24/01/2018

Cecília Meireles, viajo sozinha no meu coração


texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Dela disseram: cantou a reinvenção da vida e teve serenidade frente ao tempo. O que nos deixa sem mais para dizer. Conhecida tanto pela graça do seu Ou isto ou aquilo,  quanto pelo seu clássico Romanceiro da Inconfidência. Décima quarta entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é poeta, Cecília Meireles que compartilha com o poeta Drummond o sentimento do mundo todo. Entrevistamos a poeta nos volumes Viagem e Vaga Música.

Entrevistador: Qual o motivo da sua poesia?
Cecília Meireles: Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.

E: É alegre ou é triste?
CM: não sou alegre nem sou triste: sou poeta.

E: E o que é que sabe?
CM: Sei que canto. E a canção é nada.

E: Algo mais?
CM: eu um dia sei que estarei mudo – mais nada.

E: É de passar ou de ficar?
CM: não sei, não sei. Não sei se fico ou se passo.

E: É hoje a mesma de ontem?
CM: Eu não tinha o rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos vazios, nem o lábio amargo.

E: Tem noção de quem é?
CM: entre mim e mim, há vastidões bastantes para a navegação dos meus desejos afligidos.

E: Como?
CM: Virei-me sobre a minha própria existência e contemplei-a.

E: E o que procura na vida?
CM: Ando à procura do espaço para o desenho da vida.

E: Mede a vida em régua e compasso?
CM: Em números me embaraço e perco sempre a medida.

E: Capaz de recuar?
CM: Se volto sobre o meu passo, é já distância perdida.

E: E assim não anda perdida?
CM: Não ando perdida, mas desencontrada.

E: Desencontrada?
CM: saudosa do que não faço, mas do que faço arrependida.

E: Então o que procuras, o que deseja?
CM: Tudo. Nada. Viajo sozinha no meu coração.


O MORRO DOS VENTOS UIVANTES

Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com

Não é o romance da escritora inglesa Emily Bronte (1818-1848). O morro dos ventos uivantes é o Guarapes, entre Natal e Macaíba. Aquele frontispício em ruínas, vergastado pelo vento e cercado de densa vegetação – visto da estrada – tem aparência e transparência de mistério e esplendor. Uma ruína viva do passado. À noite, habitantes das redondezas escutam vozes e ruídos estranhos como se tudo desejasse restituir o burburinho de outrora. Fabrício Pedroza, o capataz dos mistérios circundantes, em vestes senhorais, já foi visto várias vezes subindo e descendo as encostas. Quem passar por ali, ao largo, sentirá frêmitos e calafrios. Há um gemido suspenso no ar pedindo para ser ouvido.
Toda aquela área é propriedade efetiva do governo do estado e afetiva do povo de Macaíba. Por ser um patrimônio histórico, foi tombado, desapropriado e pago pelo poder público estadual com o objetivo de restaurá-lo, desde o início do ano dois mil. Ali, doze décadas de história nos contemplam. Há anos que ergo a minha voz, sem que seja ouvido. Ao derredor do casarão semidestruído, grileiros se apossam para barganharem posses ilícitas e falsos privilégios. Tudo me parece crer que o dinheiro público foi enterrado sem a devolução da paisagem, do tempo e da história do Rio Grande do Norte. Uma página está faltando nos livros escritos pelos historiadores Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Tarcísio Medeiros, Olavo Medeiros Filho e tantos outros.
Nas urnas do ano 2006, em Macaíba, inúmeros parlamentares obtiveram votos para se elegerem. De estadual a federal. Ninguém se lembrou, até agora, de colocar uma emenda parlamentar em favor da restauração do empório dos Guarapes. Nem, ao menos, uma pífia proposição no plenário lembrando ao poder executivo o resgate dessa memória caída no escuro tenebroso do esquecimento. Não posso deixar de salientar as sucessivas promessas oficiais de cumprir esse compromisso. E o cobro em nome dos filhos de Macaíba, como acadêmico, como confrade do Instituto Histórico, como membro do Conselho Estadual de Cultura, e, enfim, como ex-parlamentar que iniciou todo esse processo memorialístico.
Anos passado, em encontros eventuais com os últimos governantes, entre outros assuntos, repeti a cobrança.  Primeiro, revelei que havia tido uma visão emblemática. Elas manifestaram curiosidade e estranheza. Narrei que ao passar pelo morro dos Guarapes me deparei com esquisita procissão liderada por Fabrício Pedroza e dezenas de falanges espíritas repetindo em uníssona voz que iriam perturbar o sono delas. Riam e entendam a sutileza do bem humorado e atípico lembrete. “Diga a Fabrício, que não precisa dessa assombração. Já me comprometi e vou fazer”. Cá comigo, disse eu: mas os ventos não cessam de uivar. Nem Vilma, nem Rosalba cumpriram a palavra ou não puderam. O tempo passou e veio o novo governador sob o domínio do mal. Esse fez pior. Devolveu um milhão de reais que o ministério do turismo havia remetido para o início da restauração do Casarão dos Guarapes. Agiu politicamente com ranço e rancor. O dinheiro estava na Caixa Econômica do Rio Grande do Norte. E o projeto técnico estava pronto e Faria não pediu, como deveria, a prorrogação do convênio.
Por fim, tudo voltou a estaca zero. Macaíba mergulhou no esquecimento.

