22/04/2014

Lambe-lambe



O Fotógrafo Lambe-lambe

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


O estranho chegou quase despercebido na cidade. Era o dia da feira local e de muita movimentação. Não podia perder tempo. Procurou um local na pracinha perto da igreja e tratou de arrumar o seu estranho equipamento, sem chamar muita atenção. Prudência desnecessária, pois vocês sabem como é cidade pequena do interior.
Encaixou e prendeu bem firme, em cima de três ripas de pau pintado, uma caixa grande de madeira envernizada. Depois, abriu uma janelinha na parte da frente, de onde puxou um fole preto que parecia uma sanfona.
As pessoas logo começaram a chegar, curiosas. Muitos pensavam que ele iria cantar, mas da tal caixa não saía música nenhuma. Nem podia, era um lambe-lambe.
Depois de posicionar o artefato, debruçou-se sobre a tal caixa e passou a mexer nela com cuidado. Em seguida, desceu sobre a sua cabeça e as costas um pano preto, velho e empoeirado.
A essa altura, já estava rodeado de pessoas atentas, que se entreolhavam e perguntavam: O que isso faz?... O que é isso?
Ele apenas sorria e fazia sinais com a mão, pedindo para aguardarem um pouco. Logo depois disse, em alto e bom tom: Sou Anacreto, o fotógrafo - e passou a distribuir uns papeizinhos coloridos, com umas coisas impressas e algumas figuras de pessoas bem arrumadas. Claro, tudo em preto e branco.
O povo ficou encantado, e pediu para ele demonstrar o que fazia. Foi jogo rápido.
Mandou umas pessoas se agruparem num dos canteiros da praça e pediu para fazerem pose para bater um “instantâneo”. Mas avisou: não podem se mexer na hora. Foi um tal de se ajeitar, pentear cabelo e bigode, ajeitar chapéu... todos queriam sair bem e preparavam a pose.
Depois de tudo em posição, o fotógrafo enfiou novamente a cabeça no pano preto, fez sinal para que as pessoas não se mexessem e pediu para outras pessoas se afastarem do local onde estavam os que iriam ser fotografados.
Não se ouvia um barulho no lugar. De repente, um clarão forte saiu de um objeto que o fotógrafo segurava na mão esquerda.
Todo mundo ficou meio aturdido com o estampido e a claridade que se formou, seguida de uma fumaça branca.
A essa altura a praça já estava cheia, e os soldados do destacamento observavam tudo da esquina do mercado. Uma pequena fila se formou, pois muitas pessoas queriam tirar suas fotografias.
Depois de uma rápida sessão, ele saiu com seu equipamento para a casa de Dona Janoca, em busca de um quartinho escuro, no quintal, onde iria revelar as chapas batidas na praça. Depois da revelação, ele emoldurava as estampas em cartolina cinza com janelas de papel de seda, o que encantava os clientes que aguardavam ansiosos.
Na semana seguinte, alugou uma casa na rua principal, perto da igreja, e passou a fazer seu trabalho com muito carinho. A partir daí estava presente em tudo que era batizado, casamento, aniversário, primeira comunhão e festas de colégio.
E garantia... suas fotos não amarelavam com o tempo. Não lhe faltava serviço durante o ano todo.


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