17/06/2014



A viagem de Leão Veloso (I)

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
 
 
Havia, no Rio Grande do Norte, um jornal chamado “O Recreio”, e foi nele que Francisco Othílio Álvares da Silva, secretário de governo desta Província, escreveu um relato da viagem que fez o Presidente da mesma, Pedro Leão Veloso, no ano de 1861, em 44 dias. Foi das 13 edições, digitalizadas pela Biblioteca Nacional, que extraímos alguns trechos do Relatório de Viagem, para recompor esse relato.

Ás quatro horas da tarde do dia 11 embarcamos para o Morro, aonde chegamos às noves da noite. 

Principiaram dali os nossos maiores incômodos de viagem, porque, depois de andarmos de Herodes para Pilatos seguramente uma hora, procurando uma casa onde mais comodamente pernoitássemos, fomos por fim obrigados, em desconto dos nossos pecados, a ir dar com os ossos em um grande e imundo telheiro, que constitui a tão falada Fazenda do Morro: porém que a meu ver mais parece um asilo de cascavéis e jararacas do que habitação de homens! E era a residência de um Comandante Superior!

Ali e pela primeira vez deu sua Excelência exuberante provas de um verdadeiro viajante, não se mostrando enfadado por aquela péssima pousada, e acomodando-se com a refeição que de momento se preparou, já às 11 horas da noite.
Ás 9 do dia 12 chegaram os cavalos que se tinham mandado vir do Assú para nossa viagem e às 4 da tarde para ali partimos.

Ás 7 da noite chegamos ao Poço Verde, Fazenda do senhor Francisco Lins Wanderley, que hospedou-nos como era para esperar e desejar, passando ali a noite, e saindo para o Assú no dia seguinte pela manhã muito cedo.

O senhor coronel Manoel Lins Wanderley foi encarregado de nos hospedar, e louvores lhe sejam dados porque tratou-nos maravilhosamente. Eis-me, pois, na cidade do Assú, de que tão vantajosamente sempre ouvia falar. Em verdade a sua localidade é bela, e a edificação, que de presente está amortecida, revela algum gosto. Situada ao norte do rio do mesmo nome, em cujas férteis margens se fazem muitas e variadas plantações, ela oferece mais amplos recursos para a comodidade da vida, do que outros lugares, de que falarei adiante. Na tarde do dia 16, o excelentíssimo senhor Presidente, a convite de algumas pessoas, deu um passeio ao Piató, e visitou o cemitério. 

Disposta as cousas para a nossa viagem, partimos para o Acary no dia 17, às 4 horas da tarde, acompanhando-nos até a distância de 2 léguas as principais pessoas do lugar. 

Nesse trajeto, que na opinião de muitos consta de 28 léguas de excelente caminho, mas que pela minha tabela são 32, e boas, gastamos dois dias e meio, descansando nós e pernoitando em diversas fazendas.

Por aqueles lugares a ignorância ainda grassa admiravelmente, e tanto é isto uma verdade, que em um deles a – Divisão- onde estivemos uma manhã, um sujeito ouvindo falar no doutor engenheiro, dirigiu-se a mim e perguntou-me quais eram as mágicas que ele fazia.

Ás 8 horas da noite do dia 19 chegamos ao Acari já bem maçados, encontrando ao entrar da rua o Senhor Vigário Thomaz Pereira de Araújo, que sendo avisado já às 6 horas que sua Excelência para ali se dirigia, ia ao seu encontro em companhia de dois homens. A sua casa foi destinada para nossa hospedagem.

 Sem pretender ofender o melindre das pessoas que obsequiaram ao excelentíssimo Presidente e sua comitiva nesta viagem, forçoso é confessar que a jovialidade, franqueza, e maneiras delicadas com que nos tratou o Sr. Vigário Thomaz, conquistaram os nossas puras simpatias, o nosso sincero reconhecimento.

