08/04/2014

1856, as posturas municipais




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN e membro do IHGRN e do INRG
 
É muito triste andar pelas ruas da cidade e ver muitos terrenos (sem calçadas) e casas abandonadas, servindo como banheiro público, lixeira, depósito de entulhos, bordel e ponto de drogados. E você não precisa ir muito longe para encontrar essas anomalias para uma cidade que está no século XXI. Parece não haver nenhum código de postura em funcionamento, fiscalização e multas para os infratores.

Os nossos governantes e políticos, de um modo geral, só pensam em obras monumentais, onde o dinheiro se esvai com rapidez para os bolsos dos sabidos. Vários prédios da educação, da saúde e da segurança estão em petição de miséria.  No passado parecia haver maior preocupação com essas coisas, pois os códigos de postura eram cuidadosos. Mas, parece, também, que essa coisa se perdeu no tempo. Vivemos em um país enorme, aonde a concentração de recursos vai para os centros maiores. Não há descentralização governamental.

Hoje, transcrevo para cá uma Resolução provincial, datada de 20 de setembro de 1856, que aprovou onze artigos adicionais de posturas da Câmara Municipal da Vila de São Gonçalo, para dar uma ideia do que ocorria em 1856. O que disso tudo ainda persiste?

Antonio Bernardo de Passos, bacharel formado em Direito, oficial da ordem da Rosa, presidente da Província do Rio Grande do Norte, por S. M. o Imperador, a quem Deus Guarde etc.
Faço saber a todos os seus habitantes que a assembleia legislativa provincial, sobre proposta da câmara municipal da Vila de São Gonçalo, resolveu que se observem no respectivo município os seguintes artigos adicionais ao da mesma câmara.

Art.1. Ninguém poderá erigir casas ou outros quaisquer edifícios nas povoações de Utinga e Santo Antonio, ainda mesmo em terras próprias, sem se entender com o fiscal da respectiva câmara para dar o cordeamento da rua, em que se tem de fazer a edificação, sob pena de 6$000 réis de multa, e de ser demolida a obra à custa do dono, no caso de não estar no alinhamento.

Art.2. No mês de novembro de cada ano os proprietários das casas das povoações de Santo Antonio e Utinga serão obrigados a mandar caiar as frentes das mesmas casas com as cores, que julgarem convenientes. O contraventor deste artigo pagará 1$000 réis de multa, e o duplo nas reincidências.

Art.3. Todos os moradores das povoações de Santo Antonio e Utinga serão obrigados a conservar limpas as testadas de suas casas: pena aos contraventores 1$000 réis de multa, ou um dia de prisão.

Art.4. Ninguém poderá deitar animais mortos, ou qualquer outro objeto corrupto dento das mencionadas povoações: pena ao contraventor de 1$000 réis de multa, ou um dia de prisão, e de ser enterrado o animal a custa do dono. Na pena incorrem os que deitarem entulhos ou lixos nas ruas, e nos fundos de quintais.

Art.5. Fica proibido conservar cães soltos nas ruas das povoações deste município: pena ao contraventor de 2$000 réis de multa, ou dois dias de prisão, e de ser o cão morto.

Art.6. Ficam proibidos nas povoações deste município quaisquer vozerias, e funções que perturbem o sossego público: pena ao contraventor de 1$000 réis de multa, ou um dia de prisão a cada indivíduo que fizer, e o duplo na reincidência. O dono da casa onde se fizerem tais funções incorrerá na multa de 2$000 réis, e no duplo se reincidir.

Art.7. Fica proibido cavar barro nas ruas das povoações de Santo Antonio e Utinga, bem como nas estradas deste município: o infrator sofrerá a multa de 2$000 réis, ou dois dias de prisão, sendo o barreiro tapado à sua custa.

Art. 8. Ninguém poderá lavar roupa no rio da Prata, senão do caminho que passa junto à cerca de Lourenço José Correa até a passagem da estrada que vai para São Gonçalo. Aquele que infringir o disposto neste artigo pagará 2$000 réis pela primeira vez, e o duplo na reincidência, e sendo escravo será pago a multa pelo senhor.

Art.9. Ninguém poderá tapar no decurso do dia o rio da Prata da povoação de Utinga, nem cortar as árvores que existem do lado do seu curso: pena  de 1$000 reis ou dez dias de prisão, e o duplo na reincidência.

Art.10. O Rio Rego-Moleiro será desobstruído pelos proprietários e rendeiros dos terrenos adjacentes nos meses de fevereiro e agosto de cada ano. Aquele que o não fizer até os limites de sua propriedade, ou arrendamento, sofrerá a multa de 6$000 réis.

