CANTINELA
DO
BECO DA QUARENTENA
A célebre rua estreita e curta, na sua longa existência
tem aparecido através de música, teatro, prosa, quadra epoemas modernos, mas,
nunca em versaria completa, historiando a sua vida passional, como agora o
fazemos, dando-lhe o título de CANTILENA DO BECO DA QUARENTENA, O mestre Castilho, em sua época, condenou
as Sextilhas, mas os cantadores de vida, principalmente Nordestinos, escreveram
seus poemas no estilo tradicional, também conhecidos por versos-de-seis pés.
A Sextilha-setissílaba tem várias formas de rimas, mas
adotamos, como a maioria dos cantores-matutos, na fórmula mais popularizada –
ABCBDB, - muito usada a começar do Século XVI. Mesmo os poemas eruditos,
versejaram neste estilo e eram aplaudidos porque o canto logo cedo seria
decorado pelo emparelhamento das rimas visivelmente aparecendo quase juntas.
Sobre o termo CANTILENA, que tanto pode ser uma cantiga
suave, como também uma narração fastidiosa, impertinente e enfadonha,
resolvemos situá-la fora da canção que, na musicologia - aparece i
Há muitos anos vimos realizando uma pesquisa em torno de
logradouros natalenses, insignificante, inexpressiva, atoa, e J. J.,Rousseau
chegou a dizer que não era aconselhável seu nome aparecer nos dicionários
musicais, contudo, o dicionarista português Ernesto
Vieira afirmou - "Hoje emprega-se o termo
num sentido desprezível para
designar uma melodia trivial e monótona". E num dos versos de Camões - OS LUSÍADAS - encontramos: - “As doces
Cantilenas que cantavam os emicapros deuses”,
No nosso livro ADAQIÁRIO MUSICAL BRASILEIRO, editado por
Saraiva S/A, S. Paulo, pg. 41,
sobre o termo, escrevemos: - “Acaba com essa cantilena - que é
uma canção suave, cantiga simples. No sentido em que se emprega o adágio,
quer dizer' entretanto, que se deve acabar com a maneira usada para iludir, com
a astúcia, Acabe com cantilena - isto é, deixe de querer tapear, iludir,
enganar”.
Estando, portanto, Cantilena em vários dicionários de música, chegamos à conclusão que o vocábulo
de tão simples formação, representa um insignificado aspecto na fonologia de um
povo. E, de sua inexpressividade, apelidamos a versaria comida neste trabalho.
-oOo-
A promiscuidade dos sexos, o oficialismo da prostituição
adesmoralização da sociedade com seus costumes educativos a perversão
desenfreada, edificam-se em Natal no início do Século XVII e talvez atravesse
outros tempos que vierem pela frente, porque continua cada vez mais alargado o
caminho espaçoso, tenso e amplo da miséria humana, vivida no centenário “Beco
da Quarentena”.
mas, o "Beco da Quarentena" foi o que mais
impressionou ao estudioso dos costumese tradições norte-rio-grandenses, porque
em nossa meninice fomos assíduos frequentadores daquele antro de vícios,
juntamente com outros colegas que já se foram do nosso convívio.
Consequentemente, jamais no bairro da Ribeira uma rua ilustrou tanto as páginas
de jornais, com assiduidade e constância, a boemia, a vagabundagem, a imoralidade
e a falta de decoro na ociosidade daquele ambiente de degenerescência moral.
Anos passados, numa das aulas que demos 'no "Curso
João Caetano", promoção do "Teatro de Amadores de Natal", a
convite do teatrólogo Sandoval Wanderley, no prédio do "Instituto
Histórico e Geográfico do Rio G.
do Norte, abordamos o tema da poesia popular, ocasião em que lemos o trabalho
agora transformado numa plaquete, a nosso ver, sem nenhum fator literário.
Oferecendo em seguida a versaria, eis que Sandoval Wanderley transformou o
assunto numa peçade sua autoria.
No decorrer do tempo, outros poetas e escritores
escreveram trabalhos literários enriquecendo a cultura norte-rio-grandense,
envolvendo fatos existidos no famigerado logradouro que ainda hoje vive seus
dias amargurados porque ainda é notória e até de “utilidade pública” sua
vivencia repleta de mulheres “perdidas”, alcoólatras inveterados e toxicômanos
encontrando nos entorpecentes as sensações anômalas de uma geração cheia de
complexos sociais.
A história contada pelo amigo que pediu segredo é
verdadeira. Ouvimo-la e a levamos para a versaria já conhecida por alguns
intelectuais de nossa terra, pois há precisamente cinco anos fizemos publicação
na Tribuna do Norte – 22-7-73 de uma parte da narração e, em seguida, um grupo
de oficiais da Policia Militar do Estado tirou vários exemplares em xerox.
G. S.
Natal, março de 1979
Vinha do alto sertão
Trazendo um velho vestido
Uma calça e um sutiã.