Enganei-me completamente no juízo que fazia da Vila do Acary, supondo ser de péssima edificação; mas não: contém 92 casas, sendo bem sofrível a maior parte delas. Notei, porém, que muitas estivessem fechadas, mas deram-me a razão disso que é – morarem os donos em suas fazendas ao redor da Vila, nas distancias de 2,3,4 e 5 léguas.

Uma matriz de grandes dimensões se está ali construindo, a qual, sendo concluída pelo modo por que deseja o Reverendo Vigário, será incontestavelmente uma das melhores da Província.

No dia 21 ás quatro horas da tarde já íamos no caminho da Vila do Jardim. Apesar, porém, do vagar com que caminhava o sendeiro, sempre às 8 horas da noite estávamos na Vila. Apeiei-me e entrei na casa destinada para nossa pousada, a do Sr. Manoel Ildefonso de Oliveira e Azevedo.

Aquela Vila que presentemente conta 36 casas de boa construção, pode ser um dos lugares importantes do centro, em razão do comércio que entretém com o Ceará e Paraíba.

Em a noite desse mesmo dia, a pedido do Sr. João Carlos, que tinha algumas relações na casa, duas filhas do Sr. Ildefonso nos deram a honra de ouvi-las por algumas horas, tocando algumas peças de difícil execução e cantando varias modinhas de gosto.

Ao término deste 1º artigo fazemos algumas observações: O comandante superior, de que fala Francisco Othílio, era Jerônimo Cabral Pereira de Macedo, dono da Fazenda Morro, falecido em 1860; Manoel Ildefonso era o bisavô do professor Max Cunha de Azevedo; O padre Thomaz Pereira de Araújo era neto pela parte materna do presidente que foi da nossa província, Thomaz de Araújo Pereira (3º do nome). O padre fez uma escritura de perfilhação, em 1869, onde reconheceu seus seis filhos que teve com mulheres solteiras, faleceu em 1893; Manoel Lins Wanderley era o pai da Baronesa de Serra Branca.




O Presidente do INSTITUTO NORTE-RIOGRANDENSE DE GENEALOGIA, escritor Ormuz Barbalho Simonetti,  CONVOCOU uma reunião para a próxima QUARTA-FEIRA, DIA 18 DE JUNHO NO ANEXO DO IHGRN (Memorial Oriano de Almeida), pelas 15:00 horas para tratar de assuntos importantes, quais sejam:

 
a)      Eleições para a nova Diretoria e Conselho Fiscal até o dia 29 de AGOSTO próximo vindouro, para dar tempo à posse no dia 17 de setembro para preenchimento das vagas de: Presidente, Vice-Presidente, Secretário, Tesoureiro, Conselho Fiscal (3) e um Suplente do mesmo Conselho (mandato de 2 anos), que serão realizadas em Natal;
b)     pelo nosso :Estatuto, “São deveres dos sócios (art. 8º), cumprir as disposições estatutárias; satisfazer as contribuições financeiras, etc.”, para o que informamos a nossa Conta no Banco do Brasil S/A - Ag. 1588-1 e conta corrente nº 909090-8 e o valor da anuidade de R$ 120,00;
c) para organizar nossas finanças e por ser obrigação estatutária, precisamos decidir até quando devem se exigir a adimplência, pois anteriormente foi decidido anistiar todos os débitos até 2010. Ficando exigíveis as anuidades de 2011 e 2012, totalizando R$ 240,00;
d) sem a prova da adimplência o sócio efetivo NÃO PODE VOTAR NEM SER VOTADO;
e) para se realizar o pleito existem obrigações de publicação de avisos na imprensa e nós não temos caixa para tal encargo;
f) conferir os nossos registros para o levantamento dos sócios inscritos. Para ser considerado sócio o interessado deve ser admitido na forma do art. 5º do Estatuto, isto é, aprovado pela Diretoria, sem o que não será considerado sócio;
g) os membros eleitos só podem ser reeleitos para o mesmo cargo, somente uma vez e pelo mesmo prazo de 2 anos;
h) será designada uma Comissão Eleitoral que editará as normas e as datas, inclusive a forma de voto por correspondência e pela via eletrônica e internet;
i) as chapas terão que apresentar candidatos para TODOS OS CARGOS.
Com a definição desses assuntos será aprazada uma Assembleia Geral, cuja data definitiva será oportunamente anunciada.
 