Art.11. Os proprietários foreiros, ou rendeiros das terras da Aldeia-Velha abrirão uma vala do rio de fora até à Soledade, a qual será limpa todos os anos nos meses de fevereiro e agosto: o infrator sofrerá a multa de 6$000 réis, e o duplo na reincidência.

Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução das referidos artigos de posturas pertencer, que os cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nele se contém. O secretário da província as faça imprimir, publicar e correr. Palácio de Governo do Rio Grande do Norte, na cidade do Natal, 20 de setembro de 1856, trigésimo quinto da independência e do império. Antonio Bernardo de Passos.

06/04/2014



KERGINALDO CAVALCANTI
Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura

William Pitt, erudito e festejado político inglês foi aclamado pela sua eloquência, na estréia no Parlamento, chegando ao ponto do conceituado político Burke afirmar:

"O partido a que este homem se unir

dominará sempre a opinião".

O mesmo ocorreu com Mirabeau a respeito de Robespierre, quando este assomou a tribuna, pela vez primeira, na Assembleia Nacional, ao tempo da Revolução Francesa.

Acreditamos ter, também, Kerginaldo Cavalcanti de Albuquerque, provocado seme­lhante expectativa em torno da sua eloquência tribunícia, na sua apresentação no Con­gresso Nacional brasileiro.

Estudante no Ceará o seu nome transpunha, cedo ainda, os umbrais do academicismo pela flama ardente da oratória. São João Crisóstomo era cognominado, pelos contempo­râneos, o "Boca de ouro ", por sua falação irradiante. Dele disse o Papa da Rerum Novarum. - "esse áureo rio de eloquência".

Kerginaldo Cavalcanti foi chamado de "Patativa do Nordeste", devido ao mavioso gorjeio   desprendido pela sua encantadora e vibrante eloquência.

Os seus discursos eram cadenciados pela onda vibratória da perfeita modelação da, voz. O seu verbo revestido da ortoépia, a arte de bem pronunciar o som vocálico.      

A sua fama de orador era reconhecida, reverenciada e aplaudida.         

Diplomou-se em Advocacia e exerceu a Política na sua plenitude. Nos anos áureos pertenceu ao Partido Social Progressista, liderado por João Café Filho, seu amigo, tendo rompido os laços partidários, depois, quando o irrequieto natalense, nascido nas Rocas, assumiu a Vice-Presidência da República.

Foi, Kerginaldo, eleito Senador e naquela Casa Legislativa bem desempenhou o mandato a ele conferido pelo sufrágio universal dos eleitores potiguares.

Inúmeros pronunciamentos, discursos, proposições, projetos e intervenções tiveram ele como autor, cujo teor substancial, tanto político quanto jurídico, o credenciou como um dos mais nobres "pais da Pátria".

Kerginaldo exibiu-se grande político, provando-o o seu desempenho impecável no Senhado da República. Era ele o político adequável à Democracia pela sua desenvoltura no Legislativo e na Tribuna.

Para Aristóteles, a forma opressora de governo seria a mais frágil das estabelecidas. A intenção política correta é aquela direcionada para o bem-estar dos governados, assinala ele. E adianta: - o Estado existe para o homem, e não o homem para o Estado. A felicidade precípua do homem, conclui, é a sua felicidade.

Kerginaldo Cavalcanti detinha no seu caráter, a chamada nobreza moral em política. Essa, a dádiva, a jóia preciosa do “guerreiro feliz”, na frase do discípulo de Platão, acima citado.

Para ele, a excelência da vida humana não era baseada como criatura amante do individualismo, porém,  criatura condicionada a ser socialmente admitida.

O nobre representante da nossa bancada, pela sua inteligência bem representou os potiguares nos debates da ágora legislativa e pela honradez da sua performance como político militante. Nos seus argumentos sempre foram baseaqdos na possível justiça, na esperança de dias, sempre melhores, na compreensão e na paz.

A sua ação honrou sobremodo o nome augusto que o espírito sobraçava, cheio de dignidade cívica. Portou-se sempre como um verdadeiro patriota. No seu último mandato sobressaiu-se como denodado nacionalista, defendendo a nação brasileira, a riqueza do seu subsolo, o seu petróleo, a sua economia e outros bens subjetivos e axiológicos da nacionalidade pátria.

Foi um homem emblemático da Oratória. Na Grécia Antiga o discurso forense e a oração política representavam função por excelência, na ordem social da Polis.

A oratória, tal a Poesia, imortaliza.

As alocuções de Kerginaldo Cavalcanti, algumas conservadas, outras dispersas, muitas perdidas, tais pétalas de rosa perfumada, espalhadas ainda ecoam na alma da Nação, em forma de polinização, para fecundar, na mente da mocidade brasileira, o sen­timento cívico de nacionalidade que ele tanto cultuou e defendeu.

