Por que “common law”?
Hoje em dia, diferentemente da minha época de estudante na UFRN (o que não faz tanto tempo, exijo que isso fique bem claro), talvez em razão da Globalização e da enorme capacidade de comunicação que a Internet nos proporcionou, trabalha-se constantemente com o direito comparado e, nessa interação com os sistemas jurídicos de outros países, faz-se bastante uso da expressão “common law”, como forma de aglutinar o direito de alguns países - a Inglaterra, antes de tudo, e outros que a seguiram, como os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia - em uma família ou tradição jurídica com características próprias e comuns, sobretudo sua estrutura jurídica fundamentalmente jurisprudencial, em contraposição à família jurídica do “civil law”, também com seus caracteres comuns, à qual estão filiados os sistemas jurídicos da maioria dos países da Europa Ocidental e também o Brasil.
E, vez por outra, quando uso do direito comparado em sala de aula, vem um curioso e pergunta: “professor, por que esse direito, de origem inglesa e compartilhado por alguns outros países, tais como os Estados Unidos da América, foi chamado de 'common law' (em bom português, de 'direito comum')?”.
“Por vários motivos, pelo que eu sei, todos relacionados à história inglesa”, é o que invariavelmente digo, complementando a resposta com as explicações que vão a seguir.
Primeiramente, como se sabe, a chegada dos normandos à Inglaterra, liderados por Guilherme, o “Conquistador”, em 1066, inaugurou uma nova era naquela famosa Ilha, cujo sistema jurídico, até para os padrões da época, era bem rudimentar. Com a conquista normanda, começou a se desenvolver, enfrentando muitos obstáculos, um direito com abrangência em todo o Reino da Inglaterra, contraposto aos direitos locais e consuetudinários antes existentes; geograficamente falando, portanto, um “direito comum” (“common law”).
Em segundo lugar, esse direito mostrou-se, como registra Antonio Padoa Schioppa (em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea”, edição da WMF Martins Fontes, 2014), de “aplicação geral, isto é, de maior alcance quando comparado aos privilégios soberanos, às normas especiais e aos direitos de classe”; “direito comum” (“common law”), portanto, a todos.
Em terceiro lugar, esse novo direito inglês foi chamado de “common law” porque criado e administrado exclusivamente pelos tribunais e juízes régios, os tribunais de Westminster, com instrumentos processuais próprios, que se opuseram às inumeráveis jurisdições senhoriais, que se baseavam nos princípios e regras do direito feudal.
Em quarto lugar, esse novo direito foi chamado de “common law” porque criado e administrado exclusivamente pelos tribunais seculares em contraposição aos tribunais eclesiásticos, que aplicavam à época o direito canônico da Igreja Católica.
Em quinto lugar, esse direito foi chamado de “common law” em contraposição ao “sistema” jurídico paralelo, criado em fins do século XV para suavizar a rigidez do “direito comum”, denominado de “equity”, cujas decisões eram/são mais maleáveis, sempre levando em conta as circunstâncias do caso concreto. Aliás, essa “duplicidade” de sistema jurídico na Inglaterra perdurou até o final do século XIX, quando, de modo apenas parcial, se fundiram os dois sistemas.
Por fim, antes de terminar este riscado, um pequeno alerta: a expressão “direito comum” não é uma exclusividade do direito anglo-americano, ao ponto de somente poder ser utilizada para designar o direito dessa tradição jurídica. Para quem não sabe (vide o meu artigo “O grande codificador”), o direito romano fundado no “Corpus Iuris Civilis” do imperador romano-bizantino Justiniano (483-565), redescoberto no século XII pelo Ocidente (que, lembremos, antes havia caído nas mãos dos “bárbaros”) e aplicado daí em diante com todo esplendor na Europa continental (com sua influência alastrando-se até os nossos dias), foi, por muito tempo, por motivos bem parecidos com aqueles acima relacionados para o direito inglês, convencionalmente chamado de “direito comum”. Mas isso é outra história.
Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL Mestre em Direito pela PUC/SP
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