15/06/2014


O jazigo do capitão J. da Penha 

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

Este ano já completou cem anos que o capitão J. da Penha faleceu, vítima de bandido de aluguel, lá em Miguel Calmon, no Ceará.
Estive em Fortaleza, e no dia 10 de junho fui visitar o cemitério, na companhia de meu primo Luciano Klein, em busca do túmulo onde está enterrado o capitão. Pensávamos encontrar uma edificação mais condizente com a importância que que J. da Penha representou para o Ceará, pois estudou lá na Escola Militar, serviu por um bom tempo a esse Estado e era seu deputado estadual quando foi assassinado.
Infelizmente, nem a família cuidou do seu jazigo, como se pode ver das fotos a seguir.

14/06/2014

O futebol no passado







Ao integrar o time do Bangu, em 1904, Carregal (com a bola) tornou-se o primeiro jogador negro a disputar uma partida oficial no Brasil
Foto: Reprodução 
foto tirada da internet, sem pertinência com o artigo
 


1911 – Um jogo de football em Natal

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Quando chegamos ao terreno quase plano, em Petrópolis, já encontramos uma pequena multidão, inclusive senhoras da sociedade natalense, com seus vestidos largos, chapéus e coloridas sombrinhas parisienses.
Nós não fazíamos a menor noção do que era uma partida de football, esporte recém-chegado ao Brasil, procedente da Europa. Vimos dois grandes retângulos desenhados no chão, que nos apresentaram como sendo o campo de jogo. Eram mais ou menos nivelados e de tamanhos aproximados.
Em cada extremo do terreno havia uma enorme trava de madeira – duas peças em paralelo e unidas por outra, pregada perpendicularmente.
As duas equipes de jogadores já estavam no local – cada uma de um lado do tal campo. Os jogadores vestiam calções apertados até os joelhos e usavam camisas coloridas – cada grupo com sua cor, sendo um de azul e branco, e o outro de vermelho.
Um esférico foi colocado no centro do campo e, a partir do sinal, dado por um homem que comandava tudo, deram início a partida. Ainda não entendíamos absolutamente nada.
Os jogadores de ambos os times corriam para cima da bola, e, aos pontapés, tentavam fazer com que o esférico chegasse à trave adversária. Corriam loucamente pelo campo, diante dos olhares entusiasmados dos espectadores, que, atentos, não perdiam um só detalhe.
Logo percebemos que as regras do jogo eram bastante simples. Só os dois homens que se encontravam nas traves poderiam pegar a bola com as mãos – os outros apenas podiam dar pontapés.
Vez ou outra, algum deles ficava zangado, gritava, gesticulava e até empurrava. Às vezes, o jogo parava e até alguns espectadores entravam no campo para participar da discussão. Depois que a paz se restabelecia, o jogo recomeçava.
A certa altura do jogo, a bola saiu do campo. Um dos espectadores pegou e devolveu a bola. A partida foi imediatamente reiniciada.
A multidão soltava um “aaah”! sempre que havia  um chute em direção a uma das traves. Apesar dos esforços dos homens que ficavam de guarda nas traves, às vezes, a bola conseguia vencer essa defesa e marcar um gol. O povo enlouquecia – gritava, pulava, abraçava-se. Quem não gostava era o time que tinha sofrido o gol e caía num silêncio profundo. Os seus torcedores adotavam o mesmo comportamento.
Em determinado momento foi marcado uma espécie de penalidade contra um dos times, o que levou os espectadores a entrarem no campo, e pedir explicações ao homem que comandava o jogo. Pela intensidade das exclamações, logo percebemos que um dos times era o favorito da maioria dos torcedores.
No final da partida, a pequena multidão se dispersou, em meio a alegres comentários. Pelo que notamos, o football viera mesmo para virar paixão entre os natalenses.

