A
carnaubeira
Tomislav
R. Femenick - Jornalista
Em uma
das minhas últimas idas ao oeste potiguar, deparei-me com uma visão, para mim, inusitada:
na estrada, três caminhões transportavam troncos serrados de carnaubeiras. Até
os anos 1960, as várzeas dos rios Açu e Apodi eram naturalmente embelezadas
pelas gigantescas carnaubeiras e seu cultivo era uma atividade rendosa. As
palhas da planta forneciam o pó valioso que gerava riquezas, que alimentava
famílias inteiras e que faziam os proprietários ainda mais orgulhosos daquela
beleza rentável. Isso foi durante o ciclo da carnaúba; sua época áurea.
Uma vez “apurado” (processo de separação do pó,
que existe nas folhas da árvore), aquele pó se transformava em cera, que era
exportada para a Europa e para os Estados Unidos, onde tinha o mais variado uso
industrial como matéria-prima básica ou adicionada. No Brasil a cera de
carnaúba também era usada em larga escala, inclusive nos discos musicais.
Não era
somente a cera que gerava emprego, que tinha utilidade. A palha da carnaubeira
servia como matéria prima em profissão artesanal das mais curiosas. Dela se
ocupavam famílias inteiras no fabrico de esteiras, chapéus, bolsas, sacolas
(urus), peneiras (urupemas) e vassouras. Nas fazendas era utilizada no aparelhamento
de cangalhas e em coberturas de residências; nas salinas, na construção de
baldes de solidificação do sal. Na época em que os carnaubais perdiam parte da
sua beleza com a corte de palhas, ganhavam os proprietários com a venda dos
produtos. Era a riqueza em marcha.
A
percentagem do lucro nessas transações era alta, o que fazia crescer o
interesse pelos carnaubais. Todos ganhavam: os proprietários, os trabalhadores,
os agentes compradores, as firmas exportadoras e o governo, este com os
impostos.
Acontece
que muitos fatores conspiraram contra essa riqueza natural. Os imensos
carnaubais do Rio Grande do Norte, antes elementos de beleza telúrica e
produtores de riquezas, tiveram seus dias contados, como fatores econômicos.
Suas palhas, seu pó, já não mais têm a procura de antes. A ciência descobriu
produtos sintéticos que tomaram seu lugar. Já não mais se vê o trabalho
exaustivo de homens a cortar e juntar a palha rica, a apurar o pó gerador de
riquezas. Famílias já não mais se ocupam do artesanato da tecelagem de palhas.
As
despesas com o corte dos carnaubais e cozimento do pó aumentaram em escala nunca
esperada. Os mercados interno e externo diminuíram o consumo. A oferta de cera
excedeu a procura, e as vendas dos produtos de artesanatos estavam longe de
cobrir as despesas básicas de todo o processo produtivo.
Dos
carnaubais saía apenas uma pequena percentagem de palha e cera. Uma tênue
lembrança daquilo que foi uma atividade altamente lucrativa. Foi preciso parar
para evitar prejuízos maiores. Foi o início do fim da economia da cera de
carnaúba.
Diante
destes fatores adversos, os produtores de cera foram perdendo interesse e,
pouco a pouco, os imensos carnaubais ficaram esquecidos e isolados em sua
solidão. Continuam apenas como beleza nativa.
No Rio
Grande do Norte, especialmente, a atividade carnaubeira enquadrou-se no quadro
de ocupações deficitárias. As despesas crescentes e a pouca comercialização do
produto deixavam ocioso por muito tempo o capital empregado. Além do mais, com
a demora de comercialização, a cera perdia peso, aumentando o prejuízo.
O
resultado foi o abandono dos carnaubais, que estão condenados à extinção,
quando muitos proprietários já iniciaram sua derrubada e a consequente
“operação arranca do toco”, a fim de desocupar as terras para outros cultivos.
Hoje a carnaubeira é simples madeira para
construção; como vi naquela carga dos três caminhões.
Tribuna
do Norte. Natal, 26 jul. 2020.
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