26/07/2020



A carnaubeira
Tomislav R. Femenick - Jornalista

Em uma das minhas últimas idas ao oeste potiguar, deparei-me com uma visão, para mim, inusitada: na estrada, três caminhões transportavam troncos serrados de carnaubeiras. Até os anos 1960, as várzeas dos rios Açu e Apodi eram naturalmente embelezadas pelas gigantescas carnaubeiras e seu cultivo era uma atividade rendosa. As palhas da planta forneciam o pó valioso que gerava riquezas, que alimentava famílias inteiras e que faziam os proprietários ainda mais orgulhosos daquela beleza rentável. Isso foi durante o ciclo da carnaúba; sua época áurea.
Uma vez “apurado” (processo de separação do pó, que existe nas folhas da árvore), aquele pó se transformava em cera, que era exportada para a Europa e para os Estados Unidos, onde tinha o mais variado uso industrial como matéria-prima básica ou adicionada. No Brasil a cera de carnaúba também era usada em larga escala, inclusive nos discos musicais.
Não era somente a cera que gerava emprego, que tinha utilidade. A palha da carnaubeira servia como matéria prima em profissão artesanal das mais curiosas. Dela se ocupavam famílias inteiras no fabrico de esteiras, chapéus, bolsas, sacolas (urus), peneiras (urupemas) e vassouras. Nas fazendas era utilizada no aparelhamento de cangalhas e em coberturas de residências; nas salinas, na construção de baldes de solidificação do sal. Na época em que os carnaubais perdiam parte da sua beleza com a corte de palhas, ganhavam os proprietários com a venda dos produtos. Era a riqueza em marcha.
A percentagem do lucro nessas transações era alta, o que fazia crescer o interesse pelos carnaubais. Todos ganhavam: os proprietários, os trabalhadores, os agentes compradores, as firmas exportadoras e o governo, este com os impostos.
Acontece que muitos fatores conspiraram contra essa riqueza natural. Os imensos carnaubais do Rio Grande do Norte, antes elementos de beleza telúrica e produtores de riquezas, tiveram seus dias contados, como fatores econômicos. Suas palhas, seu pó, já não mais têm a procura de antes. A ciência descobriu produtos sintéticos que tomaram seu lugar. Já não mais se vê o trabalho exaustivo de homens a cortar e juntar a palha rica, a apurar o pó gerador de riquezas. Famílias já não mais se ocupam do artesanato da tecelagem de palhas.
As despesas com o corte dos carnaubais e cozimento do pó aumentaram em escala nunca esperada. Os mercados interno e externo diminuíram o consumo. A oferta de cera excedeu a procura, e as vendas dos produtos de artesanatos estavam longe de cobrir as despesas básicas de todo o processo produtivo.
Dos carnaubais saía apenas uma pequena percentagem de palha e cera. Uma tênue lembrança daquilo que foi uma atividade altamente lucrativa. Foi preciso parar para evitar prejuízos maiores. Foi o início do fim da economia da cera de carnaúba.
Diante destes fatores adversos, os produtores de cera foram perdendo interesse e, pouco a pouco, os imensos carnaubais ficaram esquecidos e isolados em sua solidão. Continuam apenas como beleza nativa.
No Rio Grande do Norte, especialmente, a atividade carnaubeira enquadrou-se no quadro de ocupações deficitárias. As despesas crescentes e a pouca comercialização do produto deixavam ocioso por muito tempo o capital empregado. Além do mais, com a demora de comercialização, a cera perdia peso, aumentando o prejuízo.
O resultado foi o abandono dos carnaubais, que estão condenados à extinção, quando muitos proprietários já iniciaram sua derrubada e a consequente “operação arranca do toco”, a fim de desocupar as terras para outros cultivos.
 Hoje a carnaubeira é simples madeira para construção; como vi naquela carga dos três caminhões.
Tribuna do Norte. Natal, 26 jul. 2020.

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