Folclore não é só Alegria
e em Agosto Não!
(*) Gutenberg Costa
O
dia internacional do folclore comemora-se em 22 de agosto. A palavra Folk-Lore
foi criada a partir de um artigo do arqueólogo inglês Willian John Thommes, no
ano de 1856, em que o mesmo reuniu tudo o que era ligado às tradições e
costumes do povo com esta denominação: Folk-Lore – Folk (Povo) e Lore (Saber).
Cultura
do povo e artista do povo! Umbilicalmente ligados e sabe-se muito bem que o
artista popular come todos os dias e não vive só de sua arte. Ele adoece e sua
panela de vez em quando fica vazia. E o folclore se vive todo santo dia, quer
queiram ou não as ditas autoridades!
No
Rio Grande do Norte o folclore tem como maior representação o nome do mestre
Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), que entre outras importantes obras, deixou-nos
o conhecido internacionalmente: Dicionário do Folclore Brasileiro, que
esse ano completa 60 anos de sua publicação.
Além
do mestre Cascudo, outros nomes potiguares também tiveram destaques, como
Veríssimo de Melo, Gumercindo Saraiva, Raimundo Nonato, Hélio Galvão, Oswaldo
de Souza, Manoel Rodrigues de Melo, Oswaldo Lamartine, Oswaldo de Souza, Vingt -
Un Rosado, Getúlio Araújo, Deífilo Gurgel, Raimundo Soares de Brito, Miriam
Gurgel Maia, Lauro da Escóssia e Celso da Silveira, entre outros defensores das
nossas tradições... E o Estado do RN, desde o final do ano passado, é orgulho
nacional na pessoa do nosso folclorista Severino Vicente, que assumiu a
presidência da Comissão Nacional de Folclore. O primeiro potiguar desde o ano
de 1948.
Desde
que o citado arqueólogo denominou de ‘folclore’, tudo que era relacionado à
tradição, foi então criada à ciência da ‘folclorística’. Estudo sério que é respeitado
pelos folcloristas ou folclorólogos, como alguns assim chamam esses estudiosos que
teimam em brigar pela cultura do nosso povo. O estudioso da cultura popular não
pode viver fechado em gabinetes. Agarrados ao contra cheque e de reuniões no ar
condicionado. Longe dos fazeres e saberes dos mestres e mestras. E quem diabo
sabe o que é um Grió, lá na feira de Pendências? Mestres sempre serão mestres!
E folclorista
não existe sem sentir as alegrias e lamentos de seus mestres e para isto é
necessário adentrar em seus casebres e terreiros. Além de ver a panela vazia do
artista popular de perto, o folclorista é aquele que pesquisa, coleta, estuda,
interpreta, compara, compra livros e de vez em quando publica o resultado de
seus estudos e pesquisas em livros, revistas e jornais. O mesmo participa de
encontros, seminários, simpósios, congressos. É um estudioso atualizado e
principalmente tem que ler muito, já que o assunto é muito vasto e não se
aprende em Universidades. Gasta-se muito e ganha-se pouco, pois não é uma área
de investimentos como outras que as pessoas seguem recomendadas pelo
capitalismo globalizante vigente e exigido. É antes de tudo, uma área de amor e
paixão. Quem entra não saí e quem sai é por que nunca o seria em sua
essência! Não conheço folclorista rico
com o fruto de seu trabalho cultural, nem sem uma boa biblioteca em sua casa também
cheia de bugigangas. Dinheiro não se junta, mais geralmente se morre velho e
rodeado de boas amizades, lembranças e geniais ensinamentos. Não conheço
politico folclorista, nem muito menos folclorista fanático partidário.
Nós
folcloristas, preferimos viver uma vida simples, sem apego ao contracheque e ao
poder temporário e deslumbrante. Não vendemos a alma ao diabo, para fazer parte
do poder politico. Rezamos na cartilha do filósofo espanhol ‘Calderon de La
Barca’: - “Ao rei tudo, menos a honra”. Folclorista
tem que ser teimoso e independente, se não o mesmo não sai de casa! A minha
temática de pesquisa e preferência é mais centrada nos apelidos, tipos
populares, cordel, xilogravura, religiosidade, oralidade popular, festejos
juninos, festas tradicionais e carnaval.
O
estudo do folclore é muito complexo diante de sua dimensão, mas é apaixonante
em inúmeros aspectos. A tal ‘depressão’ e o tal do ‘stress’ fogem de
folclorista, feito o diabo da cruz! Folclorista vai frequentemente as feiras e
mercados. Conversa com o povo e deste aprende muita sabedoria. Gosta de música
regional e de boa qualidade, festa popular, toma café em choupanas nos sítios e
adora comida típica. Apreciam as conversas de barbearias, farmácias e calçadas
do sertão. São espirituosos, simples e humildes.
São
pessoas respeitosas com as crenças e saberes do povo. Homens e mulheres
desgarrados de preconceitos e medos. Gostam de viajar e muitos apreciam uma boa
pinga que ninguém é de ferro. Raridade entre nós, foi o mestre Deífilo Gurgel
que nunca provou da boa ´água que passarinho não bebe’. Chegando à Goiânia/GO,
na casa do folclorista e amigo Barianni Ortêncio, logo fui ‘batizado’ com uma
sua cachaça acompanhada de - cajuzinho azedo e paçoca: “Bão, agora o irmão tá batizado no folclore goiano!”.
Não
conheci ainda folclorista orgulhoso, rico e ateu. O mesmo pesquisa seriamente num
terreiro de Umbanda, como do mesmo modo vai a uma Igreja Católica, Evangélica
ou Kardecista. Também entra com altivez em um palácio governante do mesmo jeito
que se senta num tamborete em baixo de uma latada para ouvir os ensinamentos de
um sábio mestre sem diploma universitário. O folclorista é educado e
diplomático, mas ao mesmo tempo é uma pessoa briguenta na defesa da cultura
popular e não admite injustiça contra os artistas mais humildes que fazem parte
deste riquíssimo universo.
Geralmente
não se filiam a partidos políticos para não serem submissos ideologicamente.
Podem ser considerados reacionários, chatos, conservadores e ultrapassados por
aqueles que defendem uma ‘cultura’ que não é a nossa... E como já dizia o nosso
saudoso compositor potiguar ‘Elino Julião’: - “Na minha rede não”!
E diante do exposto, aconselho aos jovens que querem
entrar na área do folclore, que estudem muito antropologia cultural, social,
história, geografia, sociologia... Vão a campo e pesquisem meus jovens. Anotem,
gravem, coletem e publiquem. Mas antes de tudo, esqueçam fama e dinheiro! E agora
que já conversei muito, digo-lhes relembrando, como alegremente ‘despachava’ os
seus visitantes, o mestre Cascudo: ‘E querem
mesmo ser folcloristas’? ‘Mesmo com
todos os sacrifícios e sem riquezas’? ‘Ou vão preferir o conforto e aceitar certos
submissos Cargos Comissionados’? ‘E se assim quiserem essa segunda opção, vão baixar
em outros terreiros’?
E finalizo
lembrando-os duas coisas: Não vi ainda uma plaquinha na entrada de
Natal para avisar aos turistas da Copa que aqui alguns conterrâneos ainda orgulham-se
do genial Luiz da Câmara Cascudo. E que o folclore não é só alegria não, como
também não se pode só lembra-lo em agosto não!