O GRITO DO IPIRANGA E O BRASIL
POLÍTICO
Por: GILENO GUANABARA, sócio efetivo do IHGRN
Pelos idos
de 1826, foi divulgada e posta à venda nas lojas do Rio de Janeiro, sem autoria
anotada, a obra cujo título era O grito
do Ipiranga e o Brasil Político. Foi escrito em partes, as quais relatavam os momentos e atos que
precederam a proclamação da independência; a constituinte de 1823; a influência
de Domitila de Castro, amante do imperador Pedro I; a figura e os negócios
escusos atribuídos a Francisco Gomes da Silva, O Chalaça; e a fartura da distribuição de títulos de nobreza a
gente inculta e amoral nos negócios.
Dada a força dos relatos que continha,
por ordem do imperador, a edição foi apreendida e proibida a sua leitura, sob
pena de prisão. Poucos volumes salvaram-se do index e tornou-se uma das obras mais
rara entre os bibliógrafos nacionais e estrangeiros. O periódico carioca A malagueta (1827) atribuía sua autoria aos três irmãos Andradas
(Bonifácio, Martim e Antônio Carlos), na época em que estiveram exilados na
Europa.
Anos depois,
o padre Belchior Pinheiro de Oliveira assumiu a autoria do livro, na parte relativa
aos fatos da proclamação da independência. Houve também a confirmação de José
Joaquim da Rocha, para quem o livro fora impresso em Paris e tivera a
participação dos exilados de 1823, dentre eles os irmãos Andradas.
Preciosa testemunha
ocular dos fatos que presenciou quando da declaração da independência, o padre
Belchior fez constar que, na época, era confessor e confidente de D. Pedro I, exatamente
quando do percurso de volta de Santos. Encontrava-se ao seu lado, na hora em
que lhe foram entregues diversas cartas: uma, das Cortes Portuguesas, que
exigiam a volta imediata do soberano e a prisão de José Bonifácio; outra, do
seu pai, D. João, que aconselhava obediência às leis portuguesas; outra, da Princesa
que aconselhava cautela e recomendava a oitiva do seu Ministro; outra, de José
Bonifácio que orientava o príncipe dos caminhos a seguir (ou a prisão ou a
proclamação da independência); e uma de Chamberlain, informante do príncipe,
que lhe prevenia da vitória do partido de D. Miguel em Portugal, cujos interesses
eram contrários a D. Pedro I.
Relata o
padre Belchior que o Príncipe, após ler as missivas, foi tomado de súbita contrariedade,
arrebatando-lhe as cartas, amarrotando-as e lançando-as ao chão. Dirigiu-se ao
mato próximo, a fim de quebrar o corpo à
margem do riacho Ipiranga, por força da disenteria cujas dores o agonizava
desde Santos. Ao retornar do mato, compondo a fardeta, dirigiu-se ao padre
relator: E agora, padre ? A resposta
imediata que ouviu: Se V. Alteza não se
faz Rei do Brasil será prisioneiro e talvez seja deserdado pelas Côrtes.
Taciturno, o futuro imperador do Brasil caminhou em direção aos cavalos,
acompanhado do séquito de que compunha o Padre Belchior e outros, quando fez a
revelação: Padre Belchior, eles o querem,
terão a sua conta. As Cortes nos perseguem, chamam-me, com desprezo, de
rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em
diante estão quebradas as nossas relações, nada quero mais do Govêrno
Português. Está feita a liberdade do Brasil. Todos os presentes gritaram
imediatamente Viva a liberdade do Brasil
! Viva D. Pedro.
O recém proclamado Imperador dirigiu-se a sua ordenança e ordenou que a
guarda fosse informada que acabara de proclamar a independência e a separação do
Brasil de Portugal. Cumprindo a ordem, vieram os dragões em direção ao
Príncipe, dando vivas ao Brasil independente, a D. Pedro e à Religião. Reunidos
e do monarca ouviram o juramento: De hoje
em diante nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais ! O Príncipe arrancou do chapéu o distintivo
com as cores de Portugal. Desembainhou a espada, gesto que foi acompanhado pelos
demais e proclamou: - Pelo meu sangue,
pela minha honra, por Deus, juro defender a liberdade do Brasil. E
prosseguiu: - Brasileiros: a nossa divisa
de hoje em diante será o dístico Independência ou Morte, e as nossas cores
serão verde e amarelo, em substituição às das Côrtes.
O Príncipe e a comitiva dirigiram-se para a cidade de São Paulo, onde
hospedou-se na residência do capitão Antônio Silva Prado. Imediatamente, ao
chegar, deu ordens a sua guarda, para ir ao ourives Lessa e confeccionar um distintivo
em ouro, com as palavras Independência ou
Morte. À noite, com o distintivo preso ao braço, compareceu à Casa da Ópera, vizinho ao largo do
Palácio, a primeira casa de espetáculos de São Paulo. No camarote nº 11, que
lhe foi reservado, o Príncipe ouviu do padre Ildefonso Xavier Ferreira a conclamação
de D. Pedro ser O Rei do Brasil, com
manifestação favorável do público presente.
Durante o percurso das ruas, na ida e
na volta ao teatro, D. Pedro assistiu às congratulações
da população que ostentava laços e fitas de cores verde e amarela, acenadas em
sinal de aprovação ao Príncipe. No entanto, por medida de justificada
temeridade, para com as filhas donzelas, nas ruas por onde caminhou o Príncipe,
os pais de família recolhiam as moças aos seus aposentos, para que elas não ficassem
à vista, tal a fama da impetuosa autoridade, em se tratando de meninas-moças.
Dados os
detalhes revelados dos momentos da Proclamação da Independência que testemunhou,
esteve presente e a tudo viu, a revelação do padre Belchior, quanto a autoria de
parte de O Grito do Ipiranga e o Brasis
Político, afasta as dúvidas quanto a veracidade dos fatos e a verdadeira
autoria de sua lavratura, na parte que lhe toca.
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