TIBAU
DAS SERENATAS E DO “FORÓ MUSIC”
Tomislav R. Femenick – Da diretoria
do IHGRN. Mestre com extensão em Sociologia e História.
E VEIO A ENERGIA PRIMEIRAS CASAS DE VERANISTAS ANTIGOS MORROS DE AREIAS COLORIDAS |
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No início de 1967, o prefeito de
Mossoró, Raimundo Soares, inaugurou o serviço de luz elétrica da praia do
Tibau, obra da COMEMSA - Cia. Melhoramentos de Mossoró S/A, realizada com
recursos do Ministério de Minas e Energia. Varias casas foram interligadas ao
sistema, as ruas foram iluminadas com lâmpadas de alta voltagem e a orla
marítima com lâmpadas de vapor de mercúrio. A usina de força instalada contava
com dois grupos geradores, com potência total de 100 HP e todo o sistema de
distribuição (postes, fiação, transformadores e disjuntores) foi projetado
para, no futuro, receber a energia da CHESF - Cia. Hidro Elétrica de São
Francisco. Esse foi o começo da grande transformação por que passaria a bela
praia potiguar.
O Município de Tibau está localizado
na extremidade setentrional do Rio Grande do Norte e é o ponto extremo do
noroeste do Estado, fazendo fronteira com o Ceará. Sua temperatura média gera
em torno de 27 graus centígrados e tem uma população fixa de aproximadamente
4.000 habitantes. Segundo os historiadores Luís da Câmara Cascudo e Theodoro
Sampaio, Tibau é nome de origem tupi (ti+paú
ou ti+paum) e
significa lugar entre duas águas; no caso os rios Jaguaribe e Mossoró.
A primeira referência histórica ao
lugar data da época da invasão holandesa. Em 1641, quando Gedion Morris Jonge (Gedeão
Morritz ou Gideon Morris de Jorge), o então comandante das tropas holandesas no
Ceará, descobriu as salinas naturais localizadas nos estuários dos rios
Jaguaribe e Mossoró, chamou a região de “Morro Vermelho”, talvez pela coloração
das terras do local. Em julho de 1708 a coroa portuguesa deu uma sesmaria a Gonçalo da Costa Faleiro, que ia “do morro de Tibau até por três léguas terra
adentro”.
A
povoação de Tibau voltou a aparecer em relatos históricos em 1888, quando a
Câmara de Aracati “mandou medir terrenos
à margem esquerda do Mossoró” e tentou estender os limites de seu
Município, absorvendo terras das localidades de Tibau e Grossos. Seis anos
depois, o Estado do Ceará impetrou ação no Supremo Tribunal, alegando “conflito de jurisdição”, que depois se
transformou em “ação de limites”.
Mesmo com a situação sub judice, isto é, em trâmite judicial, em 1901, o governo cearense
aprovou Lei elevando Grossos à condição de Vila. O governador norte-rio-grandense
reagiu e os dois Estados mandaram tropas para o local. Entretanto, não houve
conflito armado.
UM BELO CARTÃO POSTAL
Tibau
sempre foi um belo cartão postal, desde quando o lugar pertencia ao município de
Mossoró, quando passou a integrar os municípios de Areia Branca e depois Grossos
e agora, com autonomia política e administrativa. O antigo povoado de pescadores e
de aventureiros do veraneio situava-se entre um círculo de dunas que tinham
cores variadas, repetidas em múltiplos tons e beleza, até perder-se no som
selvagem das folhas de centenas de coqueiros que cresciam além do litoral. A
luz tropical ainda hoje cai em tom forte como se filtrada por poderosas lentes.
Porém à tardinha o calor se amortece pelo soprar do vento “nordeste”, brisa que
o atlântico empresta de seus alísios longínquos e brandos. Por essa beleza
toda, por essa aparição sempre continuada e renovada de luz, cor e som é que a
praia se consagrou como uma paixão dos seus frequentadores.
Até os
anos 1950 e início dos anos 1960, Tibau era um lugar bucólico, com vida pacata e ligada à natureza. Suas dunas, seus morros de
areias multicoloridas, suas famosas fontes de água naturais (os afamados
“pingas”), sua paisagem tipicamente tropical, tudo isso fazia com que fosse a
praia escolhida pelos mossoroenses para os seus fins de semana e temporadas de
meio e fim de ano. Sombra e água fresca eram o que
não faltavam. As casas, mesmos as mais ricas, eram de taipa, sem estilo
arquitetônico definido e tinham apenas de bom a comodidade, a falta
de pretensão e o
cultivo de um ambiente propício para o lazer absoluto. Isso
tudo e mais um fundo musical que era regido e orquestrado pelo vento e o
marulhar das ondas, onde navegaram as jangadas feitas com o autêntico pau-de-jangada
(Apeiba tibourbou).
Nas
noites sem lua, os jovens se reunião no “morrinho” em frente da casa do “velho
Lauro” (o jornalista Lauro da Escóssia) para cantar, tocar violão e namorar.
