22/08/2016

   
Marcelo Alves

 

A mais bela biblioteca

Já escrevi aqui, em mais de uma oportunidade, sobre algumas bibliotecas que, mundo à fora, visitei ou mesmo frequentei, vasculhando seus acervos, na qualidade de estudante curioso. Recordo-me haver tratado da Biblioteca Pública da Cidade de Boston (www.bpl.org), da Bodleian Library (www.bodleian.ox.ac.uk/bodley), a biblioteca da Universidade de Oxford, das parisienses Bibliothèque nationale de France – BnF (www.bnf.fr) e Bibliothèque publique d'information – Bpi (www.bpi.fr) e, em mais de uma oportunidade, da gigantesca British Library (www.bl.uk), que fica em Londres, onde fiz o meu PhD em direito. 

Hoje, em especial, vou escrever sobre aquela que considero a mais bela biblioteca da capital do Reino Unido: a queridíssima – pelo menos para mim – Maughan Library (www.kcl.ac.uk/library/visiting/maughan.aspx), localizada na Chancery Lane, rua bastante conhecida da “Central London” (estação de metrô Chancery Lane). 

Antes de mais nada, devo registrar que a Maughan Library é uma das nove bibliotecas do King’s College London – KCL (no qual fiz o meu doutorado), “university college” londrino fundado em 1828/29 por iniciativa do Duque de Wellington (1769-1852), a quarta mais antiga universidade da Inglaterra e hoje ranqueada como umas da vintes melhores instituições de ensino superior do mundo. A mais tradicional e bela dessas bibliotecas, certamente, vocacionada às ciências humanas e sociais, incluindo aí línguas, literatura, cinema, história, geografia, filosofia, teologia, política, direito e muito – muitíssimo – mais. E nisso está, muito naturalmente, a razão do meu bem-querer pela Maughan Library. Nos meus quatro anos de doutorado no King’s College London – KCL, foram noites e mais noites caminhando entre aquelas estantes, muitas vezes perdido naquele labirinto de salas e corredores, lendo e escrevendo, sempre na boa companhia dos autores, de livros jurídicos ou não, de minha predileção. 

A história da Maughan Library como biblioteca é curiosa. A ocupação do sítio onde ela se acha retroage ao período medieval (século XIII, segundo se registra). A área foi adquirida pela Coroa em 1837. O imenso prédio atual (a estrutura principal, refiro-me), projeto de Sir James Pennethorne (1801-1871), foi edificado nos anos 1850 especialmente para abrigar o “Public Record Office” (“arquivo público”, em português) do Reino Unido. Nas décadas seguintes, foi várias vezes reformado e atualizado. O edifício foi adquirido pelo King’s College London – KCL em 2001. Ao custo de algumas dezenas de milhões de libras esterlinas, devidamente reformado e adaptado (é um edifício tombado, obviamente), foi reinaugurado em 2002, com a presença da própria Rainha Elizabeth II (1926-), agora como a Maughan Library (em homenagem a Sir Deryck Maughan, homem de negócios e filantropo, ex-aluno do KCL, que fez uma doação substancial à universidade). 

Para se ter uma ideia da “majestade” da Maughan Library, ela é muitas vezes tida erroneamente como o edifício principal do King’s College London – KCL (que, na verdade, fica no campus da Strand, outra famosa rua londrina). Sua fachada é lindíssima, com torres e detalhes vitorianos quase indescritíveis. Os jardins externos, usados para descanso ou para uma refeição rápida, são bastante agradáveis. A entrada principal é pela bela torre do relógio, que se destaca da fachada como principal atrativo para as fotografias dos estudantes e dos turistas. Seu gigantesco interior, antigo e austero, apesar das orientações afixadas em todo lugar, é labiríntico, embora não ao ponto, graças a Deus, da “biblioteca borgeana” de “O nome da rosa” (1980) de Umberto Eco (1932-2016). Imensas portas de madeira antiga ou de ferro fundido separam um ambiente do outro. E só as janelas enormes, algumas preenchidas com coloridos vitrais, nos roubam a sensação de isolamento. Nesse “labirinto”, entre outras coisas, sugiro dar uma espiada nas preciosidades da “Foyle Special Collections Library”, espécie de museu da biblioteca (a exemplo do que se dá com todas as grandes bibliotecas), que ocupa uma das partes mais antigas do prédio, a “Rolls Chapel/Weston Room”, cuja estrutura retroage ao Medievo. E imperdível é uma visita ao “Round Room”, sala de leitura circular (na verdade, dodecagonal), no estilo da pertencente ao British Museum, com a qual certamente rivaliza em atmosfera e beleza. Que tal realizar alguma pesquisa por ali, como fizeram Robert Langdon e Sophie Neveu, em “O código Da Vinci” (2003), de Dan Brown (1964-)? 

No mais, a região onde está a Maughan Library, conhecida como a “Legal London” (“Londres jurídica”, em português), é cheia de outros pontos de interesse tanto para o “turista jurídico” como para o amante de livros em geral. Por exemplo, quase em frente ao portão de entrada da Maughan Library fica a mais bela das “Inns of Courts” de Londres, a Lincoln’s Inn. Já sob uma das arcadas de entrada da Lincoln’s Inn (a da Carey Street), fica a livraria jurídica de maior acervo em Londres, a excelente Wildy & Sons. Mais ao sul, caminhando pela Chancery Lane e chegando à famosa Fleet Street (que outrora foi a rua dos grandes jornais londrinos), ficam mais duas outras “Inns”, o Inner Temple e o Middle Temple, que valem também muito a pena ser visitadas. Na mesma Fleet Street, bem pertinho, fica o belíssimo edifício das Royal Courts of Justice (sede tanto da High Court of Justice como da Court of Appeal). Aliás, sobre a “Legal London” e as “Inns of Courts”, já escrevi aqui, com bem mais detalhes, em um conjunto de artigos intitulados “Minhas livrarias em Londres I, II e III”. 

Por fim, caro leitor, dali é muito fácil dar uma esticada pela Fleet Street em direção (leste) à gigantesca e lindíssima St. Paul Catedral, a obra-prima de Sir Christopher Wren (1632-1723), edificada entre os anos de 1675 e 1710, e que desde então domina a paisagem da “City” londrina. Coisa de cinco ou dez minutinhos caminhando. Mas, para ser sincero, recomendo – quase exijo – “pit stop” no caminho, para o devido abastecimento, no antiquíssimo Ye Olde Cheshire Cheese (número 145 da Fleet Street), talvez o mais famoso dos pubs Londrinos, construído em 1538 e reconstruído em 1667 (após destruído pelo grande incêndio de 1666), do qual, dizem, Samuel Johnson (1709-1784) e Charles Dickens (1812-1870), foram conhecidos “regulars”. E sem pressa, porque, ali, querendo ou não, o tempo de pesquisa é contado em “pints” de cerveja. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

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