Ribeira – Década de 1940
Elísio
Augusto de Medeiros e Silva
Empresário,
escritor e membro da AEILIJ
Relembro em um lampejo da memória, e
inicio um passeio solitário, através de minhas recordações ribeirinhas. Lembro
de coisas daquela época.
As ruas da Ribeira ainda vestem uma
alma e são capazes de sentir e transmitir as lembranças dos sentimentos
antigos.
Ainda me lembro parcialmente como era
na década de 1940. Com o advento da Segunda Guerra, Natal passou a ser um
cenário urbano bem diferente. Contudo, os moradores ainda se conheciam e
cumprimentavam-se. O comércio era vibrante e havia intensa movimentação de
estrangeiros, em função da guerra. O progresso do bairro era visível! Lojas
modernas, casarões luxuosos e prédios imponentes na Avenida Duque de Caxias.
A Avenida Tavares de Lira, ainda calçada
por paralelepípedos, era entrecortada por várias ruas até chegar ao seu cais.
Os bondes elétricos a cruzavam e seguiam em direção à Avenida Junqueira Aires.
A cidade passou a ser violentada pelos
rumores diários das fortalezas voadoras e nas nossas ruas cruzavam milhares de
soldados em transbordo para as batalhas no norte da África e na Europa.
A Praça Augusto Severo com a estação
ferroviária repleta de pessoas, que chegavam ou aguardavam a saída dos trens a
vapor. A presença de homens famosos como Joel McCrea, Tyrone Power, Fredric
March, Humphrey Bogart e outros astros era comum.
Hoje, as ruas do bairro são pobres de
aparência, não muito movimentadas, mas mantém a sua história própria.
Naquela época, o rio Potengi tinha as
águas limpas, despoluídas, onde se podia mergulhar em segurança, tomar banho,
nadar, pescar...
Ali, o sol estacionava o seu fogo e
parecia conhecer todos os frequentadores e moradores do bairro pelo nome.
Os bate-papos rápidos nas portas dos
cafés, a conversa prolongada nos bares, e o trafegar incessante dos vendedores ambulantes
de rua. Não existem mais.
A presença americana mudara os hábitos
locais, os homens passaram a usar “slack” e, aos poucos, abandonaram a gravata
e o paletó.
A brisa do Potengi refrescava a
varanda do Grande Hotel nos dias de intenso calor. Como todos sabem, a Ribeira
é o bairro mais quente de nossa capital.
À tardinha, o badalar dos sinos da
Igreja do Bom Jesus chamava os fiéis à Praça José da Penha. A igreja, símbolo
do bairro, elegante, esbelta, por muito tempo foi a mais procurada da capital
para a realização de casamentos, batizados e primeiras comunhões.
À noite, depois do belíssimo pôr do
sol, a lua surgia com seu brilho prateado, invadindo as ruas, becos e avenidas,
para se banhar nas águas do Potengi.
Nas janelas das casas de família, as
moças suspiravam à espera dos seus namorados, sob olhares vigilantes dos pais.
Na saída do Teatro Carlos Gomes, a lua
observava a partida dos espectadores, parecendo aguardar os comentários do
espetáculo teatral.
Depois das nove da noite, as famílias
recolhiam as cadeiras das calçadas. As ruas desocupavam e todos procuravam o
aconchego de suas casas.
Pelas ruas ficavam apenas os bêbados e
notívagos, que se deliciavam com as cervejas geladas nos bares que permaneciam
abertos.
Nos bares da Ribeira ouvia-se as
músicas cantadas por Bing Crosby, Frank Sinatra, Louis Armstrong (...) que logo
foram aceitas pela população local.
As noitadas de luxúria dos cabarés da
Quinze de Novembro estavam apenas iniciando.
Pela madrugada, as ruas desertas do
bairro ribeirinho começavam novamente a se povoar – eram os costumeiros vendedores
matinais (leiteiros, padeiros, cuscuzeiros...) que começavam seu trabalho
diário.
O bairro é protagonista de dezenas,
centenas, milhares de histórias – algumas interessantes, outras nem tanto. Mas,
com certeza, ali ainda se assiste diariamente um esplendoroso pôr do sol. Vale
a pena conferir!
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