(*) Escritor.


23/01/2018

A ILUSÃO E SEDUÇÃO DO PODER
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO 



Estão previstas para o segundo semestre de 2018 eleições em nível federal e estadual. Serão escolhidos deputados, senadores, governadores e presidente da república. Para muitos, época de corrida em busca do poder. A bem-aventurada Irmã Dulce dizia que “ninguém administra digna e eficazmente, se não cultivar a virtude da humildade”. Eis uma das raras definições de Cristo a seu respeito: “Aprendei de mim que sou manso e humilde” (Mt 11, 29). A humildade torna-nos mais humanos, mostrando nossas limitações e fragilidades, que dificultam ou impossibilitam mudanças de atitude. É preciso que ela exista, tanto no cidadão comum quanto nos que exercem cargos elevados. “Sem ela, não haverá líderes autênticos”, declarou recentemente o papa Francisco, em audiência a um chefe de estado. É o primeiro passo para a sabedoria, que permite encontrar saídas para as crises e expressar sensibilidade para definir o que realmente é certo e prioritário. 
O Brasil necessita urgentemente de verdadeiras lideranças, pessoas abertas a novas percepções e posturas políticas, dispostas a avançar sob o impulso do diálogo e da ética. Estes são antídotos contra a mediocridade de desempenhos e a pobreza de propostas daqueles que, em vez de pensar no bem comum, são orientados por partidarismos deletérios. 
Um tempo novo, um Estado reconstruído, uma sociedade equilibrada, capaz de superar tristes cenários, serão edificados, a partir dos pilares da humildade, da crítica e da ética. Deste modo, é mais fácil chegar à superação da nefasta cultura, que caminha na contramão da transparência e da honestidade. Assim é possível orientar condutas e neutralizar o famoso “jeitinho brasileiro”. Este consiste especialmente na falta de seriedade, no costume de burlar normas e procedimentos, com o objetivo de alcançar vantagens pessoais e para aqueles que lhes são próximos ou correligionários. 
Somente os éticos e humildes conseguirão transformar a sociedade. Infelizmente para tantos, o poder é a suprema ambição, a maneira de se comparar a Deus. Segundo alguns teólogos, a megalomania de Adão e Eva, na metáfora bíblica do Livro do Gênesis, mostra o primeiro pecado da humanidade. “Queriam ser iguais a Deus” (Gn 3, 5). Há políticos que gastam somas milionárias (dinheiro talvez subtraído das necessidades do povo) em campanhas eleitorais. Mesmo derrotados, voltam à cena. A sede hegemônica parece proporcional à fortuna que dilapidam. Sentem-se frustrados, expulsos do Olimpo dos deuses, quando ficam fora dos postos de mando. Caem em depressão e, passada a ressaca, voltam à disputa com menos escrúpulos. 
O exercício do poder modifica, em muitos, o modo de pensar, viver e agir, operando em certas pessoas uma transformação psicológica, social e cultural. Quantos se realizam e são felizes, cercados de bajuladores, convites e homenagens, rodeados de assessores e desfrutando de uma infraestrutura que os reveste de uma aura especial. Chegam a trocar de carro, casa, amigos e até de cônjuge. Jactam-se em aprovar projetos, liberar recursos, autorizar e inaugurar obras, permitir viagens, distribuir cargos, promover pessoas e conceder benesses. 
Não raro, quem galga e se apega a postos de alto escalão só admite elogios. As críticas minam sua autoimagem e exibem suas contradições. Daí, os poderosos formarem um círculo hermético, acessível apenas aos que seguem suas ideias e cumprem suas ordens. Por que o poder encanta tanto? Em geral, alimenta os medíocres, que gostam de ser incensados. Seu ego necessita de uma máscara ou cortina de fumaça. Ele já está latente na alma de muitos e revela o seu caráter. Isso acontece desde os dignitários do país aos que exercem funções mais simples. São poucos os que agem como Cristo ensinou, a serviço do bem, da justiça, da solidariedade e da paz. “Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser ser o maior, seja aquele que vos serve. Quem quiser ser o primeiro, seja vosso servidor. Pois, o Filho do Homem veio não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para o bem de muitos” (Mt 20, 26). Há governantes, políticos, religiosos e autoridades que se servem do povo e não servem ao povo. Convém lembrar bem disso nas próximas eleições.