No outono de sua vida, cheia de vitórias da inteligência, não juntou ele as folhas secas espalhadas pelo vento, mas colheu e acariciou, na lembrança fugidia, o sentimento da saudade, que jamais murcha no coração.

A saudade das belas orações declamadas pela sua alma altiva e generosa.

05/04/2014

 Aos são-gonçalenses


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG

Com a chegada do aeroporto, São Gonçalo do Amarante se tornará mais internacional do que já foi. Há necessidade, portanto, de um maior cuidado com sua verdadeira história, pois estará mais exposta. Embora tenha feito um artigo, anteriormente, chamando a atenção para equívocos sobre seu passado, observamos, que eles se repetem em vários sites, e, talvez, nas escolas.
Está na hora da Prefeitura de São Gonçalo providenciar junto às nossas Universidades estudos sobre o passado riquíssimo desse município com base em documentos primários. 
Para exemplificar, transcrevo trecho de uma notícia que encontrei em jornal de 1930, “Notas fornecidas pelo desembargador Antonio Soares, a pedido do tenente Manoel Cavalcanti, prefeito do município de S. Gonçalo: ...sendo seus primeiros habitantes e fundadores os Srs. Paschoal Gomes de Lima e Ambrósio Miguel de Serinhaém, os quais, “in illo tempore”, foram os primeiros que a este lugar chegaram, vindos do lado sul. (talvez de “Serinhaém”, Pernambuco, conjeturamos nós outros). Aqui edificaram eles suas casas assobradadas e construíram uma capela dedicada a S. Gonçalo do Amarantho (?) e onde colocaram uma imagem do mesmo, que era esculpida em pedra, ficando assim o lugar denominado S. Gonçalo do Amarantho, os dois srs. Paschoal e Ambrósio, ambos casados legitimamente, e possuindo família, foram ligando reciprocamente  seus descendentes, de modo que hoje toda a família são-gonçalense, na pluralidade de seus membros, podem afirmar terem sidos aqueles senhores os seus verdadeiros ascendentes”.
Vários sites colocam a data de chegada de Pascoal e Miguel como sendo 1710. Vamos aos fatos. Na região do Potengi, vamos encontrar antigas capelas como Santo Antonio do Potengi, São Gonçalo do Potengi, Nossa Senhora do Socorro de Utinga e Oratório de Jundiaí.  Vejamos alguns batismos nessa localidade, dos muitos que ocorreram no período de 1688 até 1711.
No dia 29 de junho de 1688, na capela de São Gonçalo, foi batizada Leocádia, filha do capitão Manoel de Abreu Frielas (provavelmente, irmão de Pascoal) e de sua mulher Izabel Dornelas. 
No dia 31 de outubro de 1689, na Capela de São Gonçalo, foi batizada Bárbara, filha de Manoel Rodrigues Santiago e de sua mulher Catarina Duarte de Azevedo, tendo como padrinho Matias Camelo; nessa mesma capela de São Gonçalo, aos 26 de novembro de 1691, foi batizada Izabel, outra filha desse casal, tendo como padrinhos o capitão Theodósio da Rocha e Joana, filha do capitão Pedro da Costa Faleiros. Essa Catarina descende dos mártires de Uruaçu, Estevão Machado de Miranda e Antonio Vilela Cid, trucidados em 1645.
Ainda, em 10 de junho de 1688, na capela de Santo Antonio, foi batizado Bonifácio, filho do capitão Theodósio da Rocha (outro participante da Guerra dos Bárbaros) e de sua mulher Antonia de Oliveira, tendo como padrinhos o capitão Afonso de Albuquerque (Maranhão) e Maria de Sá.
Já em 25 de abril de 1691, na capela de Santo Antonio da Pebuna (?), foi batizada Ana, filha do capitão Theodósio de Grasciman e de sua mulher Paula Barbosa (descendente de outro mártir, João Lostau), sendo madrinha Antonia de Oliveira.
No dia 24 de novembro de 1697, na capela do Potengi do Bem Aventurado Santo Antonio, foi batizado Manoel, filho de Manoel de Sousa Cirne e de Maria Pereira, sendo padrinhos João da Costa Almeida e sua mulher Domingas da Fonseca.
No dia 12 de junho de 1709, na capela da Utinga, de Nossa Senhora do Socorro, foi batizado João, filho de João Machado de Miranda e de Leonor Duarte de Azevedo. João e Leonor são meus hexavós.
Izabel, que foi batizada, em 1691, conforme registro acima, tornou-se Izabel Rodrigues Santiago, casou com Salvador de Araújo Correa, e batizou em 18 de junho de 1710, na capela de Nossa Senhora do Socorro de Utinga, Luiza, sendo padrinhos o padre Antonio de Araújo Sousa, e uma irmã de Izabel, de nome Elena Duarte de Azevedo. Esta Elena foi batizada, em 27 de dezembro de 1701, na capela de São Gonçalo do Potengi, tendo como padrinhos Antonio Duarte e Ana de Macedo, filha do capitão João Martins de Sá.
Em 7 de março de 1711, no Oratório de Jundiaí, foi batizado Manoel,filho de Antonio Cabral de Vasconcelos e de Mariana da Costa, tendo como padrinhos o capitão-mor Gonçalo de Crasto Rocha e D. Joana Gomes de Abreu, mulher de Manoel Tavares Guerreiro.
Pelo apresentado, muitas famílias já existiam, no século XVII, onde hoje é São Gonçalo, inclusive a família de Pascoal Gomes de Lima que participou da Guerra dos Bárbaros, junto com seu pai, o norte-rio-grandense, capitão-mor Manoel de Abreu Soares. Já em 1697, Pascoal Gomes de Lima foi padrinho de uma filha de Antonio Batista Pimentel, e, em 29 de dezembro de 1698, na capela de São Gonçalo do Potengi, foi batizada Antonia, filha do capitão Pascoal Gomes de Lima e de sua mulher Helena Berenguer, sendo padrinhos Pedro Berenguer e D. Maria de Cerqueira. E, em 11 de outubro de 1701, foi batizada, na capela de Santo Antonio do Potengi, Maria Magdalena, outra filha de Pascoal e Helena, tendo como padrinhos Estevão Rodrigues de Sousa e D. Theodósia da Rocha, filha do capitão Theodósio da Rocha.
A esposa de Pascoal Gomes de Lima, Dona Helena, aparece em diversos registros com sobrenomes diferentes; uma hora Berenguer, outra Barbosa. Acredito que fosse da família Berenguer de Pernambuco, do sogro de João Fernandes Vieira. Nessa família tinha um Ambrósio Berenguer de Andrade que casou com Magdalena Barbosa de Albuquerque. Acredito, que no lugar de um casamento entre filho de Pascoal e desse suposto Ambrósio Miguel, tenha havido o casamento de um filho de Manoel de Abreu Soares (Pascoal) e uma filha de um desses Berenguer (Helena). Na descendência de Pascoal e Helena aparece o sobrenome Barbosa de Albuquerque.
Leocádia de Manoel de Abreu Friellas, 1688

