MACAÍBA, ONTEM
Valério Mesquita*
Escrever sobre o passado
de Macaíba é um momento raro confidências emocionais. Macaíba é um centro
catalizador e irradiador de emoções, dotada de poderes mágicos. Percorrendo
suas ruas, desfilam comigo todo um universo espiritual de amigos ruidosos ou
silenciosos, densos e penetrantes. As ruas do centro, umas largas outras
estreitas, o rio poluido, o cais desfeito, os lugares que já foram, os casarões
destruídos, tudo comanda uma série de imagens, de sensações auditivas, visuais,
olfativas ou mesmo táctil, entre o passado e o presente.
São sensações-lembranças
povoando os espaços da memória e a recomposição não de um tempo perdido como
queria Proust, mas o sentido e o rumor do humano, da paisagem e do tempo, todos
síntese e fascinação de horas vividas e profundas.
Política folclórica,
intensa, arrebatada, patética. Digna do teatro shakeaspereano. Neco Freire,
Estevão Moura, Alfredo Mesquita, José Maciel, Aguinaldo Ferreira, Magno Tinoco,
Paulo Mesquita, Aldo Tinoco, Theodorico Freire, Neco Alves, Enock Garcia,
Severino Aleixo, Francisco Falcão Freire, Leonel Mesquita, Luís Cúrcio Marinho,
entre tantos outros, emergem do tempo com força evocativa de ressurreição de
ambientes.
De tipos humanos
inesquecíveis relembro, Macaíba social, lírica, romântica, ingenuamente
irresponsável, jovem, de Neif no saxofone, Nestor Lima no violão, Raimundo
Cavalcante, a voz, José Inácio Neto, o emérito historiador, Ranilson Costa,
ruminando sempre, a cordialidade de Bridenor Costa, Né Massena e seu torrado
indefectível, Perequeté, Banga, Passarinho, Jorge de Papo, Maria Cabral, Zé
Caíco, Sérgio, “o cabeceiro borçal”, Pereira e o seu piston, Gutemberg Marinho,
seu irmão Epaminondas e o velho Luís Marinho de Carvalho, Maceira e o seu choque
irreprimível, Chico Moura, Olímpio Maciel, D. Nazaré Madruga, Carlos Mesquita e
o pisa na fulô, padre Chacon, Nassaro Nasser (Danga) e a coleção de gibi,
Chicozinho e o cavaquinho, o jogo de botões pelas calçadas com elenco
insuspeito de moleques, Napoleão sapateiro e Charuto, o seu vizinho, as bodegas
de Alfredo Almeida e João Manteiga, Miguel Pelado, Zé Pelado do “Café Gato
Preto”, o Pax Club, enfim, uma verdadeira procissão de lembranças de um mundo
desaparecido mas ainda vivo nas paredes, no chão por onde pisaram, como queria
Sartre.
Enfim, devo dizer que
ainda ouço com extraordinária nitidez, as mesmas canções eternas de todo esse
universo perdido, de todo esse coquetel humano, como se estivesse de uma
janelinha aberta e mágica, vendo-os passar numa comovida recomposição de
gestos.
(*) Escritor
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