O SENADO E O IMPÉRIO
Por: Gileno Guanabara, advogado
O Senado, ao tempo do Império, consagrado na
Constituição de 1824, era chamado “Câmara vitalícia”. Sua primeira sessão
preparatória deu-se a 29 de abril de 1826. Três anos após a convocação da
Assembleia Nacional Constituinte, foi instituída a Assembleia Geral
Legislativa, composta por 100 deputados. O Senado era integrado por 50
senadores, os notáveis, com idade mínima de quarenta anos. Gozavam de
vitaliciedade, atributo de independência. Referia-se o texto constitucional ao
“saber”, à “capacidade” e à “virtude”, como precondições dos que, ungidos pela
atividade profissional ou liberal, auferissem renda apreciável que a própria
lei quantificou. Eram os “homens bons”.
Pelas
regras regimentais, cabia à presidência do Senado estabelecer a ordem dos
trabalhos; interromper a sessão; impedir de falar o orador que se desviasse dos
debates; retirar do recinto o senador, ou, em caso de tumulto, apelar para o
último dos recursos: “colocar o chapéu na cabeça”. As sessões davam-se a partir
das 10 horas da manhã, alongando-se até às 14,00 horas. Os trabalhos não eram finalizados
sem que “antes se encerrasse o discurso do senador que estivesse de pé”.
Dados
os fatos ocorridos no ano de 1822, durante os embates relativos à proclamação
da independência, o povo não raro manifestou-se aliado da Câmara. Já o Senado,
pelo seu conservadorismo, se submetia não raro aos interesses da família real.
Tal posicionamento não excluía divergências ocasionais, tornadas públicas. A
nomeação do General João Vieira de Carvalho, para o cargo de senador pelo
Ceará, depois agraciado com o título de marquês de Lajes, o Senado contrariado
negou-se a convalidar o ato do monarca e a nomeação teve de ser desfeita.
Outro
momento delicado da vida senatorial, tempo da truculência do Ministério do
Padre Diogo Antônio Feijó, fora a destituição de José Bonifácio da tutoria de
Pedro II. Dada a proeminência política do Patriarca, a sua demissão sumária
criou impasse para com o Senado que rejeitou a medida já aprovada pela Câmara.
Durante a crise, o padre Feijó acusava o Senado de ser instrumento de
conservadores que conspiravam e tramavam favoravelmente à restauração de Pedro
I. Para isso, Feijó instava à Câmara a se proclamar assembleia nacional, com
poderes absolutos e dar fim à crise. O acirramento chegou ao ultimato feito por
Feijó de abandonar o Ministério da Justiça: Ou Feijó, ou José Bonifácio, eis a
questão. Mas o Senado decidiu: ficou com José Bonifácio, saiu o Padre Feijó.
Igual
contenda verificou-se em o Senado contrariar a proposta de banimento de Pedro
I, aprovada pela Câmara. Foi durante a presidência do marquês de Paranaguá que
se deu o primeiro embate, a fim de antecipar a maioridade de Pedro II. Juntos, a
Câmara e o Senado desobedeceram às ordens do governo pelo adiamento das
sessões. Sob o chamamento de Antônio Carlos – “Quem for brasileiro, siga-me
para o Senado” – as minorias das duas casas legislativas proclamaram a
maioridade.
Durante
o Segundo Império, duas forças políticas se equilibraram: o Senado e o poder
moderador do monarca. A “câmara vitalícia” se impunha como “a casa dos chefes”,
através de que a política advinha notável, como afirmou Martinho Campos.
Durante 63 anos de monarquia, de 1826 a 1889, o Senado contou com 20
presidentes. O primeiro acolhido por aclamação, o marquês de Santo Amaro, a
quem coube a instalação da sessão inaugural, em 6 de maio de 1826. O último foi
Paulino José Soares de Souza, eleito no ano de 1889, e que, no dia 16 de
novembro, sentou pela última vez na cadeira presidencial do Senado. Apenas três
ministérios se formaram sem a presença de senadores: o da regência trina e o da
regência Feijó (janeiro/outubro de 1835); e o da regência de Araújo Lima (setembro
de 1837).
Figuras
da formação política brasileira fizeram a historiografia do Senado: Nabuco de
Araújo; o padre Diogo Antônio Feijó; o visconde do Rio Branco; o marquês de
Paraná; o Conselheiro Dantas; o visconde de Abaeté; Saraiva; o barão de Cotegipe;
João Alfredo; o marquês de Olinda; o duque de Caxias; José Bonifácio, o moço; o
visconde de Inhomirim; o marquês de Monte Alegre; Lafayette Rodrigues Pereira;
o barão de Uruguayana; o visconde de Sinimbu; Antônio Carlos; e Francisco
Octaviano.
Rocha
Pombo, em sua História do Brasil, relata que o senador Feijó, ex-regente do
Império, e o Brigadeiro Rafael Tobias Aguiar, ex-presidente da Província,
chefiaram a revolução de 1842, em São Paulo. Para abafar o movimento, o governo
imperial enviou tropas fiéis comandadas pelo General Lima e Silva, o Barão de
Caxias. Concluída a missão, o comandante dirigiu-se à Rua das Flores, onde se
hospedara o Senador Feijó. Diante da sua presença em sala, após os gentis cumprimentos,
o general perguntou sobre a saúde do ex-ministro. Por fim, revelou o motivo da
visita: “Só o dever de soldado me impõe a dolorosa incumbência de vir prender o
senador Feijó, um dos chefes do movimento revoltoso. Convido-o, pois, a
acompanhar-me”. Ao que Feijó retrucou: “Sr. General, estou às suas ordens”.
Enquanto
aguardava providências médicas, haja vista encontrar-se paralítico de uma das
pernas, o senador dirigiu-se ao General, lembrando ocorrências de 1831, quando
o nomeara Major do Corpo de Permanentes: “O sr. é moço, aprenda no que está
vendo, o que são as vicissitudes do mundo. Naquele tempo, eu dava acessos ao
sr. Lima e Silva, hoje vem ele prender o velho Feijó, já moribundo.”. Caxias
retrucou, na mesma moeda: “Sou soldado e cumpro ordens do Governo, ordens
iguais às que me deu o sr. Feijó quando era Ministro da Justiça: varrer os
revoltosos a ferro e fogo e prender os cabeças da revolta.”.
Os
fatos que se sucederam à prisão de Feijó não trazem divergências históricas
relevantes. Uns afirmam a prisão “sob palavra” do senador no Quartel General;
outros de sua permanência na casa onde
se encontrava, sob as ordens do então General e barão de Caxias: “O Feijó
continua guardado...visitas me tem feito” (em carta, Caxias ao barão de Monte
Alegre). Depois do exílio imposto no Espírito Santo, o
senador Feijó retornou à tribuna do Senado, onde fez a sua defesa.
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