Trabalhando
Por que trabalhamos? O que “ganhamos” fazendo isso?
Há várias razões. E já adianto que descobri algumas bem prosaicas nestes dias de pandemia. Conto já. Rogo só um tico de paciência.
A primeira razão, a mais óbvia, provavelmente a principal, é ganharmos dinheiro. Ninguém vive da beleza. Quase ninguém, melhor dizendo. Pelo menos eu não vivo, infelizmente. Trabalho é fonte de cansaço e estresse para muitos. Mas ele gera dinheiro. Pouco ou muito. E precisamos de dinheiro para comprar comida, pagar aluguel ou remédios, adquirir roupas ou livros (depende do gosto) e usufruir de centenas de outras coisas mais. Isso é fato, embora existam trabalhos domésticos ou voluntários, muito cansativos e nobres, que não geram, ao menos não diretamente, remuneração.
Há também a ideia – da qual eu comungo – de que o trabalho em si é uma coisa boa. Alguns até encontram na filosofia ou na teologia a base para a “ética do trabalho”. Segundo Chris Yuill e Christopher Thorpe em “Se liga na sociologia” (Globo Livros, 2019), “é comum a crença de que o trabalho é uma coisa boa, que o indivíduo tem o dever moral de trabalhar, a chamada ‘ética do trabalho’. Max Weber [1864-1920], ao tentar descobrir as raízes da sociedade capitalista no Ocidente, viu que o protestantismo calvinista [mais do que o luterano], religião alemã na época, desempenhava um papel importante na construção dessa crença. Seguidores da religião acreditavam que Deus já havia escolhido quem iria para o Céu. Trabalhar duro e ter sucesso na terra era um bom sinal. O trabalho duro se tornou parte das crenças e práticas da fé”. Vai aí talvez a essência de “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1904).
Ademais, o trabalho gera status. Ele sempre nos deu uma posição ou valor no mundo. No mundo de outrora e talvez mais ainda no de hoje, tão mais “líquido”, como nos mostrou Zygmunt Bauman (1925-2017). Embora isso às vezes possa parecer rude, lembremos de como é comum a gente perguntar a alguém que acabamos de conhecer – ‘com o que você trabalha?’, e como isso direciona o nosso relacionamento em seguida. Aliás, bem mais do que no Brasil, em muitos países europeus essa é quase uma pergunta introdutória necessária, para criarmos relacionamento com quem acabamos de conhecer.
O trabalho gera relacionamentos. Conhecemos outras pessoas. Estabelecemos amizades que podem durar uma vida toda. Tem-se às vezes quase uma rotina familiar. E mais: tudo isso é contato. Ou “capital social”, como chamou Pierre Bourdieu (1930-2002), que pode nos ajudar – e muito – a ter sucesso na vida.
Há ainda o fato de que o trabalho é bom para a mente. Ocupa a dita cuja, evitando o tédio ou mesmo a depressão. Estimula a nossa capacidade cognitiva. É por isso que muitas pessoas fogem da aposentaria, pois têm medo de ter muito tempo para fazer… nada. O ócio, se não criativo, é a “oficina do diabo”.
Por fim, o trabalho também é bom para o corpo. Caso não exaustivo, evidentemente. Nunca em condições “análogas à de escravo” (nem precisava dizer isso). Falo em condições físicas dignas e em conformidade com a legislação em vigor. Ele evita o sedentarismo. E, pelo que já li, o trabalho está relacionado a um ritmo natural do nosso corpo: trabalhamos quando estamos ativos e descansamos/recuperamos o corpo quando estamos exaustos. E isso é ótimo.
Bom, acho que minha epifania sobre o trabalho está indiretamente relacionada aos três últimos aspectos citados acima. Voltei a trabalhar presencialmente faz uns três meses. Foi a melhor coisa que fiz. Voltei a ver a “minha gente”, incluindo a nossa mascote. Voltei a minha rotina da qual tanto reclamava. Fiquei mais alegre. Pelo caminho Natal/Recife, que se mostrou até mais verde, dei movimento ao meu corpo jornada afora.
E, sobretudo, eu voltei a usar calças. Aí, sim: que felicidade!
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – K
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