CASOS DA NOSSA HISTÓRIA
Por: Gileno Guanabara, sócio do IHGRN
São comuns casos que ocorrem em qualquer lugar
e época, a par das sucessivas crises de outras naturezas, como ocorrentes na
História do Brasil. Estão presentes no cotidiano, na formação parlamentar e se reflete
no espírito gozador do povo. São fatos colhidos pelo jornalismo, pela
literatura, anotados por escribas de época, os serventuários do dia a dia e registrados
até nos anais do parlamento.
- Nos idos
de 1808, ao deixar Portugal, fugindo da invasão iminente das tropas napoleônicas,
D. João VI trouxe uma comitiva numerosa, a qual comungava os preconceitos
difundidos pela crônica lusitana, contrariamente às dificuldades da vida da fazenda chamada Brasil. O jornalista
Hipólito da Costa, brasilianista e já defensor da independência, publicava em
Londres o jornal Correio Brasiliense. Foi
sincera a referência que fez, quando da transferência da família real e o
séquito que a acompanhou: - São 10 ou 20
mil vadios e parasitas que vão fazer no Rio o mesmo que faziam em Lisboa, isto
é, comer e beber à custa do Estado e nada fazer para o bem da Nação. E ainda
depois vão alegar o serviço de terem deixado a pátria, a fim de servir ao
soberano, como se seguissem por outro motivo que não fosse o de desfrutar...
- Joaquim Nabuco se referia ao
marquês de Olinda, atribuindo-lhe atitudes definitivas. Porém, dele assegurava não tinha flexibilidade para ceder... tinha
em tudo ideias próprias, sentimentos, ou
antes preconceitos, que ninguém podia modificar. Em razão da crise que se
consumou com a ida dos Andradas para o exílio, em 1823, D. Pedro I convidou pessoalmente
o marquês para ser primeiro ministro do Império: Preciso no ministério de um homem de sua qualidade, disse o monarca. De temperamento austero, sincero, o convidado, antes de se decidir, fez alusão ao clamor do povo
pela clemência em favor de José Bonifácio e seus irmãos. O imperador, tomado de
cólera acusou-o: Atrevido. Ao assaque
o marquês retrucou: Então V. M. procure
outro para ser ministro. O Imperador, sem controle, avançou em direção ao
interlocutor e o derrubou no chão. Ao levantar-se, o marquês antecipou: - Agora caem os patriotas...Um dia cairá V.
majestade. Anos depois, Araújo Lima foi o regente do Império, enquanto D.
Pedro I fora destronado.
- José
Bonifácio foi o personagem principal da cena ocorrida no Paço de São Cristovão,
quando a marquesa de Santos fez ao imperador o pedido de anistia em favor dos
revoltosos de São Paulo e do Rio. D. Pedro I recepcionou a súplica da mulher
amada e transmitiu ordens a serem compridas por José Bonifácio que, tomado de
arroubos, se viu diminuído em seu prestígio. Bonifácio se altercou com o
imperador, repudiou a presença e a influência da marquesa no palácio, a
enfeitiçar a cabeça do soberano. Diante do palavrório impublicável usado pelas
partes, o camareiro-mor de S. M. que a tudo assistiu ouviu de José Bonifácio: - Meu
amigo, não sou mais ministro, nem o serei jamais. Perdi o ministério, mas
ganhei a minha liberdade. Para o Imperador mais vale o encanto de mulher bonita
do que os meus conselhos.
- Martim Francisco, ministro da Justiça
no terceiro gabinete Zacarias, em 1867, em pronunciamento na Câmara, defendendo
que a ideia da emancipação dos escravos existia desde 1823, discutida na
imprensa e na tribuna parlamentar, foi interrompido pelo colega Cândido Torres
Filho: Mas a ideia não foi estudada pelo
governo, disse. Sem perder o
vigor e a eloquência, o orador prosseguiu: Mas
note o nobre deputado pelo Rio de Janeiro, que as questões se preparam não só
quando são estudadas pelo governo, mas sobretudo quando são estudadas pelo
povo, quando o são na tribuna e na imprensa... Por esses veículos de
publicidade é que se demonstra a conveniência de ser aceita ou não uma ideia. E
fulminou o aparte: As ideias se discutem
no domínio da publicidade, e não somente nos recônditos dos gabinetes
ministeriais.
- Francisco de Salles Torres Homem
publicava, no ano de 1848, sob o pseudônimo de Timandro, o seu terrível livro Libello
do povo, com ataques à monarquia,
a D. Pedro II e a família Bragança. Anos depois, reconciliou-se com o monarca.
Foi senador, ministro, conselheiro, visconde de Inhomirim. Da tribuna do
Senado, no ano de 1871, Torres Homem, que tinha virado de casaca, passara a
destacar os avanços dos conservadores, defendia o governo, contrapondo ao
atraso dos liberais. Diante da eloquência com que o orador saudava os
conservadores, Silveira da Motta, dominado pela verve satírica, interveio e o aparteou: Santo Deus. Dizer que é Timandro que está
falando! Responde a si mesmo vinte anos depois!
- No ano de 1885, o barão de Cotegipe decidiu apresentar à Câmara o
gabinete conservador de 20 de agosto. Maior não poderia ser o alvoroço da
oposição, cujos apartes tentavam tumultuar o orador. Qualquer indefinição, em
resposta, teria como consequência a queda do gabinete. Em aparte, um dos
oposicionistas interpelou o barão, se aceitava ou não aprovar o projeto de
abolição do elemento servil. Pelo fato da abolição estar sendo objeto de
intensos debates nas ruas, Cotegipe percebeu o embaraço que sua resposta
poderia causar. Desviando, mas sem fugir à resposta, sentenciou: Sou do tempo em que os exames se faziam
tirando os pontos... Não sei responder pergunta de algibeira.
- Maciel
Monteiro, um dos homens mais elegantes do seu tempo, conquistador irreparável,
foi ministro dos Estrangeiros da Regência de Araújo Lima. Ao se deparar no
Parlamento com uma mocinha de faces meigas, faceira e de beleza encantadora,
Maciel não se conteve: Deixa beijar-te,
meu bem. De súbito, a ofegante e ruborizada mocinha respondeu: Sim, mas... só se o senhor fizer, agora
mesmo, o seu pedido em forma de versos. Maciel Monteiro, engoliu em seco e
improvisou: Suspende, Analia divina, / Do
teu recato o pudor. / Não beija o zéfiro à flor? / Não beija a aurora a bonina?
// Quando o sol meigo se inclina / Não beija as ondas também? / Se ao terno
pombo convém / Beijar a rola inocente, / Se a natureza consente. / Deixa
beijar-te, meu bem.
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