17/01/2018

MENSAGEM DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN


Caro sócio,

Desejamos um bom ano de 2018 e anunciamos o retorno das nossas atividades.

Informamos que, em Reunião de Diretoria realizada em data de 17 de julho de 2017, o valor da anuidade ficou majorado para R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), a partir deste ano de 2018, o qual deverá ser liquidado até o dia 28 de março do corrente ano.
Entretanto, por decisão da presidência, o sócio que efetuar o pagamento, até o dia 28/02/2018, pagará apenas a quantia de R$ 300,00 (trezentos reais).
Solicitamos a compreensão de todos os sócios, para que efetuem o pagamento, o quanto antes, tendo em vista que a ANUIDADE é ÚNICA FONTE DE RENDA para as despesas correntes da instituição.

CALENDÁRIO CULTURAL
Aproveitamos o ensejo para informar a nossa programação cultural para o primeiro semestre de 2018 e anunciar que dentre em breve o nosso site estará no ar. Pedimos a todos que acompanhem as nossas atividades pelas redes sociais, Facebook e Instagram curtam, compartilhem, comentem.

Nosso horário de funcionamento, infelizmente, por carência de pessoal, atualmente é apenas pela manhã, de segunda à sexta, 8h às 12h e aos sábados, 9h às 16h.

Sejam sempre bem vindos.

Atenciosamente,

Assessoria da Presidência


PROGRAMAÇÃO CULTURAL 2018.1

EVENTOS
25/01 – 17 h – Abertura dos trabalhos do ano de 2018 e lançamento do sítio do IHGRN.
22/02 – 17 h – Lançamento do Catálogo do IHGRN, o primeiro do gênero, nos 115 anos de existência do IHGRN.
28/03 – 19 h – Sessão solene de comemoração do Aniversário do IHGRN
    – Lançamento da Revista do IHGRN

PALESTRAS – QUINTA CULTURAL
22/02 – 17 h – PALESTRA - Câmara Cascudo e o Símbolo Jurídico do Pelorinho, ministrada pelo jornalista Vicente Serejo.
08/03 – 17 h – O IHGRN – ministrada pelo pesquisador Cláudio Galvão
19/04 – 17 h – Atol das Rosas – Ministrada pela professora Zélia Sena
17/05 – 17 h  História do Rio Grande do Norte, ministrada pelo historiador Luiz Eduardo Brandão Suassuna (Coquinho)
14/06 – 17 h  O arquipélago de São Pedro e São Paulo, ministrada pelo professor José Lins

EXPOSIÇÕES
08/02 – 17 h - Exposição de Pinturas do acervo particular do médico e artista plástico Iaperi Araújo

15/03 – 17 h - Exposição de Minérios do RN, com mostra da coleção particular de Pedro Simões Neto Segundo, com explicação e distribuição de catálogo sobre o assunto.