04/04/2014

UNI-RN



DALADIER CUNHA LIMA – (2)

Jurandyr Navarro

(Do Conselho Estadual de Cultura)

O segredo da vitoriosa missão educacional de Daladier Cunha Lima é devido à sua perseverança por causa tão nobre revestida de grandiosidade. O importante não é somente iniciar, porém, persistir, dar continuidade e jamais confiar na chamada boa estrela, iluminadora do caminho a percorrer.

A exemplo de todos impulsos generosos, a tarefa educacional é feita de trabalho e dedicação, animada por um coração confiante. Desprovido do oxigênio vivificante do ensino programado, o espírito se atrofia pela falta do alimento intelectual. E nesta queda vertiginosa inibida é a energia do lutador, fato caracterizado na expressão gráfica do pensador religioso Fougeray: “Onde um coração já não vibra, o vigor enfraquece; a alma saltita ainda, o gênio não tem asas; em lugar de relâmpagos, o raio emite centelhas. Enfim, nada de sublime, quando o coração se apequena”.

A verdadeira instrução é conselheira da convivência duradoura com os livros. Nos mosteiros medievais a Biblioteca tinha o elevado conceito do respeitável Santuário.

Bem dirigida e aliada a uma educação refinada, a instrução conduz a uma existência virtuosa.

A Pedagogia no seu amplo sentido, prepara a mente humana para o saber, impulso criador que move o mundo.

Com muito acerto pontificou o pensador Dumas; “Ah! Se fosse possível que eu viesse a perder a avidez pelo saber e pela investigação, a sede pela ciência que por nada se apagará, a vida não me ofereceria mais nenhuma consolação. Que deleites acompanham o exercício das faculdades intelectuais! Diz-se do saber o que se diz do poder: é o banquete dos deuses”.

Dispondo-se apenas de uma centelha, semelhante à luz de um vagalume pode-se, por leituras escolhidas, incendiar a imaginação, advindo imagens, as mais belas, propiciando, assim, a radiante aurora da inspiração cultural.

