31/12/2019



Plano infalível
É muito comum, nesta época de virada de ano, planejarmos o futuro. E somos quase todos como aquele cara de “A vida é dura”, na voz do nosso Benito di Paula (1941-), que “inventa sempre um plano infalível o tempo inteiro/Só pensa em rios de dinheiro/Mas, quando chega a hora de fazer o que ele quer [leia-se o final do ano seguinte]/É com a mesada da mulher”. Eu mesmo já tenho meus planos para 2020: lançar um livro, terminar outro, montar um blog e, disparadamente o mais importante, sair de um bocado de grupos de WhatsApp.
Não resta dúvida de que planejar nossas vidas é bom, sobretudo quando isso vai além da mera definição de metas – como nos casos jocosos acima, o da música e o meu –, mensurando-se também a realidade, estabelecendo-se um plano de ação, acompanhando-se os resultados etc.
Mas será que temos um real controle sobre nossas vidas e o nosso futuro? Será que esse “planejamento” funciona mesmo? E sempre? É claro que planejar ajuda, mas hoje estou cada vez mais certo de que o acaso, para o bem ou para o mal, tem um papel crucial nas nossas vidas.
Outro dia – aliás, por mero acaso – dei de cara com dois pensadores e suas respectivas teorias, que, transpostas e reinterpretadas do plano para o qual foram desenhadas para o nosso cotidiano, explicam bem o que quero dizer.
Um deles é Nassim Nicholas Taleb (1960-), libanês, mais economista que filósofo, com a sua “A lógica do cisne negro” (2007). Para Taleb, por mais que pensemos o mundo como um lugar ordenado, a frequência com que eventos inesperados se dão nos mostra que não sabemos a verdadeira causa das coisas. Inspirado em David Hume (1711-1776) e no problema da indução, Taleb define o “cisne negro” como um evento insuspeitado, que se dá contra todas as expectativas, e que tem um enorme impacto na história e na vida das pessoas. Segundo ele, a história da humanidade foi forjada por grandes eventos inesperados.
O outro é o esloveno Slavoj Zizek (1949-). Nascido na pequena Liubliana, à época pertencente à Iugoslávia comunista, Zizek publicou um livro denominado “Acontecimento” (2017), no qual ele indaga se somos mesmo senhores do nosso destino, sobretudo num mundo tão dinâmico como o atual. Ele entende que não, tendo no “acontecimento” – esse termo/conceito novo, que significa uma ruptura social radical, uma crença religiosa, uma experiência emocional e por aí vai, que abala a vida comum, fazendo com que nada permaneça igual, mesmo que não nos apercebamos disso – a explicação para tanto.
Dou dois exemplos de “acontecimentos” recentes para ilustrar o que exponho. Um deles é a morte inusitada do apresentador Gugu Liberato (1959-2019). Tudo ia muito bem com ele e a família. Fama e dinheiro. Um dia qualquer, a queda. E tudo muda para aquela família. O outro é a final da Copa Libertadores entre Flamengo e River Plate. Jogo ganho para os argentinos. Como planejado. No fim, três minutos e dois gols mudaram a história dos clubes e de seus jogadores. Dos vencedores, com certeza, para melhor; já a dos perdedores, não podemos dizer o mesmo.
Bom, de minha parte, quanto aos meus planos para 2020, sei que as coisas podem dar errado. Pode aparecer um “cisne negro”. E não tenho como vencer o “acontecimento”. Só não posso falhar com a saída dos grupos de WhatsApp. Aqui, para a minha própria saúde mental, o plano há de ser infalível.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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