13/06/2014

Domingos da Rocha e D. Josefa Maria


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
 

No artigo sobre o Ajudante Alexandre de Mello Pinto apresentamos D. Josefa Maria de Jesus como filha natural de Brázia Tavares da Fonseca, mas que em um batismo é dada como filha de Alexandre.

Seu marido, Domingos da Rocha, era filho do capitão Domingos Dias e de sua mulher Antonia Borges. Dos seus filhos só localizamos dois: Antonio Dias Ribeiro e Alexandre Borges da Fonseca, que seguem, através dos assentamentos de praças e casamentos.

Antonio Dias Ribeiro, filho de Domingos da Rocha, natural desta cidade, de idade de quatorze anos, de estatura pequena, rosto algum tanto redondo, alvo, olhos grandes pardos e rasgados, testa larga de cantos, nariz mediano, boca algum tanto rasgada, com todos os dentes, a cabeça grande, o cabelo acastanhado e estirado, senta praça por despacho do capitão-mor desta capitania Joaquim Felix de Lima e intercessão do Vedor Geral Doutor Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, por sua vontade, em seis de maio de 1772 anos, e vence de soldo e farda, como os mais, e uma quarta de farinha de dez em dez dias. Passou a cabo de esquadra em 24 de março de 1781.

Alexandre Borges da Fonseca, solteiro, filho legítimo de Domingos da Rocha, natural de Goianinha, de idade de dezesseis anos, pouco mais ou menos, de estatura baixa, cheio de corpo, rosto quase redondo, cor alva, com buço, sem ponta de barba, boca pequena, nariz ordinário, sem falta de dentes, olhos pardos, testa de cantos, cabelos acastanhados e corredios, senta praça voluntário, por portaria dos senhores capitães-mores interinos, José Baptista Freyre, e José Pedro de Vasconcellos, e intercessão  do Vedor Geral, o Doutor Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, em 22 de dezembro de 1779, e vence de soldo e farda por mês, dois mil e quatrocentos reis e uma quarta de farinha de dez em  dez dias.

O registro de batismo de Alexandre está muito estragado, mas deu para tirar algumas informações; Ele nasceu por volta de 1761, e teve como padrinhos o Ajudante Alexandre de Mello Pinto e esposa Brázia Tavares da Fonseca. 

Do registro de casamento anotamos que: em primeiro de novembro de mil setecentos e oitenta e três, na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, na presença do padre Francisco de Souza Nunes, e das testemunhas, sargento José da Costa Pereira e o cabo de esquadra Antonio Dias Ribeiro (irmão do nubente), moradores nesta cidade, se receberam por palavras de presente Alexandre Borges da Fonseca, filho legítimo de Domingos da Rocha (Ribeiro) e de sua mulher Josefa Maria (de Jesus), já defunta, com Anna Caetana de Jesus, exposta em casa de Francisco Pinheiro, no Jundiaí.

De Antonio Dias Ribeiro, só encontramos o segundo casamento, do qual extraímos o que segue: Aos dez de novembro de mil oitocentos e um, na capela de São Gonçalo do Potigi (sempre do Potengi, nunca do Amarante), em presença do Padre Antonio Pedro de Alcântara, de minha licença, e sendo presentes por testemunhas o alferes João Pedro de Sá Bezerra e o alferes Paschoal Gomes de Lima, ambos brancos, casados e moradores nesta Freguesia, se casaram em face da Igreja, Antonio Dias (Ribeiro), branco, viúvo que ficou de Águida Maria, falecida nesta Freguesia, com Luiza Figueira da Costa, branca, filha legítima de Antonio José de Lemos, e sua mulher D. Anna Maria Bezerra, já falecida. Feliciano José Dornelles.