16/01/2018

Casa de todos,

15/01/2018



texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Camping do Amor
Seu alicerce é uma falésia vermelha, formada pelo tempo e talhada pelo vento. Seus sulcos são desenhos que a natureza construiu na perenidade da vida. Forma um grande terraço em que pequenos desníveis constroem um mirante privilegiado. Quadro permanente de mar e céu,  pinta-se a cada passagem do dia por uma cor e um sentimento. Céu e mar formam a grande janela dessa casa, cujo piso que se assenta é um gramado infinito.

A casa tem seus compartimentos ao ar livre. Recebe todos sem distinção e entrega a cada um o encontro com si mesmo. Ali, o homem é a natureza. É capaz de se integrar, de recuperar a simplicidade da vida. Sua matéria é o que lhe cerca. A casa é de todos. O nome da casa vem da praia, aquela que se vê lá embaixo, a Praia do Amor.

Está em Pipa/RN, uma casa que acolhe casas temporárias, barracas de acampamento de viajantes, gente de todo canto. É o mundo de Salma e de sua família, do marido Roberto, da filha Ananda e de seus visitantes. Acolhida para todos, casa temporária, para quem passa é permanência, é mundo, é terra. Uma casa que se esparrama por dez mil metros quadrados, cajueiros, árvores, gramado, horta, a casa também se faz do que se planta.


A arborização é a roupa da casa, conforme revela a proprietária. Tudo aprendido aos poucos com o convívio com as pessoas do lugar, na lida diária, na lavagem de roupa no rio, na produção do artesanato. A casa é uma casa de passagem onde vidas se cruzam na sua permanente transitoriedade, em que a brisa que do mar sopra e a Brisa, a cadelinha que corre e late, não deixam de contar que o tempo é hoje.
   
Marcelo Alves

Testemunhos de Istambul (I)

