NÃO CHORES
POR MIM, ARGENTINA
Por: GILENO GUANABARA, sócio efetivo do IHGRN
As televisões transmitem para o mundo
a crise financeira da Argentina. A roda-viva me devolveu alguns fios da memória,
quando, para mim, Buenos Aires era a imagem de um mundo romântico que cantava
as dores esquisitas pela morte de Carlos Gardel. Visitei Buenos Aires depois, um
pouco de suas ruas, o burburinho de sua gente elegante, a grandiosidade da Avenida
9 de julho e o Obelisco, centro e símbolo da capital portenha. Conheci livrarias,
o cemitério que agasalha os restos mortais de Evita, o recanto boêmio “Camenito”,
suas praças e o Bairro do Boca. Foi assim, como sói ocorrer com outros visitantes.
A Argentina para mim deixou de ser tão somente o ritmo malevolente de um tango,
ou o som plangente de um bandoneon executado por Piazzola, sem menoscabo de outras
facetas de sua musicalidade. A par do enlevo da visita fui tomado por um sentimento
de tristeza. Surpreendi-me ao ver pessoas postadas indiferentes nas calçadas. Eram
os descamisados, inúmeros, de cabelos
loiros e olhos azuis, dirigindo uma súplica, em troca de um agradecimento
antecipado, rabiscado num papel: Estoy a
pedir su ayuda. Gracias.
A História recente dos países da
América Latina é bastante significativa face a trajetória no que tinha de assemelhado
com a Argentina. A pujança de sua economia se retratava na robustez de sua
escolaridade, cultura e de suas transações mercantis. O potencial econômico do
Mar del Plata e as exportações de carne e trigo a fizeram a sexta economia
mundial, passando ao largo de crises periódicas do capitalismo industrial.
Tempo em que, na cidade de Buenos Aires, o número de livrarias e de escolas em
funcionamento era superior às existentes em todo o território do Brasil. Ao se
iniciar o século passado, Buenos Aires já tinha em funcionamento o seu Metrô de
passageiros, serviço só compatível em cidades como Moscou, Londres, Paris e
Nova York.
O declínio intermitente da Argentina
perpassa obrigatoriamente pelo Peronismo que dominou inconteste o país durante
a primeira metade do século XX. Como lá, o populismo político se alastrou nos
demais países da América do Sul, gerando líderes carismáticos e um modelo
conservador, em tudo assemelhados, tais as diferenças regionais. Peculiar no
Brasil, o trabalhismo de Getúlio Vargas caminhou para substituir a fórmula até
então hegemônica da economia ruralista, cooptando lideranças regionais, impondo
uma economia urbana pré-industrial e revisando a economia artesanal. A partir
dos anos de 1950, consagrou-se um parque industrial na Região Sudeste, mais
especificamente em São Paulo, que se tornou polo da indústria metalúrgico/automotiva
e se impôs com reflexo nas demais regiões do Brasil. O setor agropecuário permaneceu
ativo, embora fragilizado diante das crises, submetido às vacilações do mercado
e ao amparo crescente de recursos governamentais.
O ciclo populista na Argentina foi
mais perverso, exatamente por não ter incorporado com rigor novas vias de
desenvolvimento, a par do seu potencial, ao final da Segunda Grande Guerra. Se
a economia mundial se reciclara, a nova política de exportação de comodities exigia novos influxos
econômicos, que não foram viabilizados convenientemente. De herança mais consistente
ao populismo, a incapacidade política do modelo consagrou, fortalecendo o
vínculo mais fácil de convencer a massa trabalhista, que, em sua maioria, mesmo
sendo politizada, se partidarizou, favorecida com a concessão dos pleitos
salariais, exatamente quando o aguçamento da crise vez por outra a atingia. A
abundante riqueza oriunda da fase áurea da exportação serviu para abastecer por
muito tempo a máquina estatal, a corrução e a engrenagem dos burocratas, o
partido peronista e o sistema policial/militar repressivo, apto contra as
turbas assalariadas, desenganadas nas horas de crise.
Em a História não se repetir, salvo
como tragédia, o retorno político de Peron ao governo, sem novidade, na segunda
metade do século passado, aprofundou ainda mais a crise que corroía a
Argentina. Repetiu-se a tragédia anunciada, quando da morte de Evita, em 1950.
O Peronismo sozinho não tinha mais forças para governar e, afinal, com a morte
do líder, restou associar-se a milongueiros
carreiristas. Em consequência da morte de Peron, uma nova Evita ascendeu ao
poder, sem forças políticas de apoio, sem envergadura e a economia encolhendo em
pedaços. O populismo na Argentina deu seus últimos suspiros. A ditadura dos
generais resultou o final do ciclo da decadência. Eis a fase pós-peronista, de truculência fascista
contra os jovens, de inoperância governamental, de revolta popular e do
desespero pela retomada das Malvinas.
Os demais países da América do Sul tiveram com
o final da experiência populista a implementação de ditaduras militares. Restaurado
o regime democrático, raríssimas foram as economias regionais que tinham fôlego
para se restabelecer por si. A Argentina não tinha líderes nem projetos de
futuro. As Mães de Maio invadiram as praças à procura de seus filhos
perdidos e por explicações do passado que não esquecem. A inflação instigou os
panelaços. Nascia o simulacro de um novo peronismo.
O lamento/canção Don’t cry for me Argentina, na voz de Madonna, no início da trilha sonora do
filme de igual nome, não nos conforta: Será
difícil de compreender?.. É fidelíssimo à realidade da vida. Confirma-se a
conjunção maldosa de política e família, carisma e populismo de Estado, militarismo,
corrução e inflação, em passos de jabuti, e na direção da derrocada do país,
até o quadro grave a que chegou.
Desde Adolfo Rodrigues Saa (2001),
até o contorcionismo do atual ministro da Economia; de Carlos Menen e outros, aos
governos da família Kistchner, diante de credores impolutos, pouco nada resta a
contratar, tantas foram os débitos, até a submissão às garras insensíveis dos
fundos abutres. Não há Peron, não há outra
Evita, a mãe dos pobres, nem Isabelita, para aplacar os rigores do frio que
atravessam os Andes e pairam avassaladores sobre sua gente. A Argentina irá se
redimir, mais cedo ou mais tarde.
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