Macaúbas: tricentenário de um mosteiro mineiro, com
influência alagoana.
*Olegário Venceslau da Silva
Os pálidos e contumazes ventos remontam às antigas vielas duma antiquíssima
Penedo, que se banha amiúde no frescor das mansas águas do Velho Chico, com
suas manias de curvas. Sob o orago perpétuo de santos católicos e olhares
contemplativos das desbotadas e seculares torres das igrejas locais, feito sentinela
permanente a guardar seus filhos, que transitam sobre íngremes ruas de pedras
sobrepostas, e descansam suas fadigas à sombra dos casarios barrocos quando
dos dias quentes e ofegantes da bucólica cidade interiorana, com traços
aristocráticos e opulência imperial, que fazem jus àquela comuna nativista. As
sapientes palavras do poeta Castro Alves, num linguajar sonetista traduzia com
perfeição e síntese o tempo, em suas mais diversas formas – “o século é grande
no espaço” – e a grandeza do amontoado dos anos escrevia com fulgurante pena
a história e destino dum camponês ribeirinho, cuja missão quiçá profética, levou-o
a caminhos, a paragens desconhecidas e não menos inimaginável. Nos longínquos
idos de 1708, ainda sob os auspícios de um Brasil colonial e campesino, arraigado
aos costumes medievos na então capitania de Pernambuco – hoje Alagoas – o
conhecidíssimo clã dos Soares da Costa, liderado pelo Capitão Manoel e seu
irmão Félix, abandonam o regaço materno após o desaparecimento de seu genitor,
e num misto de êxtase e olhar visionário ambos rumam às plagas mineiras, pelos
caudalosos caminhos do Rio São Francisco margeando povoados e vilarejos do
baixo sertão nordestino, imersos pela ausência de mantimentos, inclemência de
uma terra ressequida e paupérrima, mas sobretudo pelo apogeu da fé de seu
povo, cujo percurso configurou-se em uma verdadeira peregrinação, que lhes
tomaram três longos anos de viagem.
Quais andarilhos guiados diuturnamente por constantes devaneios, finalmente
arriam seus pertences – feito nau errante ao atracar no cais – no então sítio
Macaúbas, em 1711. De profunda devoção mariana, estritamente ligada a
Imaculada Conceição, o sertanejo das quebradas da alagoana Penedo, Félix da
Costa Soares, é tomado por reluzente miragem quando de sua travessia às
margens do Rio das Velhas, cujo sinal metafísico remetia à figura eremita de um
homem, vestido no hábito branco, tendo por sobre si um escapulário e revestido
num finíssimo manto azulado, trazendo sobre a fronte um pequeno chapéu caído
nas costas. Num transe quase que involuntário, o beato Félix entendia doravante a
missão a ele outorgada. No ano seguinte, após um período de contemplação e
clausura, imerso em orações e fervorosas súplicas resolve seguir caminho em
direção ao Rio de Janeiro, no intuito de ser atendido em audiência por Dom
Francisco de São Jerônimo, então bispo daquela Província. Entre narrativas e
petições auriculares sobre o pretérito episódio, Félix da Costa recebe autorização
eclesiástica para a construção de uma ermida sob a invocação de Nossa Senhora
e posteriormente transformado em recolhimento, bem como o uso perene do
hábito da Ordem da Imaculada Conceição, cujo sonho materializou-se devido as
esmolas colhidas e guardadas num singelo cofre que trazia junto de si, pendurado
no peito. Durante décadas a fio, a obra fora erigida nas vastas campinas das Minas
Gerais, serviu de recolhimento para irmãs religiosas, se tornou no século XIX o
primeiro colégio para meninas e moças daquela capitania do sudoeste brasileiro,
cuja função precípua era a educação, o preparo das jovens para o casamento,
proteger órfãos e viúvas desamparadas. Nele se instalam diversas noviças,
recebendo em seus átrios as nove filhas da ex-escrava e senhora do Arraial do
Tijuco, Chica da Silva, entregue aos cuidados das religiosas da Ordem de Nossa
Senhora da Conceição.
Passados três séculos desde sua fundação [1712 -2015] cada espessa coluna
daquele monumento arquitetônico dão um testemunho eloquente, dos incontáveis
dias de glória e árduas conquistas a suor e lágrimas, conservando no seu interior
histórias de um homem – Félix da Costa Soares – nascido nos recônditos
boqueirões de uma Alagoas ribeirinha e bucólica, cujo destemor e intrépida fé
fizeram-no cravar em solo mineiro o estandarte multicolorido da religiosidade
popular e educação feminina, perenizando desta forma um sonho que sobreviveu
às agruras e intempéries da vida.
* Escritor, advogado, membro da Academia Maceioense de Letras, Academia Alagoana de
Cultura, Comissão Alagoana de Folclore e sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte, Espírito Santo e Paraná .
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