Quando havia luar era a vez das serenatas, dos bailes nas casas das famílias
ricas e das danças no “forró de Pedro Cem”. E havia a peixada de Belisa, com um
sabor que somente ela sabia preparar. Tudo isso fazia que se sentisse a presença do dedo de Deus na
feitura desse lugar que era único.
E
AI VEIO O PROGRESSO
O cenário mudou em escala
crescente com a chegada do progresso. Nos meses de veraneio apareceram os
primeiros biquínis, inaugurando um tempo de espanto para os mais conservadores.
Jovens cabeludos apagaram o hábito antigo das serenatas, substituindo-o pelo
som de guitarra
de rock. Atualmente é a vez do axé, da música sertaneja, do baião e do xaxado, estes
últimos nas versões brega e music (seja lá o
que isso for) e dos paredões de som.
Depois da luz elétrica veio o
asfaltamento da estrada Mossoró-Aracati e do ramal que se bifurcava em direção
da cidade de Grossos e depois da própria vila. As casas dos veranistas passaram
a ser construídas de tijolos (e algumas até com pisos de mármores) e erguidas
sobre os morros e as rochas; algumas até fora da orla marítima, que deixou de
ser exclusiva. De tanto crescer, a cidade invadiu terras do Estado do Ceará,
implantando um distrito do Município de Icapuí, a ela geminado. De repente tudo
se valorizou; terrenos, mão de obra e até o peixe aumentaram de preço.
E, grande paradoxo, hoje, na alta
temporada, nas ruas estritas já é comum haver engarrafamento de veículos. O
sossego, a quietude, o repouso deram lugar ao agito, ao “stress
do veraneio”.
A
MORTE DOS MORROS DE AREIAS COLORIDAS
A
paisagem dos morros de Tibau, pelos seus variados aspectos e beleza, lembrava
cenas de um mundo perdido. Dunas de um vermelho vivo, montes de um marrom
brilhoso, outras partes de uma areia preta espelhada e de outras cores.
Milhares de fotografias enchiam álbuns de turistas com a beleza das pequenas montanhas, dos canyons e morros de areia coloridas. O
souvenir principalmente dos turistas eram as garrafas de areia com desenhos de
cores variadas e com motivações diversas; areias dos morros de Tibau.
Porém
havia um outro lado da história: os morros da vila valiam muito dinheiro como especulação
imobiliária e, também, havia quem dizia, como material estratégico de alto
preço. As areias dos morros nada mais seriam do que uma mina de areia
monazítica a céu aberto, contendo uma
mistura de minerais
pesados (alguns atômicos) como fosfato de cério, lantânio, praseodímio,
neodímio, óxido de tório,
granada, ilmenita, titânio, a própria monazita e significativa quantidade de
urânio.
São esses minerais que lhe dão esse colorido variado.
Foi por
seu valor que as terras dos morros de Tibau foram separadas e demarcadas por
cercas e marcos divisório, visando estabelecer direito de posse, para futuros
loteamentos urbanísticos ou exploração mineral. Os posseiros não eram forasteiros,
porém não eram nativos da vila. Posteriormente, os morros foram nivelados e hoje
a cidade invadiu toda a área que anteriormente era das dunas e dos canyons coloridos.
O
PREÇO DA EVOLUÇÃO
Nos
períodos de férias, quando as pessoas são atraídas pelas belezas remanescentes
da praia de Tibau, a população da cidade cresce quase 25 vezes; os quatro mil habitantes
se transformam em quase cem mil pessoas.
Como
polo de atração turístico, a praia recebe esse imenso contingente de população
flutuante e, também, os problemas que advêm com esse gigantismo, esse
crescimento excepcional. Por mais aparelhada que a cidade esteja, os problemas
rompem as barreiras de proteção e marcam presença.
A praga
nacional das drogas e sua companheira inseparável, a violência, movimentam a
vida policial da outrora pacata vila de Tibau. Consumo de drogas, furtos,
roubo, assassinatos não são acontecimentos ausentes. No início da atual temporada
foram registrados casos de arrombamentos a casas de veranistas. No dia 26 de
dezembro passado, um empresário da cidade, após consumir cocaína, atirou em uma
menor e em seguida se suicidou. No dia 4
de janeiro, em uma tentativa de assalto, um suspeito foi morto e outro baleado.
Quatro dias depois, um corpo não identificado
foi encontrado na praia de Manibu, em Icapuí-Ce, Município que faz
fronteira com Tibau. Note-se que duas dessas ocorrências
aconteceram fora das cercanias da cidade praieira.
Todavia a praia
de Tibau continua a ser um dos cartões postais por excelência do turismo
potiguar. Ainda restou alguma coisa dos morros de areias coloridas, tem a pedra
do chapéu, próxima à fronteira do Estado com o Ceará, e as falésias, com abrupta queda para
o mar. Ainda dá para se deitar em uma rede e dormir ao som do marulhar das
ondas e do embalo do vento que vem lá do alto mar-atlântico.
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