Aos dezesseis de janeiro do ano de mil oitocentos e sete, faleceu Luiza Figueira, casada com Antonio Dias Ribeiro, moradores na Guanduba, desta freguesia, de idade de quarenta e cinco anos, pouco mais ou menos, foi sepultada na capela de São Gonçalo, e encomendada, de minha licença, pelo Padre Antonio Pedro de Alcântara, Feliciano José Dornelles.
As idades que constavam nos registros de óbitos ou assentamentos de praça nem sempre eram verdadeiras. Era comum expressões como: “que parecia ter” e “que dizia ter”.

Dona Luiza, na verdade, nasceu aos dezoito de janeiro de 1768, e foi batizada, na Matriz de São Miguel, e Nossa Senhora dos Prazeres da Vila de Extremoz, aos vinte três de março do mesmo ano, sendo seus padrinhos José de Araújo (Pereira), e Dona Thereza de Jesus, filha de Prudente de Sá. Seu pai era natural de Porto Calvo. Eram seus avós paternos Roque Jacinto de Lemos, natural de Lisboa, da Freguesia de São Julião, e de Luiza Figueira, natural de Porto Calvo, e pela materna de Hipólito de Sá Bezerra, natural da Vila de Vianna, e de Dona Joanna Bezerra de Albuquerque.

Esse José de Araújo Pereira era irmão dos meus pentavós Thomaz de Araújo Pereira (2º) e João Damasceno Pereira. A esposa dele, Helena Barbosa de Albuquerque, era irmã de Anna Maria Bezerra, mãe de Luiza.
assento de praça de Antonio Dias Ribeiro

                       Folclore não é só Alegria e em Agosto Não!
(*) Gutenberg Costa


            O dia internacional do folclore comemora-se em 22 de agosto. A palavra Folk-Lore foi criada a partir de um artigo do arqueólogo inglês Willian John Thommes, no ano de 1856, em que o mesmo reuniu tudo o que era ligado às tradições e costumes do povo com esta denominação: Folk-Lore – Folk (Povo) e Lore (Saber).

Cultura do povo e artista do povo! Umbilicalmente ligados e sabe-se muito bem que o artista popular come todos os dias e não vive só de sua arte. Ele adoece e sua panela de vez em quando fica vazia. E o folclore se vive todo santo dia, quer queiram ou não as ditas autoridades!

            No Rio Grande do Norte o folclore tem como maior representação o nome do mestre Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), que entre outras importantes obras, deixou-nos o conhecido internacionalmente: Dicionário do Folclore Brasileiro, que esse ano completa 60 anos de sua publicação.

            Além do mestre Cascudo, outros nomes potiguares também tiveram destaques, como Veríssimo de Melo, Gumercindo Saraiva, Raimundo Nonato, Hélio Galvão, Oswaldo de Souza, Manoel Rodrigues de Melo, Oswaldo Lamartine, Oswaldo de Souza, Vingt - Un Rosado, Getúlio Araújo, Deífilo Gurgel, Raimundo Soares de Brito, Miriam Gurgel Maia, Lauro da Escóssia e Celso da Silveira, entre outros defensores das nossas tradições... E o Estado do RN, desde o final do ano passado, é orgulho nacional na pessoa do nosso folclorista Severino Vicente, que assumiu a presidência da Comissão Nacional de Folclore. O primeiro potiguar desde o ano de 1948.

Desde que o citado arqueólogo denominou de ‘folclore’, tudo que era relacionado à tradição, foi então criada à ciência da ‘folclorística’. Estudo sério que é respeitado pelos folcloristas ou folclorólogos, como alguns assim chamam esses estudiosos que teimam em brigar pela cultura do nosso povo. O estudioso da cultura popular não pode viver fechado em gabinetes. Agarrados ao contra cheque e de reuniões no ar condicionado. Longe dos fazeres e saberes dos mestres e mestras. E quem diabo sabe o que é um Grió, lá na feira de Pendências? Mestres sempre serão mestres!

