina Celso Agrícola Barbi (“Comentário ao
Código de Processo Civil”, volume 1, Editora Forense, 1993), “mesmo sem
estarem formulados nos textos, sua presença é imanente no sistema.
Alguns são contingentes, isto é, frutos das ideias dominantes em
determinados períodos; outros são mais permanentes, surgindo da
experiência jurídica multissecular”.
Os princípios gerais do direito podem ter caráter universal ou
nacional, sendo que, neste segundo caso, estão em relação mais imediata
com o direito positivo do país. O grande civilista Orlando Gomes (em
“Introdução ao Direito Civil”, Editora Forense, 1991) classifica os
princípios gerais em três grupos: “o primeiro é constituído pelos
princípios que servem de base à organização social e política. O
segundo, pelos adágios, máximas, parêmias ou brocardos, os chamados
provérbios jurídicos, de aplicação corrente, que apresentam uma
condensação tradicional de princípios gerais. O terceiro, pelos
princípios decorrentes da natureza mesma das instituições sociais,
investigados e formulados pela doutrina”.
E uma classificação ainda melhor é proposta por Eduardo Espínola e
Eduardo Espínola Filho (em “A Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro: comentada na ordem de seus artigos”, volume 1, editora
Renovar, 1995), preocupados com a necessidade de se estabelecer uma
espécie de hierarquia entre os princípios gerais, para uma correta
aplicação destes, dando, na esteira de autores como Nicola Coviello e
Carlos Maximiliano, gradativamente preferência aos mais específicos em
relação aos mais gerais: “a) os princípios gerais de um instituto
jurídico; b) os de vários institutos jurídicos afins; c) os de um dos
ramos do direito privado (civil, comercial, industrial, rural, marítimo,
aéreo), ou do direito público (constitucional, administrativo,
internacional, etc.); d) os de todo o direito privado e os de todo o
direito público; e) os de todo o direito positivo vigente; f) os de todo
o direito universal”.
Dito isso, paro hoje por aqui. Prometendo, todavia, na semana que
vem, tratar aqui de uma tema relacionado, a “equidade”, assim como fazer
minhas últimas observações sobre a temática da integração do direito.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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