            Como eu disse no artigo da semana passada, a atual Istambul – que já foi chamada de Bizâncio e de Constantinopla, outrora capital do Império Bizantino ou Romano do Oriente e, depois, do Império Turco Otomano – tem, como herança dessa riquíssima história, para o turista de hoje, mil e uma atrações. Entre as mais badaladas, estão o Estreito de Bósforo, o Chifre de Ouro, o Palácio Topkapi, o Hipódromo, a Basílica (hoje museu) de Santa Sofia, as Cisternas da tal Basílica, a Igreja de São Salvador in Chora, a Mesquita Azul, a Mesquita de Suleiman, o Palácio Dolmabahçe, a Torre Gálata, o Bazar das Especiarias e o Grande Bazar. Tudo lindíssimo e fácil de percorrer ou visitar.
            De minha parte, adorei o passeio pelo Estreito de Bósforo, que liga o Mar Negro ao Mar de Mármara, separando a Ásia da Europa dentro da própria Turquia. Ele parte da entrada do Chifre de Ouro, que é, para quem não sabe, a enorme embocadura de um rio que deságua em Istambul e no Bósforo, utilizada como porto pelos locais já faz muitíssimos séculos. Para além da beleza da vista, é a melhor forma de ser ter uma visão geral da enorme cidade. As visitas aos pátios, às instalações adjacentes e ao interior propriamente dito das grandes mesquitas – a Mesquita Azul e a do Sultão Suleiman, o Magnífico (1494-1566), esta última obra de Mimar Sinan (c.1490-1588), o grande arquiteto que o Império Otomano legou à história – também são imperdíveis. Embora tenham me causado menos emoção do que em regra me acontece com as grandes catedrais, seja porque são mais austeras ou seja porque sou cristão, essas duas enormes mesquitas são muitíssimo belas e, sobretudo, diferentes, se comparadas àquilo que estamos acostumados a ver no Ocidente. E digno de nota é o impacto sonoro destas e das outras quase três mil mesquitas de Istambul na vida da cidade, todas ressoando um canto, para nós ininteligível, sempre a certas horas do dia. A região da Torre Gálata, em especial a rua Istiklal Caddesi (só para pedestres), cheia de comércios e restaurantes abertos até tarde, aparentemente mais europeizada que o restante da cidade, é fantástica (vide artigo da semana passada). Adorei também o café que tomamos no Palácio Dolmabahçe, à margem do Bósforo, no cair do sol, e isso basta para dizer o quão agradável foi. Por ser mais afastada do centro, não conhecemos a Igreja de São Salvador in Chora. Me arrependo enormemente. Um dia pretendo bater lá, se Deus (ou Alá, como queiram) permitir.
            Entretanto, três ou quatro coisas que vi em Istambul superaram as minhas mais otimistas expectativas de viajante relativamente experimentado. A maioria concentrada na confluência das regiões de Serralho e Sultanahmet, próximas umas das outras, essas maravilhas da “capital de impérios” podem ser visitadas numa só tarde ou, se quiser fazer tudo mais calmamente, num dia inteiro.
            Primeiramente, muito mais que adorei as visitas à Basílica (hoje museu) de Santa Sofia e à sua Cisterna adjacente.
            A Basílica/Museu de Santa Sofia é nada menos que gigante. Transformada em mesquita no tempo do Império Otomano, foi, na década de 1930, secularizada e convertida em museu (segundo nos foi dito, por decisão de Mustafa Kemal Atatürk, 1881-1938, o “fundador” e primeiro presidente da República da Turquia). Constantemente em restauração, ela sobretudo testemunha a grandiosidade de um Império, o Bizantino ou Romano do Oriente, que durou mais de um milênio (segundo convencionado, de 395 a 1453, tudo isso depois de Cristo, claro). Como explica o “Guia Visual Folha de São Paulo – Turquia” (PubliFolha, 2014): a “'Igreja da santa sabedoria', Santa Sofia, ou Haghia Sophia, figura entre as maiores realizações arquitetônicas do mundo. Com mais de 1.400 anos, resiste como um legado da sofisticação da capital bizantina do século VI, e teve grande influência na arquitetura dos séculos seguintes. A enorme estrutura foi construída sobre duas igrejas anteriores e inaugurada pelo imperador Justiniano [o Grande, 482-565] em 537. No século XV, os otomanos a transformaram em mesquita: minaretes, túmulos e fontes datam desse período.”. A colossal nave, a cúpula, as galerias do primeiro andar (das quais você tem uma real dimensão da enormidade da coisa), os mosaicos, a atmosfera de outrora, tudo aquilo me impressionou. Eu me senti quase um Triboniano (500-547) em meio à elaboração do “Corpus Iuris Civilis”. E, cristão, senti de fato a emoção de fazer parte daquele legado.
            Já a Cisterna da Basílica, a maior do tipo em Istambul, é uma atração à parte, metafórica e literalmente falando, até porque tem bilhete e entrada independentes. Terminada em 532 (antes da Basílica, portanto), estava originalmente relacionada ao majestoso Palácio de Bizâncio, dos imperadores romanos, do qual restam apenas algumas ruínas, a quem fornecia água de qualidade questionável. Também do tempo de Justiniano, o Grande, com suas 336 colunas gigantes e seu aspecto cavernoso, é uma maravilha da ciência/arte da engenharia. A água ali presente e a especial iluminação tornam a coisa mais exótica do que se imagina. Percorrendo as úmidas passarelas, com um fundo musical “subterrâneo”, eu me vi como Robert Langdon em “Inferno” ou o meu amigo James Bond em “From Russia with Love”. Coisa de cinema, sacamos muitas fotos. Fizemos até um “book” profissional, fantasiados de sultão e sultanesa (algo que reconheço contraditório, já que a Cisterna data da época dos romanos). Postamos parte nos instragrans, facebooks e whatsapps da vida. Turista, mesmo aquele um tanto experimentado, é muito besta. 
            E nessa mesmíssima região, bem pertinho da Basílica e da Cisterna, fica uma outra atração de Istambul que atesto rigorosamente imperdível: o gigantesco Palácio Topkapi, construído entre os anos 1459 e 1465, pelo Sultão Mehmet II, o Conquistador (1432-1481), logo após a tomada de Constantinopla (1453), para ser residência principal e sede de governo do recém-instalado Império Turco Otomano. Mas sobre esse palácio, assim como sobre as demais atrações de Serralho e Sultanahmet, eu darei meu testemunho apenas na semana que vem.