E folclorista não existe sem sentir as alegrias e lamentos de seus mestres e para isto é necessário adentrar em seus casebres e terreiros. Além de ver a panela vazia do artista popular de perto, o folclorista é aquele que pesquisa, coleta, estuda, interpreta, compara, compra livros e de vez em quando publica o resultado de seus estudos e pesquisas em livros, revistas e jornais. O mesmo participa de encontros, seminários, simpósios, congressos. É um estudioso atualizado e principalmente tem que ler muito, já que o assunto é muito vasto e não se aprende em Universidades. Gasta-se muito e ganha-se pouco, pois não é uma área de investimentos como outras que as pessoas seguem recomendadas pelo capitalismo globalizante vigente e exigido. É antes de tudo, uma área de amor e paixão. Quem entra não saí e quem sai é por que nunca o seria em sua essência!  Não conheço folclorista rico com o fruto de seu trabalho cultural, nem sem uma boa biblioteca em sua casa também cheia de bugigangas. Dinheiro não se junta, mais geralmente se morre velho e rodeado de boas amizades, lembranças e geniais ensinamentos. Não conheço politico folclorista, nem muito menos folclorista fanático partidário.

Nós folcloristas, preferimos viver uma vida simples, sem apego ao contracheque e ao poder temporário e deslumbrante. Não vendemos a alma ao diabo, para fazer parte do poder politico. Rezamos na cartilha do filósofo espanhol ‘Calderon de La Barca’: - “Ao rei tudo, menos a honra”. Folclorista tem que ser teimoso e independente, se não o mesmo não sai de casa! A minha temática de pesquisa e preferência é mais centrada nos apelidos, tipos populares, cordel, xilogravura, religiosidade, oralidade popular, festejos juninos, festas tradicionais e carnaval.

O estudo do folclore é muito complexo diante de sua dimensão, mas é apaixonante em inúmeros aspectos. A tal ‘depressão’ e o tal do ‘stress’ fogem de folclorista, feito o diabo da cruz! Folclorista vai frequentemente as feiras e mercados. Conversa com o povo e deste aprende muita sabedoria. Gosta de música regional e de boa qualidade, festa popular, toma café em choupanas nos sítios e adora comida típica. Apreciam as conversas de barbearias, farmácias e calçadas do sertão. São espirituosos, simples e humildes.

São pessoas respeitosas com as crenças e saberes do povo. Homens e mulheres desgarrados de preconceitos e medos. Gostam de viajar e muitos apreciam uma boa pinga que ninguém é de ferro. Raridade entre nós, foi o mestre Deífilo Gurgel que nunca provou da boa ´água que passarinho não bebe’. Chegando à Goiânia/GO, na casa do folclorista e amigo Barianni Ortêncio, logo fui ‘batizado’ com uma sua cachaça acompanhada de - cajuzinho azedo e paçoca: “Bão, agora o irmão tá batizado no folclore goiano!”.

Não conheci ainda folclorista orgulhoso, rico e ateu. O mesmo pesquisa seriamente num terreiro de Umbanda, como do mesmo modo vai a uma Igreja Católica, Evangélica ou Kardecista. Também entra com altivez em um palácio governante do mesmo jeito que se senta num tamborete em baixo de uma latada para ouvir os ensinamentos de um sábio mestre sem diploma universitário. O folclorista é educado e diplomático, mas ao mesmo tempo é uma pessoa briguenta na defesa da cultura popular e não admite injustiça contra os artistas mais humildes que fazem parte deste riquíssimo universo.

Geralmente não se filiam a partidos políticos para não serem submissos ideologicamente. Podem ser considerados reacionários, chatos, conservadores e ultrapassados por aqueles que defendem uma ‘cultura’ que não é a nossa... E como já dizia o nosso saudoso compositor potiguar ‘Elino Julião’: - “Na minha rede não”!

            E diante do exposto, aconselho aos jovens que querem entrar na área do folclore, que estudem muito antropologia cultural, social, história, geografia, sociologia... Vão a campo e pesquisem meus jovens. Anotem, gravem, coletem e publiquem. Mas antes de tudo, esqueçam fama e dinheiro! E agora que já conversei muito, digo-lhes relembrando, como alegremente ‘despachava’ os seus visitantes, o mestre Cascudo: ‘E querem mesmo ser folcloristas’? ‘Mesmo com todos os sacrifícios e sem riquezas’? ‘Ou vão preferir o conforto e aceitar certos submissos Cargos Comissionados’? ‘E se assim quiserem essa segunda opção, vão baixar em outros terreiros’?

