02/10/2019


A crise brasileira e os cristãos
Padre João Medeiros Filho

O Brasil padece de uma ingente crise econômica, política, social, ética e cultural. Analistas verificam que o descaso com a “res” pública, a corrupção e a injustiça têm sido marcas constantes, ao longo de anos. Nas últimas décadas, propagadores da impunidade assumiram abertamente a postura da desfaçatez. Não disfarçam de qual lado se posicionam. Colocam-se contra a pátria e os direitos dos cidadãos indefesos, empobrecidos e altamente explorados. Há muito, o poder econômico domina. A ética agoniza. Interesses de alguns importam mais do que o bem comum. Sobre os ombros dos carentes, sofridos e injustiçados, vítimas dos desmandos governamentais, recai o ônus das mazelas pelas quais passa o país. Vive-se em meio aos destroços causados pelo desemprego, pela baixa qualidade de ensino, fragilidade da saúde do povo, falta de investimento em serviços públicos etc.
Aos cristãos três caminhos se abrem diante dessa triste conjuntura. O primeiro consiste em permanecer ao lado dos insensíveis. O segundo, manter um silêncio omisso e conivente, beneficiando a iniquidade. Por fim, cabe-lhe assumir uma atitude de engajamento contra essa realidade desumana. É preciso um compromisso de serviço ao próximo e à pátria, antecipação do Reino de Deus. Ao longo da história, setores da Igreja trilharam, em determinados momentos, por essas três direções. É necessário, com inspiração evangélica, assumir o lado da solidariedade, presença e diálogo transformador. Não se pode desviar dessa opção. É o compromisso de todo cristão que, pela vivência do Evangelho, se envolve com a causa do próximo e o Reino de Deus. Este consiste também na equidade, na garantia de direitos dos justos e honestos.
Os verdadeiros seguidores de Cristo – apesar de esperar uma vida plenificada, após a peregrinação terrestre – não podem cruzar os braços diante dos empecilhos do despontar do Reino na realidade histórica e no cotidiano. O sinal da cruz, traçado na fronte dos cristãos, deve significar o seguimento ao Mestre, que colocou sua vida inteiramente a favor dos irmãos. A Igreja – enquanto sacramento terreno e continuação da missão do Filho de Deus – deve assumir o ousado e bíblico papel da profecia, opondo-se a tudo que é sinal de morte, injustiça, desonestidade e falta de ética, ou seja, o contratestemunho da doutrina de Jesus. Mas, é importante que se diga: o profetismo não se refere à mera condenação ou crítica, construída em confortáveis gabinetes, surdos aos gritos ou gemidos dos que sofrem. O compromisso da Igreja é o do diálogo com todos, da busca de soluções adequadas e sugestões de atitudes que possam iluminar as ações dos dirigentes. É fácil condenar, mas não é cristão. “Porque não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 12, 47). Rabindranath Tagore insistia: “É mais fácil condenar milhares de pessoas do que tocar uma só com a verdade”.
A laicidade do Estado não deve ser óbice para o diálogo das forças religiosas com os poderes públicos. As igrejas têm um importante papel na defesa de direitos dos cidadãos, filhos de Deus. Desde que voltadas para os verdadeiros interesses do bem comum, elas detêm legitimidade na discussão da coisa pública, em favor da população e contra as práticas opressoras, vindas daqueles que deveriam ser os autênticos representantes do povo.
Tal como João Batista, precursor do Senhor, os cristãos necessitam ser uma voz que clama, como sinal de esperança para os sofredores, vítimas da maldade e injustiça. “Devemos ter uma palavra de paz, alegria, consolo, diálogo e ternura”, dizia Santa Dulce dos Pobres. A fidelidade ao Evangelho não pode assumir uma posição de indiferença ante o sofrimento daqueles que não têm voz e vez na sociedade. Isso não significa que a Igreja deva ser partidária, como pensam e pregam alguns, esquecendo o que disse o Mestre: “O meu reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). Inspirados na Palavra de Cristo, os seus discípulos precisam assumir sua vocação, fundamental para o autêntico testemunho da vivência religiosa e expressão da fé. “Somos cidadãos do céu, mas não podemos tornar a terra num inferno”, advertia Santo Agostinho

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