A legitimidade das decisões judiciais (III)
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
Como eu seguidamente tenho dito aqui, o grau de legitimidade de uma
decisão judicial depende de muitos fatores. Já falei do recrutamento dos
juízes, da composição dos tribunais, da imparcialidade e do renome do
juiz prolator da decisão, da fundamentação da decisão em si e da sua
acessibilidade, assim como da aceitação dessas decisões pelos demais
Poderes do Estado.
Hoje eu gostaria de continuar esta série de
artigos tratando de mais algumas coisitas que acho fundamentais em prol
da legitimidade das decisões judiciais.
Antes de mais nada,
penso que devemos exigir da atividade jurisdicional – e, por
conseguinte, do seu principal produto, as decisões judiciais – o
respeito a determinados valores. Cito aqui, de logo, os seguintes:
estabilidade, previsibilidade, celeridade e igualdade.
Um
direito estável é salutar para qualquer país. A instabilidade, com
regras de direito constantemente reformuladas e aplicadas de maneira
inconsistente, prejudica muito a legitimidade de um sistema jurídico. E,
infelizmente, sofre o nosso sistema, num grau altíssimo, do problema da
instabilidade. No plano jurisprudencial, basta lembrar que, no Brasil, a
sorte dos litigantes fica muito ao sabor das frequentes mudanças das
composições dos tribunais e das mudanças de entendimento decorrentes
disso. Para não falar das meras idiossincrasias do juiz do caso.
Um segundo valor que desejo enfatizar aqui, interligado à estabilidade,
é a previsibilidade ou a certeza do direito. Um direito estável
estabelece a pretensão de que é uma verdade válida não apenas para hoje,
mas também – e aí entra a previsibilidade – para o futuro, em todos os
casos iguais ou parecidos. Disse certa vez Eugen Ehrlich (1862-1922), um
dos fundadores da jurisprudência sociológica, em “Fundamentos da
sociologia do direito” (texto constante do livro “Os grandes filósofos
do direito”, publicado pela editora Martins Fontes em 2002), em favor da
previsibilidade: “há uma grande necessidade social de normas estáveis, o
que torna possível, em certa medida, prever e predizer as decisões e,
desse modo, colocar um homem em condições de tomar as providências
necessárias de acordo com isso”.
Um outro valor, não menos
importante, é a celeridade na condução dos processos e na apresentação
do seu produto final, a decisão judicial transitada em julgado. Não
haverá o devido acesso à justiça se a prestação jurisdicional é dada
tardiamente. E isso, de tão óbvio, nos soa até um clichê. Mas a busca da
celeridade não é um interesse apenas do jurisdicionado. É também em
prol da própria legitimidade das decisões proferidas pela Justiça que o
processo deve encerrar-se no menor lapso de tempo possível. E esse é um
objetivo que deve ser perseguido pelo Poder Judiciário diuturnamente com
a adoção dos mais variados institutos, mecanismos e critérios que lhe
poupem tempo e energia na solução dos seus inúmeros casos.
Por
fim, quanto a esses valores, quero ressaltar aqui a questão da
igualdade, que alguém já chamou de o “fundamento último” da justiça. O
princípio da igualdade perante a lei – proclamado em termos jurídicos na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), art. VII – vem sendo
consagrado, como um verdadeiro dogma político e jurídico, nas mais
diversas constituições, dos mais diversos países, como é o caso da
Constituição brasileira de 1988. Mas é preciso ter em mente que o
princípio da igualdade perante a lei, até por uma questão de psicologia
social, não pode ficar apenas no plano normativo. Dar soluções
diferentes a situações iguais ou parecidas não pareceria direito, mas
sim pura arbitrariedade. O valor igualdade, portanto, deve ter lugar de
destaque na solução dos casos concretos na vida em sociedade. Afinal,
como José Alberto dos Reis (1875-1955) certa vez indagou (apud Roberto
Rosas e Paulo Cezar Aragão, em “Comentários do Código de Processo
Civil”, editora Revista dos Tribunais): “que importa a lei ser igual
para todos, se for aplicada de modo diferente a casos análogos?”. A
desigualdade na aplicação da lei, podem ter certeza, fere de morte a
legitimidade da atividade jurisdicional.
Bom, eu sempre digo que
não conheço uma regra de ouro para a aplicação do direito. Mas, se
quisermos fomentar esses quatro valores (estabilidade, previsibilidade,
celeridade e igualdade), em prol de uma maior legitimidade das decisões
judiciais, um excelente caminho é realmente adotarmos e respeitarmos
uma doutrina geral de precedentes vinculantes. Faria muito bem,
asseguro. Mas isso – a doutrina dos precedentes – é um outro (e longo)
assunto.
Por enquanto, já finalizando, apenas introduzo, ainda
na temática da legitimidade das decisões judiciais, as questões que vou
abordar no próximo artigo (o último desta série, prometo): a necessidade
de que realmente fundamentemos as nossas decisões judiciais nas leis e
na Constituição do país (e não naquilo que é a nossa convicção ou no que
são os nossos pré-conceitos) e, claro, a questão final (e deveras
problemática) da aceitação popular propriamente dita.
Marcelo Alves Dias de SouzaProcurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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