E finalizo lembrando-os duas coisas: Não vi ainda uma plaquinha na entrada de Natal para avisar aos turistas da Copa que aqui alguns conterrâneos ainda orgulham-se do genial Luiz da Câmara Cascudo. E que o folclore não é só alegria não, como também não se pode só lembra-lo em agosto não!

(*) É presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore

12/06/2014



O CAPITALISMO EM SÃO PAULO SEISCENTISTA

Por: Gileno Guanabara, sócio do IHGRN

Ao fim do século XVI, as atividades de um inglês que residiu em Santos constam da coletânea Navigations, Voyages, Traffiques and Discoveries if the English Nation, publicada naquele século por Richard Hakluyt, republicada em Edimburgo (1890). De pronúncia nada fácil para os contemporâneos, John Whital, o seu nome originário, passou a João Leitão, como se tornou conhecido na Baixada Santista.

            No registro da coletânea revela-se a realidade seiscentista do Brasil, haja vista reproduzir a carta que João Leitão escreveu a um amigo residente em Londres, em junho de 1587. Por ela, sabe-se que a Capitania de São Vicente - que o autor diz ser muito saudável quase sem doenças - acolhia ingleses e italianos dedicados ao comércio e a agricultura. Ou a presença de padres vicentinos que descobriram uma mina de ouro, no monte do Jaraguá, nos atuais limites da cidade de São Paulo. Naquela época, o porto de Santos se dedicava a exportar índios para o Peru e enviar açúcar para a Inglaterra, de onde os negociantes recebiam em troca tecidos e ferragens.

 A carta de João Leitão faz revelações sobre o seu casamento: Tive o ensejo de escolher esposa entre quatro moças dignas. Acabei comprometendo-me com um cavaleiro italiano, aqui residente, a casar-me com uma sua filha dentro do prazo de quatro dias ... Êsse amigo e sogro é José Doria (José Adorno, nome adaptado em São Vicente), nascido em Gênova, na Itália ... Ele somente tinha uma filha e achou que ela ficaria melhor comigo do que com qualquer dos portuguêses desta região. E mais adiante diz o missivista: Êste casamento dar-me-á uma renda de mil ducados por ano, mais ou menos. Meu sogro vai entregar-me a direção de todo o seu engenho, com 70 escravos, fazendo-me seu sócio, em partes iguais.

Ao sogro o escrevinhador teria informado e ao Capitão-mor da Capitania solicitara licença para o desembarque de mercadorias vindas em navios de Londres, cujos lucros afirma serão triplicados, voltando com meu carregamento de açúcar, custando 400 rs. a arroba ... Uma viagem a Santos dará tanto proveito como costumam dar as que se fazem ao Peru. Nesta parte final referia-se aos navios de índios apresados enviados para as minas de Potosi, no Peru.

Por fim, a origem pecaminosa de negócios e a política entremeados pelos interesses familiares: Se quiser negociar neste porto ou mandar navios para cá, não duvide que, com ajuda de Deus, eu tudo porei em ordem, porquanto meu sogro influi no ânimo do capitão-mor, que governa esta terra. E o obséquio final: Mande-me uma dúzia de camisas para meu uso, bem como seis ou oito peças de tecidos “Sayes”, para mantos de mulheres, tecido que aqui é muito apreciado. Do seu amigo John Withal.

            Informações quanto a utilização da primeira máquina a vapor no Brasil, no século XIX, constam do estudo notável sobre a introdução da ferrovia em nosso país - A primeira Concessão de Estrada de Ferro dada no Brasil – de Garcia Redondo, em notas publicadas recentemente pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (Revista vol. nº 06), atribui ao alemão Frederico Fomm a iniciativa daquela inovação. Redondo se baseia no trabalho biográfico realizado por Miranda Azevedo (1789), sobre as atividades do bem sucedido empreendedor.

