A CENSURA DE VOLTA?
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
Outrora,
aqueles que mais se diziam perseguidos pelo regime de exceção, hoje
defendem abertamente a censura. Artistas embargam a publicação de suas
biografias não autorizadas. Políticos manifestam-se, ameaçando amordaçar
a imprensa e as redes sociais. Tramita no Congresso Nacional projeto de
lei, cujo objetivo consiste em criminalizar quem fala mal de políticos
na mídia, especialmente na internet. Muitos representantes do povo e
ocupantes de altos cargos querem também outro tipo de imunidade: a
isenção de críticas sobre suas posturas e ações. Uns agem à sorrelfa;
outros são diretos. Declaram que pretendem regular a imprensa e
controlar a internet. “Quantum mutatus ab illo”, dizia Virgílio, pouco
conhecido, pois não se estuda mais a língua do Lácio.
Há
profissionais da política que falam em democracia, mas não a mesma
ansiada pelos cidadãos. Quem deseja de volta a censura, cultiva planos
autoritários. Nesse ponto, as ideologias se dão as mãos. Se não nas
ideias, ao menos nos métodos intimidatórios. Conversas grampeadas
(autorizadas ou não) e delações premiadas causam mal-estar em pessoas
citadas ou acusadas de ilícitos penais. Algumas figuras públicas e
autoridades lutam para ver, a todo custo e rapidamente, o enterro de
tudo o que tenta higienizar a “res publica” brasileira. O intento de
conter a mídia ou intimidá-la faz parte do mesmo esquema. Visa a
silenciar a opinião pública e inibir qualquer ação legal e ética contra
grupos que dominam a política nacional. Assiste-se a um golpe articulado
por membros de vários partidos, que defendem seus próprios interesses e
não os do Estado. Isto seria o domínio do mal, levando a perpetuar a
corrupção e a impunidade no país. As frases do salmista ecoam em nosso
cotidiano: “Transbordam a ambição de seus corações. Zombam, falam com
malícia. E com arrogância ameaçam [os puros e os justos]. Assim são os
maus, aparentemente tranquilos. E com escárnio só fazem aumentar o seu
poder” (Sl 73/2, 7-8;11).
Censurar a internet no Brasil é mero
pretexto ou suposição e não o verdadeiro combate ao “cibercrime”. É
inegável que ali se veiculam calúnias, agressividade, intolerância,
radicalismo etc. O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito –
CPI do Congresso sobre os crimes cibernéticos sugere oito proposições
para evitá-los. No entanto, atacam diretamente direitos fundamentais,
tais como a liberdade de expressão e a privacidade. Mutilam as
conquistas mais importantes do marco civil da internet, sobretudo a
proteção aos internautas. Dentre as propostas do relatório, consta a de
transformar as redes sociais em órgãos censores, a fim de defender os
privilégios dos detentores de mandatos. Estes e outras autoridades
pretendem ser, diante da sociedade, inatacáveis, infalíveis e
imputáveis. As redes poderão ser punidas, tornando-se agentes de
vigilância permanente de seus usuários. Alguém, que ali afirmar algo
considerado “difamatório ou injurioso” contra um político, poderá
responder a processo criminal. Por conseguinte, milhões de brasileiros,
que venham a emitir críticas, correrão o risco de ser presos sob a
suspeita de cometer “crimes mediante uso de computador”. Tais atos
revestem-se de duvidosa e discutível criminalidade. Consta do citado
relatório a obrigação dos provedores de internet de revelar
automaticamente os dados pessoais dos internautas, sem a necessidade de
ordem judicial prévia. Isto significa que todos serão constantemente
monitorados. Tem-se o propósito de criminalizar a internet e colocá-la
sob o jugo do Estado. Esse é o caminho trilhado por países ditatoriais e
autoritários.
No Brasil, a liberdade de expressão e a mídia, quando
bem usadas, poderiam se tornar meios de deter a nefasta cultura da
corrupção. É lastimável que venham a ser ameaçadas para favorecer
ímprobos e inescrupulosos, sob a capa da proteção contra os cibercrimes.
Os abusos e violações na internet devem ser banidos. Mas, isso deve
acontecer com respeito aos direitos fundamentais, previstos na Carta
Magna de nossa pátria. Verifica-se, não uma tentativa de combater as
transgressões, e sim uma estratégia que busca o manto da legalidade –
embora ímpia e arbitrária – de afastar tudo o que incomoda os corruptos
no Brasil. “Até quando, ó Deus, os ímpios triunfarão e haverão de
proferir palavras de afronta”? (Sl 94, 3-4).
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