11/08/2019


MÃE  DE  LEITE – Berilo de Castro



MÃE  DE  LEITE –
Na década de 1960, o bairro das Rocas se caracterizou como o grande celeiro de craques do futebol potiguar.
Tinha como palco de ação o seu centenário campo de futebol “Estádio João Câmara”.
O bairro disputava um organizado e eficiente campeonato, no qual se destacavam dois grandes clubes, formadores de craques, o Palmeiras e o Racing Futebol Clube.
Nos domingos à tarde o enfrentamento dessas duas briosas equipes levava o bairro à loucura. Era uma alegria contagiante, que chegava em certo momento a adiar jogos oficiais do campeonato da primeira divisão, disputado no Estádio Juvenal Lamartine.
Uma figura fez parte desse cenário. Embora não tenha sido um craque, fez história e imortalizou-se no bairro como um forte aliado do futebol, exímio compositor de sambas enredo; componente e vibrante participante de  Escolas de Sambas do bairro; e, do seu jeito todo especial de levar a vida, com  malemolência.
Um biotipo de pele morena, estatura mediana, aceitável porte atlético, bigode bem tratado, sorriso perene de bom sambista. De hábito cortês, de conversa mansa e de fácil convencimento. Defendeu as cores rubro-negras do Clube Atlético Potiguar (CAP), capitaneado pelo inesquecível João Machado.
Contam, os seus companheiros de equipe, que o atleta-sambista não era muito chegado ao cumprimento de ofício; chegava atrasado nos jogos, sempre com desculpas que envolviam problemas de doença familiar.
Na época, ocupava a presidência do CAP Brígido Ferreira, proprietário de frigorífico situado na margem do rio Potengi, cria de João Machado. Figura simpática, super educado e muito atencioso para com seus comandados.
Nunca se negou a ouvir os queixumes do suplicante, que  sempre se justificava de suas exageradas esbórnias, de sua presença constante e participativa nas rodas de samba do bairro das Rocas, aos problemas de doenças com a família.
A  história sempre se repetia, chegando a “matar” o pai por três vezes. Mesmo assim, sempre era escutado e atendido, levando ainda um dinheirinho para fazer frente às despesas do fingido funeral.
Uma trégua foi dada pelo mestre. Até que surgiu uma nova investida, agora alegando a morte da mãe.
Puxa, meu craque! Esbravejou o Presidente Brígido:
— Você já matou três vezes o seu pai; tudo bem, você pode até não saber quem foi seu verdadeiro pai; mas, mãe, a gente só tem uma! Inventa outra, essa não pega!
— Meu bom presidente, é que, na verdade, eu tenho três mães: a minha mãe verdadeira, a minha de criação, todas já falecidas, só que agora presidente, perdi a minha terceira e querida mãe, a de leite. É muito sofrimento para uma pessoa só! Me ajude, presidente!
O presidente não aguentou, abriu um vasto e amplo sorriso, e lhe passou, mais uma vez, uma doação em dinheiro para cobrir as despesas com a fementida história do funeral da sua querida mãe de leite.
O protagonista: Lucarino Roberto de Souza, o Mestre LUCARINO (1935-1994).



Berilo de Castro – Médico e Escritor –  berilodecastro@hotmail.com.br
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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