A sabedoria, desde tempos imemoriais, tem sido iluminada pelo fogo ardente da inteligência humana, reluzente clarão lembrante às tochas, sempre acessas, do templo das Vestais, sendo, somente ela, a sabedoria, a singular descobridora dos segredos do Universo.

Destituído dessa chama abençoada o homem estaria, ainda, vagando, sem rumo definido, pelos sombrios caminhos da floresta inóspita da ignorância.

A determinação de Daladier Cunha Lima em prestigiar a ação pedagógica seria vã se destituída da grandeza de um trabalho inteligente e perseverante.

O esforço pessoal, a sua liderança, aliados à apurada reflexão, pôde edificar monumentos duradouros para as gerações jovens. Seguiu ele, nessa caminhada, a magia do som mavioso da lira de Anfion, responsável pelo erguimento das muralhas de Tebas.

No ato de instalação da Faculdade Natalense para o Desenvolvimento, ele assim se expressou, dentre outras considerações: “A FARN manterá estreito relacionamento com a sociedade Norte-rio-grandense. Nosso planejamento será baseado na Missão da Faculdade, nas potencialidades internas, e, sobretudo, nas demandas expectativas da sociedade. Estaremos abertos e receptivos a novas ideias e sugestões e atuaremos com visão de futuro, valorizando sempre o pensamento prospectivo. Procuraremos, permanentemente, o diálogo construtivo com os governos, com a classe política, com o empresariado e com a classe trabalhadora. Estaremos em conexão com as Instituições Educacionais, nos diversos níveis públicos e particulares. Enfim, estas portas estarão abertas, não só as portas, mas os corações, as almas, as mentes, na busca das melhores energias e sinergia em favor da educação do Rio Grande do Norte”.

Salas de aula são palcos em que atores, os discípulos, encenam peças, idealizadas pelos autores, seus mestres. São elas, as salas de aula, como “templos sagrados da humanidade”, designação atribuída a Pasteur, em relação aos laboratórios científicos.

Ambos são remédios para o corpo e para o espírito, respectivamente.

Tal cenário incentiva, através o ensino o despertar da mente do adolescente, às coisas úteis da civilização humana, livrando a mocidade de ser prisioneira de uma vida apedeuta, cuja cela escura não seria, sem o seu concurso, clareada pela chama ardente de uma esperança salvadora.

Mantém, Daladier Cunha Lima,  conceituada coluna semanal, de anos, aos domingos, no jornal “Tribuna do Norte”, de nossa capital, na qual espelha suas idéias em concepção geral, num estilo elevado e atraente.

Dentro outras realizações, na UFRN, criou o Mestrado de Engenharia Química.

Lembre-se, também, de passagem, ter sido de sua iniciativa, como Reitor, federal, a implantação do Curso de Especialização de Literatura Brasileira, até então inexistente.

Além da Literatura, a Música foi também prestigiada no seu mandato quadrienal, com a construção de imponente edifício, em espaço nobre do campus universitário. Homenageando a divina arte, a iniciativa despertou desusado interesse, persistente até os dias presentes.

Tal grandiosa sinfonia, o som mavioso contagiou pintores, escritores e demais amantes da manifestação do Belo, para realizarem apresentações no convidativo palco artístico-cultural.

Pitagórica, é a afirmação de que a ondulação musical purifica a alma humana.

O sensível dirigente lembrou-se, ainda, de tornar escrita a História da Universidade, o ponto de partida da sua memória, iniciando-se pelos seus primeiros trinta anos. Ficou assim idealizada a sua Síntese Cronológica, entregue esse trabalho de pesquisa ao então professor Veríssimo de Melo, que publicou livro a respeito, trabalho atualizado pela professora Carmem Lúcia de Araújo Calado, na presente gestão da atual Reitora Ângela Maria Paiva Cruz, em obra lançada, recentemente, no pátio da Reitoria.

A instrução e a educação são bens perduráveis que atravessam gerações de anos-luz.

A educação é a luz iluminadora da alma humana na idade jovem, a fim de guiá-la nas subseqüentes idades adulta e anciã.

Com o passar do tempo, a idade considerada jovem fará parte do passado, certo? Todavia, essa luz do passado, que iluminou a idade jovem será como a luz das estrelas, luz que ainda permanece no espaço sideral, mesmo que elas, as estrelas, hajam se eclipsadas no firmamento, continuando a iluminar as mencionadas idades adulta e anciã, no tortuoso caminho da existência.

Daí, a importância da luz da educação, projetada na idade jovem.

Daladier Cunha Lima é desses cidadãos que dedicaram a vida, em parcela acentuada, às gerações estudiosas, embora a custo de ingente sacrifício.