                Nascido na Prússia Renana, em 1793, Frederico Fomm iniciou seus estudos na Alemanha e os concluiu em Londres. Viajou para o Brasil e se instalou em Santos. Contraiu matrimônio, no ano de 1824, com Bárbara da Costa Aguiar, com quem e pelos laços familiares se incorporou à firma Viúva Aguiar, Filhos e Cia. Segundo o seu biógrafo, um ano depois de casado, Fomm viajou à Europa, de onde regressou no ano seguinte. A firma familiar ganhara novos rumos, no ramo da produção, comercialização e exportação de açúcar através do porto de Santos. Utilizou de forma pioneira a técnica da estufa, para a secagem do açúcar mofado que recebia do interior, o que antes era feito precariamente, com o açúcar a secar sob o sol, na superfície de um couro cru. Coube a Fomm a instalação da primeira usina de refinação da cana, o que se deu na localidade chamada Vila Nova. Para isso, adquiriu na Inglaterra a primeira máquina industrial a vapor que se teve notícia naquela região. Ao fim dos anos de 1830, retornou a Londres. Visitou o banqueiro Rotschild, a quem pleiteou financiar o projeto da rota marítima Santos/Londres, através da navegação a vapor.

                Ao pensamento e iniciativa progressistas de Frederico Fomm deve-se o projeto de interligação regional, ao porto de Santos, através de linhas férreas, bem como o projeto de promover a hidro navegação pelos rios paulistas. Os fundamentos capitalistas de suas iniciativas continham, já naquela época, a repulsa ao trabalho escravo no Brasil.

Ao refazer a trajetória inovadora daqueles estrangeiros, a quem tanto deve a Província de São Paulo, é sintomático o registro histórico que fez Garcia Redondo referente a Frederico Fomm, ao assinalar as cláusulas contratuais firmadas, nos anos finais de 1830, proibindo a posse de mão-de-obra escrava pelos concessionários: Por iniciativa deste europeu inteligente e amigo do Brasil, cabe a São Paulo a dupla glória de haver importado a primeira máquina a vapor que funcionou no Brasil e a ideia de ter cogitado, antes que qualquer outra província do Império, de estabelecer linhas férreas e de navegação fluvial a vapor, dando a primeira concessão ferroviária com a cláusula humanitária de não poderem os concessionários possuir escravos.

                                A par das iniciativas de Fomm, há o histórico sobre a obra de Felisberto Caldeira Brant Pontes, o Marquês de Barbacena, que residiu em Salvador por dezenas de anos. O opúsculo Vida do Marquês de Barbacena, de Antônio Augusto de Aguiar (1896), dá-nos conta da máquina a vapor de moer cana que adquiriu no ano de 1813, a qual foi assentada no engenho Ingaaçu, em Itaparica, pertencente a um seu cunhado, Coronel Antônio Cardoso dos Santos.

A navegação a vapor na Bahia foi objeto de Decreto governamental de 1818, que estabeleceu a concessão para a exploração da navegação por vapor nos rios da Província da Bahia, desde o Recôncavo Baiano até o litoral do Estado. Tal permissão perdurou até a eclosão da Guerra da Independência.

Segundo as anotações do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (Revista vol. nº 31), no ano de 1819, o marquez adquirira na Inglaterra uma máquina a vapor. Para sua utilização fluvial, construiu no estaleiro Preguiça um barco a ser movido a vapor, cujo itinerário inaugural deu-se nas águas do rio Paraguassú, tendo a bordo o governador e capitão general da Bahia, o conde de Palma, o marquez de Barbacena e outras autoridades. Nas anotações do Instituto, sob o título O Primeiro Barco a Vapor no Brasil, tem-se a advertência de que Ao general marquez de Barbacena cabe a glória de haver iniciado a navegação a vapor na Bahia.