SOMBRAS DA CIDADE
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
O progresso é um cárcere privado, muitas vezes, ominoso e fatal para os
telúricos, os proustianos como eu. Nasci na antiga rua do Comércio, depois João
Pessoa e hoje Nair Mesquita, em Macaíba. O local era um sobrado que não
preserva mais a sua estrutura física original numa artéria de casarões
destruídos ou desfigurados. Assim ocorreu com os sobrados onde nasceram na
mesma rua: Auta de Souza, Henrique Castriciano, Augusto Severo e Alberto
Maranhão.
Da ponte sobre o rio Jundiaí, até a igreja matriz em frente a antiga
prefeitura, na avenida Nossa Senhora da Conceição, da rua Pedro Velho so Barro
Vermelho - berço histórico, social e cultural da cidade - todo o passado está
sepultado sobre o asfalto e edificações novas em nome do progresso. É um visual
que choca, punge, frustra. E como são falsas e hipócritas as coisas novas. Esse
trecho parece com o bairro do Alecrim, burguês, atrofiado, tumultuado e
disforme. Macaíba perdeu a elegância clássica, altiva, portentosa, de cidade
antiga nascida às margens do rio. Cidade dormitório, super povoada, crescimento
desordenado, são outras chagas doloridas de sua deformação permanente. No
centro, investiram no seu futuro matando o antigo, o passado, o histórico, como
se não valessem. Destruíram a sua identidade. Não conheço mais a minha cidade,
porque baniram as antigas tardes silenciosas e as manhãs contemplativas das
velhas figuras da cidade que tanto encantavam os meus olhos de menino: Olimpio
Maciel, Euclides Ribeiro, Emídio Pereira, Manoel Alves, Severino Aleixo, Francisco
Moura, Isbelo Vieira, Alfredo de Almeida, José Benevides Campos, Luiz Cúrcio
Marinho, Magno Tinôco, José Augusto Costa, Agnaldo Ferreira, João Fagundes,
Luiz Marinho de Carvalho, sem esquecer as folclóricas: Maria Cabral, Pachêco,
Cabeção, Sérgio Cabeceiro, Sabiá, Luiz Bicho Feio, Manoel Dedo Melado, Zé
Distinto e tantos outros.
Vivo e convivo com todos esses fantasmas da cidade na minha mente. São sombras
que não se desfazem com o tempo porque viveram momentos profundos, densos e
intensos. Por mais que Macaíba desintegre a sua configuração urbana elas estão
impregnadas nas paredes e refletem no chão dos antepassados, tudo o que já foi.
Ninguém pense que sou contra o progresso. Não. Espero que entendam o meu
sentimento. Registro o fato emocionalmente como quem fotografa um instante, um
instante triste, de um universo perdido de sonhos e ilusões. Uma canção ligeira
em louvor de tantos - simples e sábios - hoje, sombras, nada mais.
(*) Escritor.
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