A
RUA DOS SINISTROS E A INTENTONA
Valério Mesquita
Tudo
começou, contou-me José Inácio Neto, macaibense da gema, já falecido, com a ida
a Recife dos comerciantes Neco Alves e Joca Leiros, em 1947. Lá se
entrevistaram com uma vidente, de nome Baiana, que previu inúmeras tragédias
para a estreita e pequena rua do Cajueiro, na cidade de Macaíba. Registre-se
que a médium não conhecia a cidade. A primeira sucedeu com o fabricante de fogos
de artifício Seu Galdino, em 18 de junho de 1921, e avô paterno de minha mãe
Nair de Andrade Mesquita. Consta que a sua fabriqueta explodiu com tanta
intensidade que o projetou na rua. Veio a falecer dois dias depois, após
receber a extrema unção do sacerdote com a confissão curiosa: “Padre, fiz tudo,
só não fiz roubar”. Na mesma rua do Cajueiro, que hoje se denomina Baltazar
Marinho, outra desgraça aconteceu quando Pedro Cancão matou a mulher com várias
cutiladas de faca peixeira. Esse crime também abalou a cidade.
Pouco
tempo depois, uma cunhada de João do Mercado suicidou-se ateando fogo às
vestes. João era conhecido comerciante que negociava no primeiro mercado
público da cidade, construído em 1920. O quarto episódio fatal da rua ocorreu
com a sobrinha de Severino Aleixo, de nome Helena, que igualmente morreu
queimada, atingindo também o primo Milton Pereira dos Santos, que ficou
bastante ferido. O quinto funesto acontecimento sucedeu com um garoto de 13
anos chamado Gonçalo, filho de D. Adélia, pessoa bastante estimada em Macaíba. A causa da
morte foi suicídio e o comentário de José Inácio de Souza Neto, Zezinho, nosso
historiador local, é de que o menino sofria das faculdades mentais.
Mais
um desastre, e o sexto, para confirmar o vaticínio da pitonisa pernambucana,
atingiu a mulher de vida livre, mas difícil, apelidada de Milu. Potentes razões
passionais fizeram a inditosa amante da vida suicidar-se com álcool e fósforo.
Evidentemente outros registros de mortes violentas devem ter ocorrido depois, na
rua do Cajueiro, que desemboca nas Cinco Bocas, ponto nervoso da cidade onde se
localiza a central de boatos políticos e da vida alheia. Mas, naqueles idos de
quarenta e cinquenta nem só de “sinistroses” viveu a ruazinha. Ela teve seus
momentos alegres na época junina com lapinhas, pastoris, fandangos capitaneados
por Chico Benedito, dono de um carrossel, além de Luís Cocó, emérito chamador
de pedras de jogos de víspora, que gostava de gargalhar a cada número
anunciado. Haja fôlego!
Na
rua Dr. Francisco da Cruz, a Macaíba dos velhos tempos se enfeitava, no
carnaval das Cinco Bocas, até a casa de Alfredo Mesquita, entapetada de
serpentina, obra de José Inácio e Oto Feitosa. O lírico e o romântico davam o
toque provinciano à cidade. Os antigos namorados viviam os alumbramentos do
namoro e das paixões adormecidas. Narra Zezinho que nunca esqueceu a imagem do
tabelião Cornélio Leite adornando a sua paquera Adelina com serpentinas e
confetes. Um universo perdido, mas de comovente ressurreição.
Transcorria o mês
de maio na pacata e provinciana Macaíba de 1935, contou-me o saudoso
memorialista José Inácio Neto (Zezinho). Ele foi testemunha ocular daqueles
dias onde na rua João Pessoa, no centro, instalava-se a Alfaiataria Estética,
do alfaiate e pastor evangélico Pedro Dantas, que tinha dois filhos: Silas e
Esdras. Administrava o município pela primeira vez, o prefeito Alfredo Mesquita
Filho. Aqui e acolá os convescotes da cidade se sucediam. No Café Gato Preto, o
vento leste do rio Jundiaí trazia rumores de tiroteios em Natal. Paulo
Teixeira, eterno apaixonado de D. Belinha, Santos Lima e outros atribuíam os
disparos aos folguedos da celebração da festa de Santa Luzia, logo contestado
por católicos de plantão com relação à data festiva da santa.
Escoadas as
inquietantes 48 horas do movimento, na terça-feira, Macaíba voltou
paulatinamente à normalidade. Os moradores retornaram do “exílio” dos sítios e
lugarejos. Apenas, alguns comentários perduraram nas rodas da cidade. Primeiro,
o célebre buraco de Tutu foi fechado por Paulo Bulhões, de ordem do prefeito,
que lamentou, depois, o fato de nenhum comunista nele não haver desabado; na
cadeia pública, onde os movimentos de 35 instalaram o seu “quartel general”,
foi achado dinheiro escondido até nas privadas. O próprio Zezinho, movido pela
curiosidade, fez uma fezinha e prospecção nas escavações das trincheiras
comunistas; e, por fim, o prefeito que não foi, o alfaiate Pedro Dantas passou
a ser conhecido mais como comunista do que alfaiate e evangélico. Sem falar no
hilário caso de sua cunhada que namorava José Chinês, tipo popular e irmão do
soldado Joaquim de Juvêncio, que se despiu na rua debatendo-se com uma pulga
comunista e radical que lhe penetrou no saco escrotal, picando-o por várias
horas. Segundo Zezinho, esse foi o saldo da intentona em Macaíba.
(*) Escritor
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