Colhendo lírios
nos campos do Senhor
Tomislav
R. Femenick - Jornalista
Apesar
de alguns acontecimentos tristes (a guerra fria, a guerra mais do que quente do
Vietnã, os assassinatos de Kennedy e Martin Luther King, por exemplo), a década
de sessenta do século passado talvez tenham sido os melhores anos da história
recente. Os estudantes e os movimentos negros e feministas lutavam por direitos
justos, que lhes eram negados, as ciências deram um tremendo avanço qualitativo
e quantitativo. Iuri Gagarin, um astronauta russo, descobriu que “a terra é azul”. E um outro,
norte-americano, Neil Armstrong, pisou na lua dando “um pequeno passo para um homem, um gigante salto para a humanidade”.
O homem desceu ao piso dos oceanos, desenvolveu as bases da mecatrônica e do
raio laser, descobriu a pílula anticoncepcional e sintetizou o DNA, entre
outras grandes facetas.
Elvis,
os Beatles, os Rolling Stones e o festival de Woodstock – e lá estavam Jimmy
Hendrix e Janis Joplin – puseram a música popular de ponta cabeça. No Brasil,
Chacrinha se comunicava com as massas, Roberto Carlos liderava a Jovem Guarda,
a Bossa Nova se consolidava, a Tropicália (de Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Rogério Duprat e Torquato Neto) e os velhos e os Novos Baianos renovavam o
cenário musical brasileiro. A música que antes era só para se ouvir e dançar,
agora mexia com o corpo e com a mente.
Enquanto
isso, aqui a província continuava quase que totalmente provinciana. Câmara
Cascudo, Verissimo de Melo e uns poucos mais eram a exceção que confirmava a
regra. Ponta Negra era uma praia longínqua (não havia a avenida Roberto Freire
e a Via Costeira), habitada principalmente por pescadores. As praias do Meio,
dos Artistas e Areia Preta eram os lugares de encontro da juventude adoradora
do sol e das ondas.
O
Grande Ponto – onde
tudo acontecia ou onde tudo era comentado – funcionava a todo vapor,
Aluízio Alves trazia inovações em seu governo, mas a política de compadrio
ainda imperava, a televisão era um sonho, os cines Rio Grande e o Rex eram os
centros de diversões e na Confeitaria Cirne, ali na rua João Pessoa, tomavam-se
umas “estupidamente geladas”, enquanto se jogava conversa fora. No “high society” tupiniquim imperavam o
América e Aero Club.
Foi nesse
ambiente que apareceram dois nomes no jornalismo natalense. Paulo Macedo, no
Diário de Natal, e Jota Epifânio, na Tribuna do Norte. Eles dominavam a
sociedade local, noticiando o que era importante e ditando o comportamento da
alta cúpula da cidade. O meu amigo Jota Epifânio faleceu em 1999 e o meu amigo
Paulo Macedo, na semana passada.
Conheci
Isaac Faheina de Paulo Macedo no final dos anos 1950, porém somente firmei
amizade com ele na década seguinte, quando ambos trabalhávamos no Diário de
Natal; ele como cronista social e eu como repórter correspondente. Nessa época
ele tinha duas atuações marcantes: a Festa das Personalidades e os concursos de
Miss Rio Grande do Norte, ambas realizadas anualmente. Com a evolução dos
tempos, sua coluna foi se afastando dos assuntos sociais e, mais e mais,
tratando de política, do mundo empresarial e, principalmente, de cultura. Tinha
uma perspicácia notável para descobrir fatos novos ou para dar nova luz a
assuntos latentes. Assim, foi se distanciando do pouco relevo da crônica tão
somente social e adentrando por campos mais sólidos do jornalismo.
Paralelamente, começou a estudar e a publicar matérias sobre automobilismo.
Como
não poderia deixar de ser, ocupou cargos na administração pública. Foi chefe de
gabinete do prefeito Djalma Maranhão, secretário de turismo da Prefeitura de
Natal e presidente da Fundação José Augusto. Integrava o Conselho de Cultura do
Estado e era membro da Academia Norte-Riograndense de Letras, onde ocupava o
cargo de vice-presidente, e compunha o Conselho Estadual de Cultura. Apresentava
um programa de televisão, Sala Vip, e publicou vários livros.
Fui seu
companheiro no Rotary Club de Natal Sul, para onde fui por ele levado há mais
de quinze anos. Tanto no clube a que pertencíamos, como na governadoria do
Distrito (que engloba o Rio grande do Norte, a Paraíba e Pernambuco), seu nome
era referenciado como um dos grandes possuidores de um cabedal de conhecimento
sobre a filosofia rotária; sua lógica, suas regras, seus regimentos.
Paulo
Macedo era, o que se poderia dizer, um homem de fino trato. Voz mansa, nunca se
alterava. Falava de coisas relevantes e fugia de assuntos constrangedores.
Nunca o vi detratar ou mesmo falar com reticências sobre alguém.
Desde
o fechamento do Diário de Natal e de O Jornal de Hoje, em Natal, e da Gazeta do
Oeste e O Mossoroense, em Mossoró, Paulo Macedo mostrava preocupação com as
perdas que isso significava para o nosso Estado. Um povo que não lê não tem
intelecto, não tem saber, não tem alma. E o jornal (notadamente o impresso) é a
porta de entrada para isso, pois noticia e explica – principalmente explica –
os fatos, os atos e as ocorrências.
Era
assim o meu querido amigo Paulo Macedo. Teria muito mais a dizer sobre ele, mas,
abalado pelo seu falecimento, somente soube dizer pouco desse pequeno grande
homem, que agora está colhendo lírios nos campos do Senhor.
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