No entanto, igualmente a Joaquim Nabuco, ele interpreta que “a Cruz pode ser pesada de carregar, mas somente ela equilibra o nosso andar”.


03/04/2014


MENSAGEM DO CONFRADE 
ANTÔNIO LUIZ DE MEDEIROS

A propósito do recebimento do título de Sócio Benemérito no último dia 28 de março pretérito, o confrade Antônio Luiz de Medeiros enviou ao Presidente Valério Mesquita a seguinte mensagem:

"Doutor VALÉRIO MESQUITA, Muito Digno Presidente de nosso IHGRN, em quem saúdo os demais componentes da Mesa, já citados (Cerimonial), Bondosos Confrades, familiares, convidados.
Desde menino senti-me atraído por dois nobres sentimentos - admirar pessoas simples e sábias. Registrou: Testemunhei esses gestos algumas vezes em solenidades realizadas nessa Casa de Cultura, vindo da Paraíba em uma caravana de intelectuais para receber esse título de sócio, que agora recebemos.
Feitas as saudações, facultada a palavra, ergueu-se um velhinho apoiado num bastão e ao usar o microfone nos surpreendeu ao dizer: Entro como sócio dessa Magna Casa da Memória para aprender mais com vocês. Homem consagrado pelo que escreveu e pelos cargos que exerceu, agora fazemos nossas suas palavras, também chegamos para aprendermos mais e ajudarmos a cuidar de nosso Instituto, que continua quase indigente. Muito Obrigado."

                                          O SENADO E O IMPÉRIO

Por: Gileno Guanabara, advogado

             O Senado, ao tempo do Império, consagrado na Constituição de 1824, era chamado “Câmara vitalícia”. Sua primeira sessão preparatória deu-se a 29 de abril de 1826. Três anos após a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, foi instituída a Assembleia Geral Legislativa, composta por 100 deputados. O Senado era integrado por 50 senadores, os notáveis, com idade mínima de quarenta anos. Gozavam de vitaliciedade, atributo de independência. Referia-se o texto constitucional ao “saber”, à “capacidade” e à “virtude”, como precondições dos que, ungidos pela atividade profissional ou liberal, auferissem renda apreciável que a própria lei quantificou. Eram os “homens bons”.

            Pelas regras regimentais, cabia à presidência do Senado estabelecer a ordem dos trabalhos; interromper a sessão; impedir de falar o orador que se desviasse dos debates; retirar do recinto o senador, ou, em caso de tumulto, apelar para o último dos recursos: “colocar o chapéu na cabeça”. As sessões davam-se a partir das 10 horas da manhã, alongando-se até às 14,00 horas. Os trabalhos não eram finalizados sem que “antes se encerrasse o discurso do senador que estivesse de pé”.  

            Dados os fatos ocorridos no ano de 1822, durante os embates relativos à proclamação da independência, o povo não raro manifestou-se aliado da Câmara. Já o Senado, pelo seu conservadorismo, se submetia não raro aos interesses da família real. Tal posicionamento não excluía divergências ocasionais, tornadas públicas. A nomeação do General João Vieira de Carvalho, para o cargo de senador pelo Ceará, depois agraciado com o título de marquês de Lajes, o Senado contrariado negou-se a convalidar o ato do monarca e a nomeação teve de ser desfeita.

            Outro momento delicado da vida senatorial, tempo da truculência do Ministério do Padre Diogo Antônio Feijó, fora a destituição de José Bonifácio da tutoria de Pedro II. Dada a proeminência política do Patriarca, a sua demissão sumária criou impasse para com o Senado que rejeitou a medida já aprovada pela Câmara. Durante a crise, o padre Feijó acusava o Senado de ser instrumento de conservadores que conspiravam e tramavam favoravelmente à restauração de Pedro I. Para isso, Feijó instava à Câmara a se proclamar assembleia nacional, com poderes absolutos e dar fim à crise. O acirramento chegou ao ultimato feito por Feijó de abandonar o Ministério da Justiça: Ou Feijó, ou José Bonifácio, eis a questão. Mas o Senado decidiu: ficou com José Bonifácio, saiu o Padre Feijó.

            Igual contenda verificou-se em o Senado contrariar a proposta de banimento de Pedro I, aprovada pela Câmara. Foi durante a presidência do marquês de Paranaguá que se deu o primeiro embate, a fim de antecipar a maioridade de Pedro II. Juntos, a Câmara e o Senado desobedeceram às ordens do governo pelo adiamento das sessões. Sob o chamamento de Antônio Carlos – “Quem for brasileiro, siga-me para o Senado” – as minorias das duas casas legislativas proclamaram a maioridade.

