03/10/2019


Marcelo Alves
ublicado antes de ontem, dia 29 de setembro de 2019, no jornal Tribuna do Norte (de Natal/RN):
Wilde no cárcere
Na semana passada, conversamos aqui sobre a experiência pessoal e literária de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) com o cárcere. Esse tipo de experiência e de posterior narrativa, entretanto, não é uma exclusividade do grande romancista russo. Pondo angústia e sofrimento no papel, outros grandes escritores também se permitiram retratar a realidade das masmorras, em seus aspectos visíveis e recônditos, nas quais são recolhidos, para cumprimento de duras penas, os que supostamente afrontam as leis penais.
Um desses grandes escritores, dos mais badalados, foi o irlandês Oscar Wilde (1854-1900), o autor do romance “The Picture of Dorian Gray” (1890) e da série de comédias teatrais “Lady Windermere’s Fan” (1892), “A Woman of No Importance” (1893), “An Ideal Husband” (1895) e “The Importance of Being Earnest” (1895).
Por mais incrível que isso pareça hoje – pelo menos para nós, minimamente civilizados –, Oscar Wilde foi processado e condenado, em 1895, na Inglaterra, pelo “crime” de homossexualismo. Wilde mantinha, desde pelo menos 1891, uma relação homossexual com Lord Alfred Douglas, o Bosie, alegadamente o grande amor de sua vida, apesar do seu casamento com Constance Lloyd, com quem teve dois filhos. Em 1895, o escritor tomou a insensata decisão de processar criminalmente o pai de Bosie, o Marquess of Queensberry, por crime contra a honra, dando início a uma série de eventos que levariam ao seu próprio julgamento por homossexualismo. O Marquês estava preparado. Vasculhou a vida íntima do escritor. Reuniu provas contundentes em sua defesa e foi absolvido à unanimidade. Kafkamente, como resultado, Wilde foi levado à prisão, com fundamento nas provas produzidas em seu desfavor no julgamento do Marquess of Queensberry. Preso por um mês, antes mesmo do seu próprio julgamento, ele teve a insolvência civil declarada. Já no banco dos réus e abandonado por Bosie, Wilde foi pego em mentiras e teve a vida ainda mais exposta. O veredicto: culpado. Pena: 2 anos de prisão, com trabalhos forçados.
Assim, em maio de 1895, Wilde é novamente preso. Após uma sucessão de transferências, finalmente chega à prisão de Reading, cidade no sudeste da Inglaterra, que se torna o cenário de sua “Ballad”. Por mais limpa e perfeita que seja em sua organização – e imagino que a prisão de Reading fosse bem melhor que a prisão siberiana de Dostoiévski –, qualquer prisão, da Ilha do Diabo às penitenciárias brasileiras, é sempre terrível. Mas acredito que a solidão do cárcere ou a promiscuidade que ali gracejam sejam muito mais dolorosas para homens sensíveis como Wilde, que, em sociedade, personificava, quase à perfeição, a figura do dândi. As humilhações pelas quais Wilde passou, o horror da prisão em si, por ele depois descritas, podemos bem imaginar. Ele ficou preso em Reading Gaol, hoje chamada HM Prison Reading, até 1897.
Ainda em Reading Gaol, Wilde escreveu uma longuíssima e tocante carta ao seu amante, o Bosie. Nela, ele relembra o caso de amor e suas experiências de condenado. O tom é de lamento e ataque. Em 1905, foi publicada uma versão reduzida dessa carta com o título “De Profundis”. Em 1949, apareceu uma nova versão com partes inéditas. E, finalmente, em 1962, a versão original revisada foi publicada, conforme nos informa A. Norman Jaffares, no “O’Brien Pocket History of Irish Writers: from Swift to Heaney” (de 1997).
Uma vez libertado, Wilde foi viver na França, autoexilado. Ali, em Berneval-le-Grand, cidadezinha da Normandia, ele escreveu o célebre poema “The Ballad of Reading Gaol” (“A balada da prisão de Reading”). A balada – denominação que se dá a certo tipo de composição musical ou poética – tem como ponto de partida a execução de um tal Charles Wooldridge, acontecida em 1896, quando Wilde estava encarcerado em Reading Gaol. Wooldridge, um militar, foi condenado à morte por haver brutalmente assassinado a própria mulher. O enforcado tinha 30 anos quando cumprida a sentença. Para além do testemunho, Wilde amplia o sentido da sua narrativa, para simbolizar a situação de todos os prisioneiros, mas não para criticar a justiça das decisões que os condenaram, e sim para mostrar, como “advogado” de uma reforma penal, a brutalização da punição do condenado à morte e de todos aqueles ali aprisionados e esquecidos. O verso autoaplicável “cada homem mata as coisas que ama” restou célebre.
Antes de terminar, quero fazer uma comparação. A reação mental e intelectual de Oscar Wilde ao martírio da prisão foi bem diversa da de Dostoiévski (vide o artigo da semana passada). Liberto em 1897, para a outrora celebridade londrina, agora falido e humilhado, sem contato com os filhos, restou o autoexílio do outro lado do canal. As habitações na França não eram as melhores; as roupas, também não. Wilde viveu sob o pseudônimo de Sebastian Melmoth. E, sobretudo, a sua produção literária tornou-se escassa.
Em 1900, com apenas 46 anos, convertido ao catolicismo, ele morreu de meningite, talvez causada pela sífilis. Certamente, agravada pela depressão e pelo alcoolismo. No Cemitério de Père Lachaise, em Paris, ainda hoje ele está preso nesse exílio.


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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