O CAPITALISMO EM SÃO PAULO
SEISCENTISTA
Por:
Gileno Guanabara, sócio do IHGRN
Ao fim do século XVI, as atividades de
um inglês que residiu em Santos constam da coletânea Navigations, Voyages, Traffiques and Discoveries if the English Nation,
publicada naquele século por Richard Hakluyt, republicada em Edimburgo
(1890). De pronúncia nada fácil para os contemporâneos, John Whital, o seu nome
originário, passou a João Leitão, como se tornou conhecido na Baixada Santista.
No registro da
coletânea revela-se a realidade seiscentista do Brasil, haja vista reproduzir a
carta que João Leitão escreveu a um amigo residente em Londres, em junho de
1587. Por ela, sabe-se que a Capitania de São Vicente - que o autor diz ser
muito saudável quase sem doenças - acolhia
ingleses e italianos dedicados ao comércio e a agricultura. Ou a presença de
padres vicentinos que descobriram uma mina de ouro, no monte do Jaraguá, nos
atuais limites da cidade de São Paulo. Naquela época, o porto de Santos se
dedicava a exportar índios para o Peru e enviar açúcar para a Inglaterra, de
onde os negociantes recebiam em troca tecidos e ferragens.
A carta de João Leitão faz revelações sobre o
seu casamento: Tive o ensejo de escolher
esposa entre quatro moças dignas. Acabei comprometendo-me com um cavaleiro
italiano, aqui residente, a casar-me com uma sua filha dentro do prazo de
quatro dias ... Êsse amigo e sogro é
José Doria (José Adorno, nome adaptado em São Vicente), nascido em Gênova, na
Itália ... Ele somente tinha uma
filha e achou que ela ficaria melhor comigo do que com qualquer dos portuguêses
desta região. E mais adiante diz o missivista: Êste casamento dar-me-á uma renda de mil ducados por ano, mais ou
menos. Meu sogro vai entregar-me a direção de todo o seu engenho, com 70
escravos, fazendo-me seu sócio, em partes iguais.
Ao sogro o escrevinhador teria
informado e ao Capitão-mor da Capitania solicitara licença para o desembarque
de mercadorias vindas em navios de Londres, cujos lucros afirma serão triplicados, voltando com meu
carregamento de açúcar, custando 400 rs. a arroba ... Uma viagem a Santos dará tanto proveito como costumam dar as que se
fazem ao Peru. Nesta parte final referia-se aos navios de índios apresados enviados
para as minas de Potosi, no Peru.
Por fim, a origem pecaminosa de
negócios e a política entremeados pelos interesses familiares: Se quiser negociar neste porto ou mandar
navios para cá, não duvide que, com ajuda de Deus, eu tudo porei em ordem,
porquanto meu sogro influi no ânimo do capitão-mor, que governa esta terra.
E o obséquio final: Mande-me uma dúzia de
camisas para meu uso, bem como seis ou oito peças de tecidos “Sayes”, para
mantos de mulheres, tecido que aqui é muito apreciado. Do seu amigo John Withal.
Informações quanto
a utilização da primeira máquina a vapor no Brasil, no século XIX, constam do estudo
notável sobre a introdução da ferrovia em nosso país - A primeira Concessão de Estrada de Ferro dada no Brasil – de Garcia
Redondo, em notas publicadas recentemente pelo Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo (Revista vol. nº 06), atribui ao alemão Frederico Fomm a
iniciativa daquela inovação. Redondo se baseia no trabalho biográfico realizado
por Miranda Azevedo (1789), sobre as atividades do bem sucedido empreendedor.
Nascido
na Prússia Renana, em 1793, Frederico Fomm iniciou seus estudos na Alemanha e os
concluiu em Londres. Viajou para o Brasil e se instalou em Santos. Contraiu
matrimônio, no ano de 1824, com Bárbara da Costa Aguiar, com quem e pelos laços
familiares se incorporou à firma Viúva Aguiar, Filhos e Cia. Segundo o seu
biógrafo, um ano depois de casado, Fomm viajou à Europa, de onde regressou no
ano seguinte. A firma familiar ganhara novos rumos, no ramo da produção,
comercialização e exportação de açúcar através do porto de Santos. Utilizou de
forma pioneira a técnica da estufa, para a secagem do açúcar mofado que recebia
do interior, o que antes era feito precariamente, com o açúcar a secar sob o
sol, na superfície de um couro cru. Coube a Fomm a instalação da primeira usina
de refinação da cana, o que se deu na localidade chamada Vila Nova. Para isso, adquiriu
na Inglaterra a primeira máquina industrial a vapor que se teve notícia naquela
região. Ao fim dos anos de 1830, retornou a Londres. Visitou o banqueiro
Rotschild, a quem pleiteou financiar o projeto da rota marítima Santos/Londres,
através da navegação a vapor.
Ao
pensamento e iniciativa progressistas de Frederico Fomm deve-se o projeto de
interligação regional, ao porto de Santos, através de linhas férreas, bem como
o projeto de promover a hidro navegação pelos rios paulistas. Os fundamentos
capitalistas de suas iniciativas continham, já naquela época, a repulsa ao
trabalho escravo no Brasil.
Ao refazer a
trajetória inovadora daqueles estrangeiros, a quem tanto deve a Província de
São Paulo, é sintomático o registro histórico que fez Garcia Redondo referente
a Frederico Fomm, ao assinalar as cláusulas contratuais firmadas, nos anos
finais de 1830, proibindo a posse de mão-de-obra escrava pelos concessionários:
Por iniciativa deste europeu inteligente
e amigo do Brasil, cabe a São Paulo a dupla glória de haver importado a
primeira máquina a vapor que funcionou no Brasil e a ideia de ter cogitado,
antes que qualquer outra província do Império, de estabelecer linhas férreas e
de navegação fluvial a vapor, dando a primeira concessão ferroviária com a
cláusula humanitária de não poderem os concessionários possuir escravos.
A par das iniciativas de Fomm,
há o histórico sobre a obra de Felisberto Caldeira Brant Pontes, o Marquês de
Barbacena, que residiu em Salvador por dezenas de anos. O opúsculo Vida do Marquês de Barbacena, de Antônio
Augusto de Aguiar (1896), dá-nos conta da máquina a vapor de moer cana que
adquiriu no ano de 1813, a qual foi assentada no engenho Ingaaçu, em Itaparica,
pertencente a um seu cunhado, Coronel Antônio Cardoso dos Santos.
A navegação a
vapor na Bahia foi objeto de Decreto governamental de 1818, que estabeleceu a
concessão para a exploração da navegação por vapor nos rios da Província da
Bahia, desde o Recôncavo Baiano até o litoral do Estado. Tal permissão perdurou
até a eclosão da Guerra da Independência.
Segundo as
anotações do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (Revista vol. nº 31), no
ano de 1819, o marquez adquirira na Inglaterra uma máquina a vapor. Para sua
utilização fluvial, construiu no estaleiro Preguiça um barco a ser movido a
vapor, cujo itinerário inaugural deu-se nas águas do rio Paraguassú, tendo a
bordo o governador e capitão general da Bahia, o conde de Palma, o marquez de
Barbacena e outras autoridades. Nas anotações do
Instituto, sob o título O Primeiro Barco
a Vapor no Brasil, tem-se a advertência de que Ao general marquez de Barbacena cabe a glória de haver iniciado a
navegação a vapor na Bahia.
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