DIANTE DE TANTA COISA...PAIXÃO!

(Lívio Oliveira)
NÃO ME É FÁCIL PREENCHER UMA PÁGINA EM BRANCO num tempo em que a truculência fardada se ocupa em prender um humilde palhaço (em pleno exercício do direito ao riso) e jogá-lo em triste e cinzento camburão, sob o protesto perplexo de crianças e homens e mulheres de boa-vontade. Não me agrada jogar palavras nesta página, diante do que vejo nas esquinas e nos templos capitalistas de consumo, do lado de dentro e do lado de fora, passeatas surreais em dias úteis ou inutilizados, em direção ao nada agônico, ao caos mental e ao desarranjo ético-estético das turbas enfurecidas. E não me acalma ouvir a voz agressiva em resposta, sugerindo reações sintonizadas ao Talião. Não é tempo disso. Não deveria ser.
Faz-me mal ao estômago gastar tempo com a poesia, com a palavra literária, sabendo que os ataques aos poetas e aos bons loucos predominam na realidade da aldeia e na virtualidade mundial infestada de falsos e agressivos críticos e censores, tão agressivos e sem pudor quanto aqueles que emparedaram o clown pequenino e indefeso.
Ainda ontem me deparei com um novel censor de rede social ditando regras sobre o que eu posso ou não posso falar em meus textos, em minhas opiniões, em meus julgamentos e impressões pessoais. E eu lhe disse (já nem sei se disse) o velho e surrado “nem te ligo, nem te ligo, nem te ligo”, como que relembrando uma canção ritmada e ancestral, recordando a voz maiúscula de Chico Antônio ou as palavras e gestos do povo, assim como Cascudo nos trouxe mil vezes. Mil vezes lembrarei. Chico e Luís. Luís e Chico. Chico e Luís. Luís e Chico. Estou com eles. Mil, cinco mil, dez mil vezes não aceitarei o censor dos tempos contemporâneos. Cantarei, quando tiver voz. E nem tolerarei o perverso julgador que julga todo mundo, a poesia do mundo, sem de poesia nada saber. Cantarei. E é porque esse tipinho acolá nem se olha no seu espelho quebrado e sujo e nele cospe com nojo de si próprio e de sua voz fraquinha, rasgada, apertada. Esse tipo...eu esqueço esse tipo.
Essa dificuldade, a de passar nesse corredor cheio de sandices, cresce quando vejo um grande talento como o jovem Violoncelista Diego Paixão – aluno da Escola de Música da UFRN, que acaba de ser premiado no Festival Internacional mais competitivo da América Latina, o de Campos do Jordão, que dá direito a bolsa de estudo para a École Normale de Musique de Paris – ficar aguardando lugar qualquer na mídia (Veio, virá?), além de apoio governamental ou de outra natureza para se manter na Cidade-Luz pelo período da duração do curso, forçando-o, rapaz de origem humilde, a ter de adiar o seu sonho, que também deveria se constituir em plano de alto orgulho do nosso povo potiguar. Povo e Paixão. O sonho está dito. Que se contamine essa gente de sonho.
Escrever o quê nesta minha página pálida neste dia doido do ano doido de 2015? Fiquei pensando sobre isso também (Diego Paixão em terras francesas?!) lá na calçada do Sebo-Editora de Abimael Silva, enquanto um escritor americano, Steven Byrd, inaugurava as suas “Outras Terras – crônicas e ensaios”, em mais um dos lançamentos heroicos e imprescindíveis a Natal (já se vão 30 anos de existência e resistência do Sebo Vermelho), enquanto eu conversava com gente boa como Afonso Martins, Cellina Muniz, Ciro Pedrosa, Falves Silva, Paulo de Tarso Correia de Melo, Washington Fontes e o próprio Abimael.
Foi então que me decidi a não escrever este texto (que você não está lendo) e preferi ficar acompanhado das palavras alheias e que me enriquecem, poesia de poetas que me marcam, intensamente, vindo-me a orientação da cumeeira do Casarão da Poesia, em Currais Novos, que tanto também merece olhar e apoio: Iara Maria Carvalho (“Saraivada”, Sarau das Letras, 2015) e Wescley J. Gama (“Com a força das folhas que estiverem vivas”, Rota Batida, 2015). De outras mansardas, não deixei de me lembrar de José de Castro (“Apenas Palavras”, CJA, 2015) e de José Delfino (“A Estação de Ana e outras estações”, Bons Costumes/Jovens Escribas, 2015). É que, se já não consigo escrever algo que valha poeticamente nesta folha, que as palavras poéticas desse povo bom falem por mim e me apaixonem. E me salvem em 2015.