Marcelo Alves Dias de Souza

Procurador Regional da República

Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

Testemunhos de Istambul (II)

Como dito na semana passada, bem pertinho da Basílica/Museu de Santa Sofia fica uma outra atração de Istambul que achei fantástica: o Palácio Topkapi, construído entre os anos 1459 e 1465, pelo Sultão Mehmet II, o Conquistador (1432-1481), logo após a tomada de Constantinopla (1453), para ser residência principal do sultão e do seu enorme harém, assim como ser sede de governo do recém-instalado Império Turco Otomano. Sua localização era e ainda é estratégica, num promontório, denominado Serralho, que supervisiona o tríplice encontro entre o Chifre de Ouro, o Estreito de Bósforo e o Mar de Mármara. 

Para facilitar as coisas, sobre a concepção e a história do grande palácio, faço uso do “Guia Visual Folha de São Paulo – Turquia” (PubliFolha, 2014), já outras vezes citado neste espaço: “Entre 1459 e 1465, logo após ter conquistado Constantinopla, Mehmet II construiu o Palácio Topkapi como residência principal. Em vez de uma única edificação, foi concebido como uma série de pavilhões contidos por quatro pátios enormes, uma versão de pedra dos acampamentos com tendas, como os primeiros otomanos nômades costumavam fazer. De início, o palácio servia com sede de governo e dispunha de uma escola na qual eram treinados funcionários civis e soldados. No século XVI, porém, o governo foi para a Porta Sublime. O sultão Abdül Mecid I [1823-1861] abandonou Topkapi em 1853, trocando-o pelo Palácio Dolmabahçe. Em 1924, foi aberto ao público como museu”. 

Na minha opinião, o Palácio Topkapi, hoje basicamente um “museu” aberto à visitação, é o que há de melhor para se entender a história do grande Império Turco Otomano, história que, com seus sultões e grão-vizires, suas conquistas e retrocessos, está muito mais presente na vida e no imaginário da atual Istambul do que está a sua herança romano bizantina. De toda sorte, embora surpreso no começo, essa prevalência turco otomana, em comparação ao romano-bizantino, me pareceu, ao final da minha estada por lá, bastante natural. Se pensarmos bem, o Império Turco Otomano é bem mais recente que o Império Bizantino, sem falar que sua fé islâmica coincide – e isso é muito importante – com a orientação religiosa da Turquia contemporânea. 

Hoje cercado por parques públicos, o Palácio Topkapi, desde a Porta das Saudações, que dá acesso à parte principal do complexo, impressiona. Seus quatro pátios são belíssimos; seus edifícios, que são inúmeros, mais ainda. As entradas decoradas (como a do harém), os vários terraços, os pavilhões, os quiosques (como o da Justiça e o de Bagdá), as salas de audiência, as câmaras, as cozinhas, os aposentos, a Biblioteca de Ahmet III (1673-1736), são tantos espaços e tão ornados que é quase impossível não se perder por ali maravilhado. Para além da arquitetura, adorei as coleções de relógios, de armas e armaduras, de trajes imperiais e, sobretudo, do riquíssimo tesouro do Palácio. Chamou-me a atenção mais ainda a coleção de relíquias reunida pelos sultões otomanos, tais como o cajado de Moisés, as espadas de Maomé e de alguns dos seus companheiros na criação do Islã e até mesmo uma “pegada” (no sentido de “marca do pé”, que fique claro) do Profeta, coisas que, infelizmente, de papel passado, não posso atestar serem verdadeiras. De toda sorte, apoiador da aposta de Pascal (1623-1662), eu vi e acreditei. Por fim, encantei-me sobretudo com a sala de retratos dos tais sultões otomanos, onde, de fato, tive a oportunidade de ter uma visão geral da história do grande Império. E registro que ainda deu para tomar um café no restaurante palaciano, observando o mar de Mármara e a Istambul asiática que luziam à nossa frente. 

