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Sobre John Austin
Tendo escrito na semana passada sobre Jeremy Bentham (1748-1832) e o University College London – UCL, acho uma boa conversarmos hoje sobre o jusfilósofo John Austin (1790-1859), o primeiro professor de filosofia do direito dessa famosa universidade e, seguramente, um dos maiores nomes da denominada jurisprudência analítica e do positivismo jurídico em geral.
John Austin (1790-1859) nasceu no condado de Suffolk, no leste da Inglaterra, em uma família de comerciantes. Jovem, ele serviu, embora por pouco tempo, no Exército britânico. Deixou a carreira militar para estudar Direito. Ingressou na advocacia em 1818. Exerceu a profissão por sete anos e, dizem as más línguas, não fez muito sucesso. Em 1826, com a recomendação de Bentham (boa e justa recomendação, não se discute), foi nomeado para a primeira cadeira de filosofia do direito na instituição que se tornaria o gigante University College London – UCL. Deu aulas até 1832, quando, dizem também as más línguas, começaram a rarear os alunos nas suas aulas. Renunciou oficialmente ao posto em 1835. Deu aulas também, sem muito sucesso de público, no Inner Temple. Passou por maus bocados, depressão, autocrítica exagerada e bloqueio intelectual. Sua mulher, Sarah Austin (1793-1867), famosa escritora e tradutora inglesa, foi responsável pelo sustento da família nesses tempos ruins, tendo ela ainda, após a morte do marido, trabalhado apaixonadamente para garantir a divulgação de suas obras para as gerações futuras (e nós, estudantes do Direito, penhoradamente, agradecemos a essa ilustre senhora).
A reputação de John Austin repousa, sobretudo, em duas obras: “The Province of Jurisprudence Determined” (de 1832, baseada nas notas de suas aulas no UCL) e “Lectures on Jurisprudence or the Philosophy of Positive Law” (de 1863, obra póstuma, portanto). Com esses escritos, Austin foi um pioneiro do que hoje chamamos jurisprudência analítica (“analytical jurisprudence”) e do positivismo jurídico em geral.
No que toca à jurisprudência analítica, Austin talvez tenha sido o primeiro jurista moderno a estudar o Direito isoladamente, como entidade existente por si só, e não como um fenômeno cultural, moral, sociológico, político, econômico etc. Austin, pioneiramente, focou apenas no Direito e nos seus métodos - isto é, independentemente dos outros ramos do conhecimento -, analiticamente elucidando, definindo e relacionando os principais conceitos dessa ciência, tais como “norma”, “direito”, “faculdade”, “obrigação”, “dever”, “sanção” e por aí vai. Com isso, Austin deu o ponta pé inicial a uma corrente pensamento que se desenvolveu bastante na Inglaterra, tendo, no século XX, H. L. A. Hart (1907-1932) como seu maior expoente (sobre quem falaremos, se Deus permitir, na próxima semana).
Doutra manda, Austin também é considerado um pioneiro do chamado positivismo jurídico, aqui entendido, num primeiro momento, como a corrente jusfilosófica que se contrapõe à ideia de um direito natural. Se o direito positivo é criação do homem, aos jusnaturalistas interessam seu fundamento e legitimação; aos positivistas, nos seus estudos, interessa tão somente a averiguação dos pressupostos lógico-formais de sua vigência (pensamento que, embora não seja a mesma coisa, guarda clara conexão com os ideais “autonomistas” da jurisprudência analítica). É famosa a defesa de Austin, até certo ponto cínica, de que “a existência do Direito é uma coisa; o seu mérito ou demérito é outra”.
Foi em busca de apontar os pressupostos lógico-formais do Direito, até porque descrente da capacidade do homem de aplicar o Direito com fundamento no direito natural (se é que este existe), que Austin empreendeu seus estudos. Ele afirmou que o Direito é o comando do soberano, que não é comandado por ninguém e é habitualmente obedecido, apoiado por uma sanção. Nesse ponto, o pensamento de Austin é muito criticado por, aparentemente, não sujeitar o “soberano” (seja ele o Monarca, o Parlamento ou o Governo) à lei - mas, sim, ao contrário -, o que está em total descompasso com a ideia da “rule of law” e do nosso estado democrático de direito. De toda sorte, ao final, sua tarefa era desenvolver, partindo dessa premissa (à semelhança de Hans Kelsen com sua “norma fundamental”), um sistema jurídico, tomando o Direito isoladamente, que fosse articulado, coerente e logicamente consistente.
Se Austin conseguiu? Quem sou eu para dizer sim ou não...
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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