13/06/2014


                       Folclore não é só Alegria e em Agosto Não!
(*) Gutenberg Costa


            O dia internacional do folclore comemora-se em 22 de agosto. A palavra Folk-Lore foi criada a partir de um artigo do arqueólogo inglês Willian John Thommes, no ano de 1856, em que o mesmo reuniu tudo o que era ligado às tradições e costumes do povo com esta denominação: Folk-Lore – Folk (Povo) e Lore (Saber).

Cultura do povo e artista do povo! Umbilicalmente ligados e sabe-se muito bem que o artista popular come todos os dias e não vive só de sua arte. Ele adoece e sua panela de vez em quando fica vazia. E o folclore se vive todo santo dia, quer queiram ou não as ditas autoridades!

            No Rio Grande do Norte o folclore tem como maior representação o nome do mestre Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), que entre outras importantes obras, deixou-nos o conhecido internacionalmente: Dicionário do Folclore Brasileiro, que esse ano completa 60 anos de sua publicação.

            Além do mestre Cascudo, outros nomes potiguares também tiveram destaques, como Veríssimo de Melo, Gumercindo Saraiva, Raimundo Nonato, Hélio Galvão, Oswaldo de Souza, Manoel Rodrigues de Melo, Oswaldo Lamartine, Oswaldo de Souza, Vingt - Un Rosado, Getúlio Araújo, Deífilo Gurgel, Raimundo Soares de Brito, Miriam Gurgel Maia, Lauro da Escóssia e Celso da Silveira, entre outros defensores das nossas tradições... E o Estado do RN, desde o final do ano passado, é orgulho nacional na pessoa do nosso folclorista Severino Vicente, que assumiu a presidência da Comissão Nacional de Folclore. O primeiro potiguar desde o ano de 1948.

Desde que o citado arqueólogo denominou de ‘folclore’, tudo que era relacionado à tradição, foi então criada à ciência da ‘folclorística’. Estudo sério que é respeitado pelos folcloristas ou folclorólogos, como alguns assim chamam esses estudiosos que teimam em brigar pela cultura do nosso povo. O estudioso da cultura popular não pode viver fechado em gabinetes. Agarrados ao contra cheque e de reuniões no ar condicionado. Longe dos fazeres e saberes dos mestres e mestras. E quem diabo sabe o que é um Grió, lá na feira de Pendências? Mestres sempre serão mestres!

E folclorista não existe sem sentir as alegrias e lamentos de seus mestres e para isto é necessário adentrar em seus casebres e terreiros. Além de ver a panela vazia do artista popular de perto, o folclorista é aquele que pesquisa, coleta, estuda, interpreta, compara, compra livros e de vez em quando publica o resultado de seus estudos e pesquisas em livros, revistas e jornais. O mesmo participa de encontros, seminários, simpósios, congressos. É um estudioso atualizado e principalmente tem que ler muito, já que o assunto é muito vasto e não se aprende em Universidades. Gasta-se muito e ganha-se pouco, pois não é uma área de investimentos como outras que as pessoas seguem recomendadas pelo capitalismo globalizante vigente e exigido. É antes de tudo, uma área de amor e paixão. Quem entra não saí e quem sai é por que nunca o seria em sua essência!  Não conheço folclorista rico com o fruto de seu trabalho cultural, nem sem uma boa biblioteca em sua casa também cheia de bugigangas. Dinheiro não se junta, mais geralmente se morre velho e rodeado de boas amizades, lembranças e geniais ensinamentos. Não conheço politico folclorista, nem muito menos folclorista fanático partidário.

Nós folcloristas, preferimos viver uma vida simples, sem apego ao contracheque e ao poder temporário e deslumbrante. Não vendemos a alma ao diabo, para fazer parte do poder politico. Rezamos na cartilha do filósofo espanhol ‘Calderon de La Barca’: - “Ao rei tudo, menos a honra”. Folclorista tem que ser teimoso e independente, se não o mesmo não sai de casa! A minha temática de pesquisa e preferência é mais centrada nos apelidos, tipos populares, cordel, xilogravura, religiosidade, oralidade popular, festejos juninos, festas tradicionais e carnaval.

O estudo do folclore é muito complexo diante de sua dimensão, mas é apaixonante em inúmeros aspectos. A tal ‘depressão’ e o tal do ‘stress’ fogem de folclorista, feito o diabo da cruz! Folclorista vai frequentemente as feiras e mercados. Conversa com o povo e deste aprende muita sabedoria. Gosta de música regional e de boa qualidade, festa popular, toma café em choupanas nos sítios e adora comida típica. Apreciam as conversas de barbearias, farmácias e calçadas do sertão. São espirituosos, simples e humildes.

São pessoas respeitosas com as crenças e saberes do povo. Homens e mulheres desgarrados de preconceitos e medos. Gostam de viajar e muitos apreciam uma boa pinga que ninguém é de ferro. Raridade entre nós, foi o mestre Deífilo Gurgel que nunca provou da boa ´água que passarinho não bebe’. Chegando à Goiânia/GO, na casa do folclorista e amigo Barianni Ortêncio, logo fui ‘batizado’ com uma sua cachaça acompanhada de - cajuzinho azedo e paçoca: “Bão, agora o irmão tá batizado no folclore goiano!”.

Não conheci ainda folclorista orgulhoso, rico e ateu. O mesmo pesquisa seriamente num terreiro de Umbanda, como do mesmo modo vai a uma Igreja Católica, Evangélica ou Kardecista. Também entra com altivez em um palácio governante do mesmo jeito que se senta num tamborete em baixo de uma latada para ouvir os ensinamentos de um sábio mestre sem diploma universitário. O folclorista é educado e diplomático, mas ao mesmo tempo é uma pessoa briguenta na defesa da cultura popular e não admite injustiça contra os artistas mais humildes que fazem parte deste riquíssimo universo.

Geralmente não se filiam a partidos políticos para não serem submissos ideologicamente. Podem ser considerados reacionários, chatos, conservadores e ultrapassados por aqueles que defendem uma ‘cultura’ que não é a nossa... E como já dizia o nosso saudoso compositor potiguar ‘Elino Julião’: - “Na minha rede não”!

            E diante do exposto, aconselho aos jovens que querem entrar na área do folclore, que estudem muito antropologia cultural, social, história, geografia, sociologia... Vão a campo e pesquisem meus jovens. Anotem, gravem, coletem e publiquem. Mas antes de tudo, esqueçam fama e dinheiro! E agora que já conversei muito, digo-lhes relembrando, como alegremente ‘despachava’ os seus visitantes, o mestre Cascudo: ‘E querem mesmo ser folcloristas’? ‘Mesmo com todos os sacrifícios e sem riquezas’? ‘Ou vão preferir o conforto e aceitar certos submissos Cargos Comissionados’? ‘E se assim quiserem essa segunda opção, vão baixar em outros terreiros’?

E finalizo lembrando-os duas coisas: Não vi ainda uma plaquinha na entrada de Natal para avisar aos turistas da Copa que aqui alguns conterrâneos ainda orgulham-se do genial Luiz da Câmara Cascudo. E que o folclore não é só alegria não, como também não se pode só lembra-lo em agosto não!

(*) É presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore

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