Se não bastasse tudo isso, bem pertinho dali, praticamente colados ao Topkapi e dentro do denominado primeiro pátio do Palácio, ainda estão outras famosas atrações de Istambul, como a igreja bizantina de Santa Irene (“Haghia Eirene”), do século VI (quando do reinado de Justiniano, o Grande), mas restaurada no século VIII, curiosamente nunca convertida em Mesquita, e o riquíssimo Museu de Arqueologia, especialmente bem dotado no que toca a artefatos dos períodos pré-clássico, clássico e bizantino, mas que não tivemos a oportunidade de visitar. Aliás, não sou de necessariamente visitar museus em viagens. Falo daqueles museus formais, claro, tipo o Louvre ou o British Museum. Museus desse tipo, penso, são mais para frequentar do que para simplesmente visitar, quase sempre às pressas. 

Na verdade, no restante das nossas horas em Istambul, como bons “flâneurs”, preferimos, sem destino certo mas atentos a tudo, vagar pelas muralhas e ruínas, pelas calçadas e esquinas e pelas lojinhas e praças das regiões de Serralho e Sultanahmet, tão cheias de história e estórias para contar. O que elas nos disseram, isso eu confesso para vocês na semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

12/01/2018


Para baloiçar, cadeira de balanço


Mobiliário & objetos
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Na cena da infância a avó na cadeira de balanço da sala cochilando enquanto a novela corria na tevê. No quarto do bebê, entre o vai e volta vagaroso, a mãe nina a criança que amamenta. No terraço, quatro primos danados riem e gargalham no balanço veloz da cadeira que ora é um barco, uma aeronave ou um carro desgovernado.

Nem só de se sentar, esta vendo, se faz cadeira. Presta-se aos mais corriqueiros e não imaginados usos, nela se assentam o sono, o amor da mãe, a brincadeira dos meninos.  A descoberta dela se usar se revela a surpresa de despretensão da vida. Sentar e começar aquele balanço que se impulsiona com as pernas, lá e cá, lá e cá, e assim ficar numa conversa, olhando a paisagem, ouvindo passarinho ou música. A cadeira de balanço é um convite para o sossego.

Há séculos na história da mobília dizem que foram os ingleses quem primeiro nelas se balançaram. É coisa antiga do século XVIII e como tudo que se inventa e vem de antigamente, passou do fabrico artesanal para produção em fábrica, mas sem perder o seu propósito de ao nela se sentar um pouco se deitar.

São os pés dela que permitem o movimento, formam um arco, que a sustenta pelas laterais onde se fixa a base da cadeira, e assim os antigos nela baloiçaram, leram jornais e revistas, tomaram chá (inglês, por certo, mas que na verdade vem da China) e assim seguiu pelo tempo até ganhar desenho de móvel de grife, assinatura, materiais diversos (para além da madeira).

No Brasil, famosa foram as cadeiras de balanço Cimo da Móveis Cimo de Curitiba, hoje peça de colecionador ou herança bem guardada de família, proprietária de muitos balanços pela vida.

06/01/2018


Dia de Reis

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


Dia de Reis, segundo a tradição cristã, seria aquele em que Jesus Cristorecém-nascido recebera a visita de "alguns magos do oriente" (Mateus 2:1) que, segundo o hagiológio, foram três Reis Magos, e que ocorrera no dia 6 de janeiro. A noite do dia 5 de janeiro e madrugada do dia 6 é conhecida como "Noite de Reis".

