EMBOABA NA
HISTÓRIA DE SÃO PAULO
Por: Gileno Guanabara, sócio do IHGRN
“Emboaba”, um
dos lados do primeiro movimento nativista quando da disputa ao tempo do ouro de
Goiazes, encontra referência no vocabulário “nheengatu”, objeto que foi da
pesquisa de diversos estudiosos. De acordo com os apontamentos históricos, o vocábulo
teria correspondido a um insulto que os paulistas dirigiam aos estrangeiros, em
especial, uma ofensa aos portugueses, durante a disputa que mediou a conhecida Guerra dos Emboabas.
Para parte dos
estudiosos, a expressão deriva do tupi-guarani mboab, referente a uma ave de pernas emplumadas, atribuída aos
forasteiros que cobriam as pernas. O cronista Batista Caetano, citado por
Cândido Mendes (in Notas para a História
Pátria), afirmava que emboaba correspondia ao o-mboá-bae, o laçador, o que atira o laço, sendo “i-amboa-báe” o
laçador de índio, de gente e o mesmo era traidor, pérfido, pois no mesmo
conceito se tinham os estrangeiros que chegavam somente para enriquecer,
mediante a estultice e a felonia. Segundo a tese de Antônio Joaquim de Macedo
Soares, na obra Etymologia da Palavra
Emboaba, a expressão correspondia a conduta de um tipo de homem portador de
cabelos diferentes.
Varnhagem (in
História Geral do Brasil), que a
princípio admitiu ser emboaba uma expressão atribuída pelos índios aos portugueses,
pelo fato de vestirem calças, afirmou ser a forma contraída de Amboabá (de Mbae-aba), ou seja “feito homem”. Já Theodoro Sampaio (in O Tupi na Geografia Nacional) diz que o
termo deriva da forma verbal mbo-ar,
movimento, de que a forma verbal “mbo-ab” exprime a ação de, a agressão, o
ataque.
Há
discordância por parte de Affonso de Freitas Júnior, haja vista não se ter
aplicado a mesma expressão, no século XVII, a brasileiros que também vestiam
calças, hábito que não era tão incomum, haja vista a relação de bens deixados
em inventários e testamentos da época, incluindo como herança aquela indumentária
que os portugueses introduziram, quando por aqui chegaram, sem que se lhe atribuísse
a alcunha de emboabas. Era costume conservar-se num baú a fatiota exclusiva
para se comparecer a rigor nas solenidades, servindo, por último, de mortalha.
Diz o estudioso que os galináceos conhecidos naquela época, com tais
características, foram animais exóticos trazidos ao tempo em que os indígenas
já se tinham enfurnado nos sertões, sem possibilidade de assim nominar em
ofensa os portugueses. De igual forma, o apelido decorrente de um tipo exótico de
ave de pernas emplumadas, chamado Mboab, ainda
assim não encontraria relação com a fauna existente nos campos do Piratininga.
As digressões
se aguçam ainda mais quando a questão envereda pela referência ao tipo de
cabelo – aba-ambõaê-aba. Evidente que
o português/mouro portasse pele escura, tivesse o fio dos cabelos apichaí e crespo e menos encorpado que o
do indígena, sem que se desnaturassem as semelhanças verificáveis entre ambos.
Aos esses negros os nativos dirigiam o epíteto Tapanhuno, ou seja bárbaro, negro estranho, palavras que decorrem
de “Tapuya” e “una”.
Em verdade,
dado o ódio corrente dos paulistas aos estrangeiros que invadiam suas minas de
ouro, atentando contra a fonte maior de sua riqueza naquele momento, foram
diversos os apelidos que eram assacados contra os forasteiros: Galego; pés de
chumbo; tamancões, entre outros. A expressão que melhor atingia o ímpeto da
desforra, os paulistas foram encontrar na locação cabinda, do dialeto angolês,
trazido para o Brasil. Em os portugueses se embrenharem na mata protegendo as
pernas das cobras e mosquitos, pelo uso de longas botas, fora a adaptação do
angolês camboá a que de maior
zombaria se atribuía aos intrusos de suas minas, os traidores do Rio das Mortes
(1708), na batalha do Capão da Traição.
Na luta que se travou, se destacou a ação das mulheres de Piratininga, solidárias
aos seus parentes traídos e derrotados, momento da maior batalha durante a
guerra entre paulistas e emboabas.
A expressão
emboaba não foi dirigida aos portugueses que se mantiveram alheios ou fiéis à
causa dos paulistas, mas àqueles que se identificaram contra os nativistas, os
que se aliaram aos forasteiros, nem sempre portugueses. Foram tidos emboabas Manuel
Nunes Vianna, Bento do Amaral Coutinho, Antunes Maciel, nativos a quem se acusa
de traíram a causa e contribuírem para a derrota dos paulistas.
Rocha Pita, baiano
que se aliou aos portugueses contra os paulistas, afirmou (in América Portuguesa) que os povos das
minas estavam divididos em duas
parcialidades, uma, dos naturais de São Paulo e das Vilas de sua jurisdição,
chamados Paulistas, e outra dos Forasteiros, a quem eles chamavam Emboabas,
dando este nome a todos os que não sahião da sua Região”. Ayres do Casal
(1817), nos escritos sobre a fundação de São Paulo afirma que um grande número
de europeus se agregou aos índios que os chamavam emboabas, por terem as pernas
cobertas. Na ausência de outros registros em arquivos, pelo menos encontra-se
nas atas da Câmara da cidade a referência à nomeação de Amador Bueno da Veiga,
cabo maior dos paulistas, a fim de combater os emboabas que eram referenciados através
da expressão forasteiros.
Azevedo
Pizarro (in Memória Histórica do Rio de
Janeiro-1820) informa que de Embuabas ou Buabas os paulistas chamavam as
aves, galinhas ou não, que tinham as pernas cobertas de plumas. Daí, chamarem a
todos os de fora que se portavam vestidos de botas ou polainas, cobrindo as
pernas.
Para Affonso
de Freitas poder-se-ia decodificar todas as expressões homens de cabelos diferentes; laçadores
de índios, etc., através dos matizes boya
(cobra) e avá (homem), resumindo-se na
figura ruim como cobra, cruel, astucioso,
desleal, adaptação do termo cabinda Emboá,
do angolês Camboá,
cuja tradução é Cão. O sentido que
fica, pois, é o de aventureiro, adversário dos paulistas durante a exploração das
minas dos Goiazes. Passado o fragor da guerra, o termo Emboaba revelou o rigor
acusativo ao inimigo e com a corruptela de buana
dirigiu-se aos portugueses, com o estigma de vindita.
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