18/05/2021

O império negro de Kush Tomislav R. Femeni ck - HistoriadorA historiografia tem dado muito pouca atenção a alguns povos. Este é o caso doskuchitas (cuxitas) uma das mais antigas e estruturadas culturas da África Negra. Eleshabitavam a antiga Núbia, região que atualmente é o sul do Egito e o norte do Sudão,situada ao longo do rio Nilo. Suas terras incluíam, ainda, áreas desérticas a leste e a oestedo vale do Nilo, até as cercanias do mar Vermelho e do deserto da Líbia. Embora algunspesquisadores tentem atribuir ascendências mediterrânica, amarela ou mista aos kuchitas, aNúbia era, e é, uma terra povoada por negros. Suas relações com o Antigo Egito retroagem a épocas situadas entre 5000 e 3000a.C., de tal forma intensas e permanentes durante toda a sua existência, que “a história daNúbia é quase inseparável da do Egito” (SHERIF). Durante a primeira dinastia, osegípcios se impuseram no norte da Núbia, com o intuito de controlar o tráfico de algumasmercadorias. O resultado natural foi que os kuchitas absorveram muitos dos costumesegípcios, inclusive a religião e a construção de pirâmides, embora não tão grandiosas. O primeiro reino Kuch teve por sede a cidade de Kerma (Querma), que já existia porvolta de 2400 a.C. Ali eram vendidas as mercadorias do norte e do sul do rio Nilo:produtos manufaturados no Egito, bem como mercadorias naturais da Núbia.Durante o Segundo Período Intermediário, o período de decadência do poder dosFaraós, houve o ressurgimento do reino Kuch. Tão logo o Egito se recuperoupoliticamente, voltou-se contra os kuchitas, impondo-lhes uma derrota militar, obrigandoos vencidos a pagar tributos. Em apenas três anos a Núbia enviou ao Egito cerca de 750quilos de ouro. “Por outro lado, certos elementos culturais núbios seguiram também arota das caravanas, e numerosos deuses e deusas do sul passaram a integrar o panteonegípcio, como o deus carneiro Jnun”(KI-ZERBO). O processo de fortalecimento do reino de Napata tinha como base uma organizaçãoadministrativa que sofria grande influência egípcia, mas tinha as suas tipicidades. Porexemplo, o rei era um autocrata absoluto e, ao contrário dos Faraós, não dividia oudelegava poderes para nenhum membro do estamento governamental ou religioso. Osvizires e sacerdotes eram meros subalternos do rei. Outra base do crescimento foi aeconomia, centrada na exploração agrícola, pecuária e na mineração, para o que contavamas técnicas de trabalhos metalúrgicos e de comercialização de produtos, com um fortecontingente de artesãos e uma população relativamente urbanizada. Em 767 a.C., um dosseus reis derrotou os egípcios, assumiu o governo do país, instituiu a XXV dinastia egípcia,fato que fez com que cinco núbios ocupassem o posto de Faraó do Egito. Note-se que,embora tenha havido uma grande troca de culturas e costumes, nunca houve uma uniãototal desses dois povos nem dos dois governos. Mesmo durante o período de domínionúbio no Egito, continuaram com identidades paralelas, apesar das tentativas de uniãopolítica. A dominação núbia sobre o Egito perdurou até cerca de 655 a.C., quando os assírios ocuparam o baixo Egito, subiram o rio Nilo, chegando até Tebas, onde realizaramum grande saque. As lutas dos assírios contra a XXV dinastia foram intensas e cruéis. OFaraó Núbio “retirou-se para Kuch, onde sobrevivia o reino egiptizado” (OLIVER eFAGE). No final do século IV a.C., a capital do reino de Napata foi transferida paraMéroe, onde permaneceu até o seu declínio, ocorrido no século I d.C. Os reinos kuchitas, em todas as suas fases, foram exportadores de escravos para oEgito, para a Mesopotâmia e para a Ásia, via mar Vermelho. Para a queda dos kuchitascontribuíram as derrotas que lhes foram impostas pelos Faraós da dinastia ptolomaica,pelos romanos e finalmente, em 320 d.C., pelo reino Aksum (ou Axum), formado poremigrantes árabes. Uma das últimas referências históricas sobre o governo de Méroe datade 652, quando foi assinado em acordo comercial entre o governo islâmico do Egito e osnúbios remanescentes do antigo reino Napata, pelo qual estes forneceriam 360 escravospor ano.PS – Maiores informações sobre o reino Kush estão em meu livro “Os Escravos, daEscravidão Antiga à Escravidão Moderna”.Tribuna do Norte. Natal, 15 maio 2021

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