Histórico

A data marca, para os católicos, o dia para a veneração aos Reis Magos, que a tradição surgida no século VIII converteu nos santos MelchiorGaspar e Baltazar. Nesta data, ainda, encerram-se para os católicos os festejos natalícios - sendo o dia em que são desarmados os presépios e por conseguinte são retirados todos os enfeites natalícios.

Tradições

Em Portugal e na Galiza, o bolo-rei ou bolo de Reis possui grande tradição e é confeccionado com um brinde e uma fava. A pessoa que encontra a fava deve trazer o bolo de Reis no ano seguinte. Por todo o país, as pessoas costumam «cantar as janeiras», «cantar os Reis» ou as «reisadas», de porta em porta. São convidadas a entrar para o interior das casas, sendo-lhes oferecidas pequenas refeições como doces, salgados, charcutarias, vinhos, etc. Neste dia eram também muito comuns os autos dos Reis Magos, peças de teatro popular.
No Brasil, geminado culturalmente com Portugal, esta tradição tem muito do que se faz no velho país. A festa é comemorada com doces e comidas típicas das regiões. Há ainda festivais com as Companhias de Reis (grupo de músicos e dançarinos) que cantam músicas referentes ao evento, as conhecidas festas da Folia de Reis.
Galette des Rois
Em alguns países, como Espanha, é estimulada entre as crianças a tradiçãode se deixar sapatos na janela com capim antes de dormir para que os camelos dos Reis Magos possam se alimentar e retomar viagem. Em troca, os Reis magos deixariam doces que as crianças encontram no lugar do capim após acordar. A tradição também consiste em comer o Bolo de Reis.
Na França e em Quebec (no Canadá), come-se o Galette des Rois (Bolo de Reis), que contém um brinde no seu interior. O bolo vem acompanhado de uma coroa de papel e quem encontrar o brinde na sua fatia, será coroado e terá de oferecer o bolo no ano seguinte.

01/01/2018

COMECEMOS 2018 COM EMOÇÕES



SETE ELEGIAS DE UM ANO FINDO

                               1

Vestida de azul levaram a infanta
e a sua casa ficou vazia

                               2

                A Luiz Maranhão Filho, mártir do povo:

Sob o peso da noite
                e do vinho amargo
bati à porta da treva
                e gritei o teu nome

mas nada ouvi senão ecos
                a fulminar
                               a memória

                               3

Dois olhos vazios
                bebem sonolentos
as águas do rio

                entre eles a ponte
recolhe o choro inútil
                da argila molhada

                               4

Noite
                noite fria

o vento traz a lembrança
                da poeira pisada
e do estrume dos currais

                a lua e o vento
brincam na rua deserta
                e o som do chocalho
desmaia
                nas cinzas do passado

                               5

Alguém chora
                mas não há lágrimas

exceto vagalumes
                náufragos aéreos
que à deriva espalham
                luzes
                               do éden perdido

                               6

Há um abismo doce
                nesses beirais que falam
da chuva que veio do mar
                e que esqueceu
a velha paixão do sal
                abandonado
no leito secreto
                dos amores soterrados

                               7

Não voltarão mais
                essas águas que passaram
levando no asfalto
                folhas caídas
das sete colinas de Lisboa
                no último dia do ano findo

mas a passar vejo-as ainda
pois na eternidade nada finda


                                               (Horácio Paiva)

FIM DE ANO

convém a um velho jovem
celebrar
o fim e o começo

convém
preparar o banquete
(e sobretudo o vinho)
do último
e do primeiro instante

convém
celebrar com alegria
a partida
e a chegada

a antiga
e a nova aliança

e no ocaso celebrar
o triunfo da vida

afinal
o velho foi necessário
ao advento do novo


                        (HORÁCIO PAIVA)

PAN Y LUZ
 
con lápiz invisible
describo en la oscuridad
lo que no veo
 
y puesto sobre la mesa
creo haber un pan
a la espera de la luz
 
 
PÃO E LUZ
 
com lápis invisível
descrevo na escuridão
o que não vejo
 
e posto sobre a mesa
creio haver um pão
à espera da luz
 
                                      (Horácio Paiva)




                                                Lisboa, 31/12/2013)