27/02/2014



MARIA: A PRIMEIRA MULHER BRANCA NO BRASIL
Por: Gileno Guanabara, advogado.

O registro da primeira mulher branca que pisou no solo do Brasil tem a ver com as notícias das primeiras viagens de colonizadores portugueses e das expedições corsárias aportadas aqui. Considerado o hiato inicial da colonização que vai de 1500 até o ano de 1530, alega-se que Martim Afonso de Souza deixara muitos casais na Capitania de São Vicente. Entretanto, as expedições marítimas vindas de Portugal ou não, praticavam o escambo, faziam o reconhecimento do litoral, ou combatiam a pirataria, em especial a dos franceses.
A feitoria de Pernambuco fora destruída pelos corsários franceses, quando em 1531 o navegador Martim Afonso partiu e chegou no Brasil em janeiro do ano de 1532. Havia já as feitorias de Porto Seguro, de Cabo Frio, e a de Cananeia. Vencida a frota francesa, Martim Afonso seguiu em reconhecimento pelo litoral. Chegou à Feitoria de São Vicente, seguindo até o Rio da Prata, onde naufragou.
Dado o descaso da Metrópole para com a ocupação da fazenda, ocorriam pelo litoral incursões frequentes de franceses e ingleses. Daí a recomendação do Rei João III a Martim Afonso para fundar a Capitania de São Vicente, antes feitoria conhecida por Porto dos Escravos. Pelo resultado econômico obtido da escravatura vermelha, o navegador a ela também se dedicou, o que já era praticado pelos colonos que habitavam a região e exploravam madeiras de lei e incursionavam pelo sertão, aprisionando e comerciando milhares de indígenas, para outras colônias, até para a Europa. 
São várias as indicações que negam a versão de que os primeiros casais e mulheres teriam chegado a bordo das caravelas daquele navegador e distribuídos ao longo do litoral. O Diário da Expedição de Martim Afonso de Souza, encaminhado ao Rei de Portugal, D. João III, escrito pelo seu irmão, Pero Lopes, não faz referência à presença de mulheres ou de casais a bordo da expedição. Na época, em Portugal, o nome brasil era sinônimo de castigo, de pena: homicida, brasil nele; ladrão, Brasil nele; falsificador de moeda, Brasil nele. Os milhares de criminosos trazidos para o Brasil revelam o caráter punitivo das expedições compostas na maioria de condenados arrebanhados nas prisões. Diante da onda de crimes hediondos praticados pela escória que aqui chegou , Duarte Coelho, Donatário de Pernambuco, a chamava de peçonha. Havia a previsão de combates iminentes e a costa marítima era infestada de perigos.  A par dos párias que Portugal remeteu para a Colônia, os desorelhados, se achavam aqui náufragos, homiziados e cristãos-novos sobreviventes da Inquisição, que mantiveram relações com as gentias, fundando os primeiros núcleos de povoamento.
O cosmógrafo espanhol Afonso de Santa Cruz integrante da esquadra de Sebastião Caboto, no ano de 1530, no relato do reconhecimento que fez (Islário) até a Feitoria de Cananeia, descreveu o povoamento de São Vicente, segundo ele, composto de dez ou doze casas de pedras, com esteiras servindo de portas e folhas largas de palmeira por cobertura. Detalhou o escambo de indígenas que ali era praticado. São Vicente se tornou a primeira vila e cidade (1534), haja vista a criação da sua Câmara Municipal.
Outra fonte, a carta de D. João III, rei de Portugal, dirigida ao fidalgo Martim Afonso de Souza, publicada em 1748, por Luis Lobo (Nobiliário, Tomo I) e Antônio Caetano de Sousa (História Genealógica - Provas vol. VI), é um verdadeiro registro da criação da Capitania de São Vicente. Na missiva real datada de setembro de 1532 se encontram as informações segundo as quais as terras de São Vicente seriam a melhor porção da colônia. Orientava o seu povoamento e ordenava a divisão da terra em lotes de cinquenta léguas, desde Piratininga até o Rio da Prata. Noticiou El Rei a ordem dada ao conde de Castanheira, a fim de apartar e doar cento e cinquenta léguas de terra nos melhores limites dessa costa do Brasil, em favor do comandante da esquadra e do seu irmão Pero Lopes.
Em referência à expedição de Martim Afonso, existe ainda a missiva do marinheiro inglês, Thomas Crasley, integrante da esquadra, dirigida a um mercador de Londres, parte da documentação quinhentista, publicada em 1890 pelo editor Goldsmith, de Edimburgo. A carta foi objeto de referência de Oliveira Lima, em conferência que proferiu em Londres, na Real Sociedade de Geografia, no ano de 1911. Revelou aquela correspondência um episódio importante. Durante a passagem pela ilha da Madeira, cristãos-novos pediram ao comandante, Martim Afonso, para embarcar e vir para a Colônia, com suas mulheres e filhos menores, o que não lhes foi permitido, haja vista a alegação de não haver mulheres nem crianças na tripulação, dados os objetivos da expedição.
Portanto, a conclusão que se obtém é que, até o tempo da passagem de Martim Afonso pela Feitoria que lhe outorgou El Rei, depois Capitania de São Vicente, a primeira em terras do Brasil, o pavor do novo mundo desautorizava a vinda de mulheres para cá, o que somente veio a ocorrer anos depois, trazidas do reino e das ilhas da Madeira e dos Açores, conforme noticiam os registros das sesmarias. Inclusive, se facilitou para que colonos aqui já localizados trouxessem suas mulheres e filhos.
Essa informação se agasalha nas informações do livro Memórias da Capitania de S. Vicente (1707), do beneditino Gaspar da Madre de Deus. O padre se refere ao despacho lavrado no mês de julho de 1538, no pedido feito pelo meirinho João Gonçalves, morador da Vila de S. Vicente, dirigido ao padre Gonçalo Monteiro, que era o lugar-tenente da Capitania e vigário da Vila recém-fundada. João Gonçalves pedia uma sesmaria em Iripiranga, com o propósito de plantar, alegando ser casado, com mulher e filho, morador em toda a dita terra, passa de um ano... Teria sido o primeiro homem que veio povoar, estabelecido com mulher e filho, por mais de ano anterior à data daquele despacho, conforme os registros respectivos.
Em face das primeiras notícias relativas ao Brasil, até a chegada de Martim Afonso; da fundação da Capitania de São Vicente e a vinda posterior de casais e de mulheres para a colônia; e das anotações de Gaspar da Madre de Deus, dissiparam-se as dúvidas. A primeira mulher branca que se tem notícia na colônia, no ano de 1536, se chamou Maria da Silva. Era esposa, dera um filho e fora referência do colono João Gonçalves.

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