            Durante o Segundo Império, duas forças políticas se equilibraram: o Senado e o poder moderador do monarca. A “câmara vitalícia” se impunha como “a casa dos chefes”, através de que a política advinha notável, como afirmou Martinho Campos. Durante 63 anos de monarquia, de 1826 a 1889, o Senado contou com 20 presidentes. O primeiro acolhido por aclamação, o marquês de Santo Amaro, a quem coube a instalação da sessão inaugural, em 6 de maio de 1826. O último foi Paulino José Soares de Souza, eleito no ano de 1889, e que, no dia 16 de novembro, sentou pela última vez na cadeira presidencial do Senado. Apenas três ministérios se formaram sem a presença de senadores: o da regência trina e o da regência Feijó (janeiro/outubro de 1835); e o da regência de Araújo Lima (setembro de 1837).

            Figuras da formação política brasileira fizeram a historiografia do Senado: Nabuco de Araújo; o padre Diogo Antônio Feijó; o visconde do Rio Branco; o marquês de Paraná; o Conselheiro Dantas; o visconde de Abaeté; Saraiva; o barão de Cotegipe; João Alfredo; o marquês de Olinda; o duque de Caxias; José Bonifácio, o moço; o visconde de Inhomirim; o marquês de Monte Alegre; Lafayette Rodrigues Pereira; o barão de Uruguayana; o visconde de Sinimbu; Antônio Carlos; e Francisco Octaviano.

            Rocha Pombo, em sua História do Brasil, relata que o senador Feijó, ex-regente do Império, e o Brigadeiro Rafael Tobias Aguiar, ex-presidente da Província, chefiaram a revolução de 1842, em São Paulo. Para abafar o movimento, o governo imperial enviou tropas fiéis comandadas pelo General Lima e Silva, o Barão de Caxias. Concluída a missão, o comandante dirigiu-se à Rua das Flores, onde se hospedara o Senador Feijó. Diante da sua presença em sala, após os gentis cumprimentos, o general perguntou sobre a saúde do ex-ministro. Por fim, revelou o motivo da visita: “Só o dever de soldado me impõe a dolorosa incumbência de vir prender o senador Feijó, um dos chefes do movimento revoltoso. Convido-o, pois, a acompanhar-me”. Ao que Feijó retrucou: “Sr. General, estou às suas ordens”.

            Enquanto aguardava providências médicas, haja vista encontrar-se paralítico de uma das pernas, o senador dirigiu-se ao General, lembrando ocorrências de 1831, quando o nomeara Major do Corpo de Permanentes: “O sr. é moço, aprenda no que está vendo, o que são as vicissitudes do mundo. Naquele tempo, eu dava acessos ao sr. Lima e Silva, hoje vem ele prender o velho Feijó, já moribundo.”. Caxias retrucou, na mesma moeda: “Sou soldado e cumpro ordens do Governo, ordens iguais às que me deu o sr. Feijó quando era Ministro da Justiça: varrer os revoltosos a ferro e fogo e prender os cabeças da revolta.”.

            Os fatos que se sucederam à prisão de Feijó não trazem divergências históricas relevantes. Uns afirmam a prisão “sob palavra” do senador no Quartel General; outros  de sua permanência na casa onde se encontrava, sob as ordens do então General e barão de Caxias: “O Feijó continua guardado...visitas me tem feito” (em carta, Caxias ao barão de Monte Alegre). Depois do exílio imposto no Espírito Santo, o senador Feijó retornou à tribuna do Senado, onde fez a sua defesa.  

UNI-RN



DALADIER CUNHA LIMA – (1)

Jurandyr Navarro

(Do Conselho Estadual de Cultura)

A grandeza de uma cidade é medida pela operosidade de seus habitantes. Às vezes, essa grandeza não é dimensionada pela riqueza puramente material, porém, levando em conta a elevação espiritual.

A nossa Natal foi engrandecida pela dedicação amorável do inesquecível Padre João Maria, médico das almas, aos filhos da pobreza. O seu exemplo foi seguido por outro médico, com o soerguimento da Maternidade “Mãe dos Pobres”, obra imortal de Januário Cicco, frondosa árvore que tem dado frutos abundantes, no transcorrer do tempo.

Por outro lado, a nossa Educação teve arquétipos admiráveis, atraídos por tão sublime missão engrandecedora da nossa cidadania, notáveis vultos, reverenciados por gerações de um passado glorioso.

Em dias da modernidade, outros devotados, por causa tão nobre despontaram  em nossa sociedade.