Sua cor de Tez morena
Com cabelo cacheado
O corpo era um violão
Como sendo torneado
Tinha o rosto de
criança
Parecia um mimo achado.
Sem nenhuma experiência
Embrenhou-se na
desgraça
Juntamente com as
colegas
Que eram moças de outra
praça
Tomando a sua maconha
Com tangerina e cachaça
Às vezes, elaia no banho
La no Rio Potengi
Em noites de lua clara
Muitas horas eu assisti
Seu corpo banhado
n’água
Como se fosse a Jaci.
Ainda nas calças curtas
Residindo na Ribeira
As mulheres “davam
sopa”
Vivendo na bebedeira
Minha vida tinha inicio
No antro da “buraqueira”.
Naquele Becoda lama
Constantemente vivia
Entrando de porta
adentro
E a pobre da inquilina
Desamparada morria.
Sem ter pra quem apelar
A miséria ali reinava
Jamais a “Saúde
Pública”
Naquele Beco passava
Poe isso é que uma
criança
Perdida no mundo
estava.
Muitas “doenças do mundo”
Empestavam a mocidade
E essa chaga malditosa
Contaminava a cidade
Pois conheci muita, gente
Morrendo na flor da idade
A Polícia era constante
Dava ronda a noiteinteira
Mas nunca evitou as brigas
Vivendo de tal maneira
Que muitas mortes ali houve
Por-causa da bebedeira.
No outro dia, os Jornais
Lamentavam, tinham pena
Dando notas alarmantes
A coluna era pequena
Pra contar as suas
brigas
No “Beco da Quarentena”.
Ocrime mais hediondo
De que tive conhecimento
Foi feito por um tarado
Por nome de Nascimento
Matou a Maria Rosa
ex-esposade um detento.
Nascimento era “embarcado”
Do navio “D. Vital”
E passando o ano inteiro
Afastado de Natal
Por isso matou a Rosa,
Através do seu punhal.
Naquele Beco infeliz.
Conheceu a tal mulata
Conquistando o seu amor
Dando-lhe joias de prata
Assim, a Maria Rosa
Das mulheres, era a “nata” ...
Também conheci a Rosa
E com ela tive amor...
Era mulher carinhosa
Com seu corpo de esplendor
Seu riso, seu olhar triste
Tinha a ternura da flor.
Cantava samba e modinha
Ao som do meu violão
Recitava alguns poemas
Coma maior exaltação
Parecia a voz dos pássaros
Nas manhãs do meu sertão
Praieira dos meus amores
Rosa cantava sorrindo
Ninguém melhor do que ela
Interpretava sentindo
O que Otoniel contou
Naquele poema tão lindo.
Outras modas potiguares
Rosinha cantarolava
“Abre a janela ...” do Ivo
Feita a mulher que ele amava
E Olímpio Batista Filho
Horas depois, musicava.
As mulheres mais formosas
Daquele Beco infernal
Tinham os nomes mais lindos
Que conheci em Natal;
Rosa, Judith, Jurema.
Jaqueline e Marial,
Iracema eJacira
Julimar, Inês, Bonina
Iraci, Branca e Maria
Isabel, Mara e Alvina
Inês, Pureza, Cecí
Alice, Marta, Venina.
Foram “mulheres da vida”
eu de todas tinha pena
Pela fome que passavam
Corno um bando de falena
Vivendo desabrigadas
No “Beco da Quarentena”.
Infeliz de uma mulher
Que morar naquela rua
Nunca mais terá sossego
Com a vida que ali flutua
Pois pra ganhar o seu pão
Tem que ficar toda nua.
Vendendo por mixaria
O que lhe deu o Criador
Beijos, abraços, afetos
Felicidade e pudor
E seu formoso corpinho
O coração, e o amor.
Quarentena! És um inferno
Que os bichos-homens criaram
No reinado da miséria
Suas vidas estragaram
Infelizes dos mortais
Que naquele Beco andaram.
Quantas vidas preciosas
No Beco da perdição
Tiveram sua má sorte
Pois não indo pra Prisão
Findavam no Cemitério
Sem ter uma "Extrema-Unção".
Faca, peixeira, quicé
Canivete e até porrête
Eram armas que se usavam
Quando havia “tirinête”
E a soldada fugia
Pra se livrar do cacete.
Meu amigo Zé Vicente
Que morava em Caicó
Foi um menino educado
Pela sua bisavó
Logo cedo foi ao Beco
Saindo de lá, cotó.
Numa briga de malandros
Defendendo o Pedro Tasso
Duma bruta covardia
Levou um forte balaço
Indo ficar no "Hospital"
Perdendo afinal um braço
Pederastas, cafetinos
Maconheiros, afamados
Frequentavam o tal Beco
Sendo bastante estimados
Avistando com seus homens
Com os quais eram amigados.