23/08/2019




Os Tapuios, etnia ou designação?
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, com extensão em sociologia e história. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Volte e meia, historiadores de todos os níveis voltam a citar a existência dos índios tapuios (tapuyos, tapuias etc.) como se etnias fossem. Há muita confusão, desinformação e desatenção sobre o assunto. O termo tem sido empregado de forma bastante livre e sem muita preocupação com o seu verdadeiro significado.
Devido ao grande número de línguas e dialetos falados pelos indígenas do Brasil, as autoridades de governo, os chamados viajantes estrangeiros e mesmo alguns historiadores cometeram muitos erros na classificação étnica ou mesmo de agrupamento dos nativos. Um dos mais comuns foi o reconhecimento dos chamados tapuios ou tapuias, como sendo uma nação, uma tribo ou um grupo de silvícolas, cujos membros estivessem ocasionalmente fixados em um dado território, e fossem ligados por laços históricos, culturais, econômicos e/ou linguísticos.
Gabriel Soares de Sousa cometeu esse erro já em 1587: “Os Tapuias são tantos e estão divididos em bandos, costumes e linguagem [...]. São esses Tapuias grandes flecheiros, assim para a caça como para seus contrários, e são muito ligeiros e grandes corredores, e grandes homens de pelejarem em campo descoberto, mas poucos amigos de abalroar cercas [...]. São os Tapuias contrários de todas as outras nações de gentio”.
Lima Figueiredo (1939), repetiu esse erro em 1939, quando em seu estudo sobre os indígenas do Brasil afirma que: “Não muito afastado do litoral vivem os Tapuias. [...] As tribos do leste estavam em estado de barbárie absoluta. [...] Viviam como verdadeiras feras, em luta continua pelo alimento diário, que era constituído pelas frutas silvestres e a carne crua. A agricultura não havia entrado em suas cogitações. Já as tribos ocidentais [...] possuíam alguma cultura. [...] De um modo geral podemos dividir os íncolas que estudamos em dois ramos: m oriental, compreendendo os botocudos e os aimorés, e outro acidental, abrangendo os suiás, os caiapós, os xavantes e os coroados”.
Entretanto é de longa data o entendimento correto. Em 1627, o Frei Vicente do Salvador, descrevendo os índios da então colônia portuguesa, diz: “O que de presente vemos é que todos são de cor castanha e sem barba, e só se distinguem em serem uns mais bárbaros que outros (posto que são assaz). Os mais bárbaros se chamam in genere Tapuias, dos quais há muitas castas de diversos nomes, diversas línguas, e inimigos uns dos outros. Os menos bárbaros, que por isso se chamavam Apuabetó, que quer dizer homens verdadeiros, posto que também são de diversas nações e nomes”.
            Varnhagen também nega a existência de uma nação ou tribo Tapuia com uma posição mais acadêmica. Afirma que: “Um nome geral havia, com que cada grêmio designava todos os outros que lhes era absolutamente estranho, o de Bárbaro, ou na língua geral Tapui. Daí a ideia dos primeiros colonos, transmitida pelos escritores, e ainda ultimamente por alguns acreditada, da existência de uma grade nação Tapuia; quando os índios chamavam Tapuias os brancos europeus que não eram seus aliados. [...] Os índios do Maranhão assim chamavam aos ingleses...”
O termo Tapuio não é expressão designativa de uma etnia. É tão somente “Um vocábulo de origem tupi, corruptela de tapuy-ú – o gênio bárbaro come, onde vive o gentio. [...] É um dos termos de significação mais vária [diversificada] no Brasil. No Brasil pré-cabraliano assim chamavam os tupis aos gentios inimigos, que, em geral, viviam no interior, na Tapuirama ou Tapuiretama – a região dos bárbaros ou dos tapuias”.
            Hoje ainda há grupos indígenas conhecidos como tapuias. Há nativos conhecidos como Tapuias no Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás e Pará. São elementos de etnias diferentes, de diversas cores e de costumes vários, que a convivência entre si fez esquecer suas verdadeiras origens e que se dão o nome tapuios.

Tribuna do Norte. Natal, 22 ago. 2019.

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