Um destes é Daladier Pessoa Cunha Lima! Sacerdote da Medicina, que na mocidade sacrifícios profissionais ofereceu ao seu altar, à altura da sua maturidade cronológica passou a dar prioridade à instrução pública e privada, focalizando a sua atividade primacial no ensino superior, inicialmente, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a grande Escola, erguida em 1958, onde aprendera, e aperfeiçoara a sua inclinação pelo magistério, administração e liderança política.

Nela, fez o seu curso médico e a ela serviu, ocupando os cargos mais importantes da sua Direção hierárquica na administração universitária. Foi ele o único dos seus docentes, de que se tem notícia, ter exercido, sucessivamente, os cargos em comissão de Coordenador de Curso, Chefe de Departamento, Diretor de Centro, Pró-Reitor e Reitor.

Daladier Cunha Lima foi o primeiro Reitor Magnífico, da história da UFRN, eleito para o cargo, democraticamente, pelo sufrágio direto do alunado, funcionários e professores.

O seu mandato, à frente da nossa principal escola pública, foi um dos mais eficientes.

Ultimada tão importante investidura, não se quedou contemplativo. A inação não é companheira fiel das pessoas vocacionadas para o trabalho, seja ele físico ou intelectual. De imediato, criou as Escolas de idiomas, Yazigi, logo atraindo clientela interessada da classe jovem, curso que teve efeito multiplicador em suas salas de aula, diante do sucesso obtido e confiança nele depositada com inteligência e dedicação.

Em seguida, no seu afã de mais servir, à Educação, teve o grato ensejo de dirigir a FARN, Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte. Após resultado positivo da gestão, outros cursos foram surgindo, resultando, anos depois com a criação do Centro Universitário do Rio Grande do Norte – UNI-RN.

Voltou, assim, a ser Reitor, dotado de nova experiência capacitadora a fim de enfrentar os desafios do progresso.

Tem sido ele um dos médicos educadores do torrão potiguar, filiado à escola de Januário Cicco – primeiro Diretor da primeira Faculdade criada no Estado, 1923, no governo Antônio José de Melo e Souza, Escola de Farmácia; - de Onofre Lopes, Reitor da primeira Universidade e de Luís Antônio dos Santos Lima, veterano docente do velho Atheneu, o primeiro educandário do Estado.

Repleta de dificuldades, a missão do educador e dos dirigentes desses templos sagrados do ensino. As sendas de ramalhetes cobertas são impróprias aos vencedores de árduas conquistas. “A coroa de louros somente cingiu frontes feridas”, proclamou Lacordaire, a voz oracular das catedrais góticas.

Autores religiosos bendizem as dificuldades por serem elas formadoras da elevação da inteligência, do caráter, da vontade, acrescentando-se  a sensibilidade. São elas, de certa forma, estimuladoras, por conduzirem à ação para, dessa forma, seus propósitos subirem o alto cume, e, dessa elevação espiritual, vislumbrar esplendoroso firmamento.

Sublimes os obstinados, porque colheram o triunfo através a luta perene, visando o bem da humanidade.

O perfil esboçado pelo trabalho de Daladier, é a imagem de paciente labuta num desempenho perseverante, transpondo seguidas etapas. Tem sido um labor abençoado, continuado e sereno, sem os atropelos do açodamento.

Grava a literatura francesa que Voltaire gastou seis dias, apenas, para compor a tragédia “Olímpia”. Concluída nesse exíguo espaço de tempo, enviou exemplar a um amigo, dizendo: “É obra de seis dias”! no que o amigo retrucou – “não devia descansar no sétimo”.

Daí, tirar-se a ilação conhecida de que a pressa é inimiga da perfeição.

A pressa é somente aconselhável, seguindo-se o pensamento de Boileau, que prevenia: - “Apressai-vos, lentamente.”

Sentenciou um provérbio chinês, que o tempo e a paciência transformam a folha da amoreira em seda, inferindo-se, ser a perseverança a chave do sucesso.

“Querer, trabalhar e esperar”, eis o trinômio basilar do êxito do médico Pasteur.

Tal instrumental redundou em sucesso o catecismo educacional de Daladier Cunha Lima.

É ele dotado de temperamento afável, de perfil social avesso às vaidades, por primar uma postura refinada pelo cotidiano ritual dos ensinamentos civilizatórios.

Além de educador, o personagem em tela é escritor, sendo autor de obras publicadas e outras inéditas, destacando-se o monumental livro “Noilde Ramalho – Uma História de Amor à Educação”. É acadêmico, pertencendo aos quadros da Academia de Medicina do Rio Grande do Norte, sendo, também, integrante de outras instituições culturais.

Pelo reconhecimento público ao seu labor dedicado ao magistério superior e o visualizado no espaço cultural, tem recebido homenagens corporificadas em comendas, medalhas e títulos.