MACAÍBA: 140
ANOS (2017)
Valério
Mesquita*
O ponto alto das comemorações dos 140 anos da emancipação
política e administrativa de Macaíba será o aniversário de 208 anos de nascimento
do seu fundador Fabrício Gomes Pedroza, cujas cinzas foram trasladadas do Rio
de Janeiro para a igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição. O 27 de outubro
de 1877, pela lei nº 801, Macaíba – que antes se chamava Coité – desmembrou-se
de São Gonçalo. Aí amplia-se o período de esplendor comercial do porto de
Guarapes que irradiou energia econômica a todos os quadrantes. Monopolizou o
sal para o sertão, incentivou a indústria açucareira do vale do Ceará-Mirim,
financiou a produção adquirindo as safras das fazendas de algodão, cereais,
couros e peles. Fundou a “Casa dos Guarapes” e do alto da colina comandou o seu
mundo de transbordamentos, onde tudo era rumor, vida, agitação, atividade.
É nesse vácuo de duzentos anos que reside a minha perplexidade.
Um silêncio dominado pelo abandono e a indiferença. Ninguém coloca em cena a
coragem de contemplar restituído o universo oculto de Fabrício que fez brilhar
o nome de Macaíba dentro e fora do RN, na segunda metade do século dezenove.
Não bastam, apenas, reprisá-lo com lendas e narrativas, como tivesse sido um
mundo de ficção. Melhor que a dispersão da palavra solta é ouvir o eco de suas
paredes reerguidas, das vozes trazidas pelo vento das vidas que não se
pulverizaram mas renasceram pelas mãos das novas gerações. Esse universo
semidesaparecido, clamo por ele, aqui e agora, afirmando que a melhor imagem de
um homem, após a morte, não são as cinzas, mas a obra (casarão dos Guarapes)
que legou à posteridade, revivida e restaurada como reconfortante e fiel
fotografia de sua história e vida.
Como guerreiro solitário, luto há mais de quinze anos pela
restauração dos escombros do empório dos Guarapes. Como membro, àquela época,
do Conselho Estadual de Cultura do Estado, consegui o tombamento. De imediato,
no desempenho do mandato parlamentar obtive do governo a desapropriação da área
adjacente. Batalhei, em alto e bom som, junto aos gestores públicos a
elaboração do projeto arquitetônico, que, até hoje, dormita em armário
sonolento da burocracia. Foi uma agitação, apenas, que não se moveu nem
comoveu. Saí dos movimentos da superfície oficial, para as janelas da imprensa
e outras vozes, em coro uníssono, oraram comigo pelas ruínas da mais reluzente
história da economia do RN: os Guarapes. Todo esse conjunto de verdades fixas
foi ilusão imaginar que a lucidez jamais se disfarçaria em surdez. Como
enfrentei e venci no passado, partindo de perspectivas débeis e precárias,
óbices quase intransponíveis quando restauramos as ruínas do Solar do Ferreiro
Torto a Capela de Cunhaú, sinto que não perdi os laços entre a fragmentação do
sonho e a fé incondicional no meu pragmatismo, de que tudo, até aqui, nada foi
em vão.
Reproduzir a realidade, tal que se imagina que fosse, o
burburinho comercial e empresarial daquele tempo de Fabrício, faz-nos refletir
e aprender para ensinar aos jovens de hoje através de exemplos, imagens e
ritmos, a saga de que vultos como o dele iniciaram uma figuração, nova, nítida
e luminosa, pouco tempo depois, numa Macaíba que começava a nascer com Auta de Souza,
Henrique Castriciano, Tavares de Lyra, Augusto Severo, Alberto Maranhão, João
Chaves, Octacílio Alecrim e outros que construíram em modelos de vidas o
prestigio da terra natal – que não se evapora, nem se desmancha. Essa realidade
para mim é tensa e inquieta, porque cabe hoje revivê-la em todos nós. É
imperioso que os nossos governantes tracem esboços para uma saída, uma
superação, criando-se fendas e passagens, para juntos, todos, respirarmos o
oxigênio da convivência com os nossos antepassados. Se todos nós pensarmos
assim, com cada palavra significando labareda, lampejo, no centésimo quadragésimo
aniversário, derrubem, pois, os obstáculos que impedem as luzes do empório dos
Guarapes refletirem sobre a posteridade. Se assim não agirmos tudo será cinzas.
(*) Escritor.
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