15/11/2019


MEMÓRIA POPULAR


Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

01) Corria o ano de 1981. Avizinhava-se a campanha eleitoral para governador, travada entre Aluízio Alves e José Agripino. No bairro de Ponta Negra, o ex-deputado Patrício Junior mostrava a sua casa ao candidato da oposição para servir de escritório político. E os dois caminhavam pelos aposentos, acompanhados do ex-deputado Luís Antônio Vidal. Quando chegaram ao compartimento da biblioteca de Patrício, Luís Antõnio não se conteve: “Fico imaginando, meus Deus, que crimes esses livros cometeram para virem parar nessa biblioteca!”.
02) Câmara Cascudo, o mestre de todos nós, recebeu uma carta de um professor da Universidade Americana de Yale com uma indagação escalafobética: “Mestre, jacaré dorme de noite ou de dia?”. Reação de Cascudo: “Eu tenho cara de babá de jacaré? Tudo isso acontece em razão de minha laboriosa inutilidade”. Desabafa o mestre em cima da burrice do americano.
03) Certa vez, em Brasília, Avelino Matias, ex-prefeito de Brejinho, vulgo “Meu Pai”,  hospedou-se no Hotel Gávea com os prefeitos Dr. Estrela, de São Tomé, e Janilson Ferreira, de São José de Mipibu. Sentindo-se doente, não os acompanhou a uma audiência. Tendo um colega como hóspede do mesmo apartamento, Avelino foi consultado pelo Dr. Estrela, que mandou o office-boy comprar os medicamentos. Quando Janilson (muito ligado a “Meu Pai” e da mesma região) retornou, à noite, foi logo perguntando se ele estava melhor. Avelino fez um gesto triste e neutro de nem sim, nem não. “Tomou o remédio?”, indaga Janilson. “Não”, responde Avelino, “Só quando você der uma espiada”.
04) Uma dimensão digna de registro é a do simples, do bom, do despojado de malícia ou de esperteza. Assim é Manoel Ferreira de Lima, pequeno agricultor e proprietário que pontificou na política nos anos setenta e oitenta como vereador em Macaíba. Dele, até, já narrei alguns causos hilários. Nessa história que agora tomei conhecimento, ampliou-se o lado humano e ingênuo de Manoel, quando o seu impertigável fusquinha abalroou o automóvel de um vizinho, indo o caso parar na delegacia local. Manoel nunca aprendera a dirigir direito. A sua carteira era dos bons tempos de Gastão Mariz. Colidira a traseira do Corcel II do seu amigo e queria ter razão. O seu argumento era o mais frágil, pois não achava amparo na lei, no dicionário, nem na mecânica automobilística: “O problema, Seu Delegado”, disse Manoel Ferreira com aquele sotaque matuto de Campo Redondo, “é que ele não ligou as “lantejolas” do carro pra me dizer para onde ia!”.
05) No dia 1º de fevereiro de 1973, assumi a prefeitura de Macaíba com todas as honras de praxe. Retomava a corrente partida por três prefeitos anteriores que não eram naturais de Macaíba. Dia seguinte, vesti paletó e gravata e solenizei o primeiro expediente debaixo da expectativa geral dos funcionários e curiosos, que me espreitavam pela janela do gabinete do antigo prédio da prefeitura, construído em 1933, em frente à Igreja Matriz. Ao cabo de quinze minutos, assustei-me com o barulho estranho na porta de vai-e-vem (aquelas de bar de faroeste): Seu Antônio Lacerda, bronco, funcionário do açougue municipal, segurando uma lata de querosene, pedia-me uma providencia que contras-tava com o novo estilo cerimonialista em curso. Com voz arrastada e estridente, o velho servidor colocou a lata sobre o meu birô e queixou-se: “Dotô, faz mais de mês que eu peço para “sordar” a lata de lavar o açougue e nada. Só o senhor mermo!”. Fitei a lata, o funcionário e o meu terno e refleti o paradoxo. Nunca mais ali, vesti paletó.
06) De outra feita, preocupado com os recursos escassos do erário municipal, reclamei aos auxiliares e amigos das dificuldades de administrar uma prefeitura. Por outro lado, o povo não deixava de pedir tudo, como se ali fosse uma casa de assistência social. “Ando de carteira vazia por causa dos pedintes de plantão”, resumi. Nisso, a secretária abre a porta do gabinete e anuncia: “Prefeito, aqui fora tem um Eliseu que quer falar com o senhor”. “Valha-me Deus”, exclamei, “um cara com liseu no nome não tem futuro! É azar, mesmo. Mande entrar, para chorarmos juntos”.

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