04/03/2014


O polonês que não gostava de dogmas
 
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, contador e historiador
 
Dois poloneses contribuíram para a queda do império soviético. De forma direta, Karol Józef Wojtyła, o Papa João Paulo II, profundamente arraigado aos dogmas da igreja católica, minou o poder político dos comunistas. De forma indireta e não intencional, Michal Kalecki, um economista marxista, porém antidogmático, ao estudar as causas e efeitos das contradições internas do capitalismo, terminou por contribuir para encontrar os meios de regeneração capitalista, depois de suas crises periódicas.
Aliás, economistas comunistas e socialistas sempre estudaram o comportamento do capitalismo. Não é à toa que a principal obra de Karl Marx se chama “O capital”, cujo primeiro volume foi editado em 1867. Somente para citar alguns expoentes, nos anos 1910 Rosa Luxemburgo publicou “A acumulação capitalista” e Lênin o seu “Imperialismo: fase superior do capitalismo”. Em 1922/24 o soviético Nikolai Dmitrievich Kondratiev, comunista de carteirinha, desenvolveu a “teoria dos ciclos econômicos”, segundo a qual no modo de produção capitalista existiriam períodos (com duração média 54 anos) com duas fases que se contrapõem. Na primeira os preços sobem e a taxa de desemprego se reduz. Na fase seguinte há queda de preços e cresce a taxa de desemprego, o que força o reordenamento da produção e da distribuição de riqueza; recriando as força do capitalismo. Obviamente suas conclusões não agradaram e Kondratiev foi deportado para a Sibéria, aonde veio a morreu em um campo de trabalho forçado. Nas últimas décadas do século passado Michel Aglietta, um marxista francês, despontou como o novo arauto da debacle capitalista, principalmente com o livro “Regulación y crisis del capitalismo”.
O que há de comum a todos eles é a busca do fim desse modo de produção. Quando não o encontram, tentam explicam porque o capitalismo sempre acaba vencendo as crises e se impondo, embora que remodelado.
Mas, voltemos a Michal Kalecki. Todo o seu pensamento é alicerçado em conceitos marxistas, tendo por base, se não a luta, porém o conflito de interesses das classes sociais. Suas teses, em parte muita parecidas com as de Keynes, foram desenvolvidas paralelamente ao do economista inglês, sem que houvesse interação entre os dois. Para o polonês, o âmago dos problemas da economia capitalista é o equilíbrio da demanda efetiva; a igualdade da procura por bens e serviços com a capacidade de pagamento dos consumidores. Assim, quando essa correlação de força é quebrada (procura x capacidade de pagamento) eclodem as crises, cuja solução exigiria uma forte intervenção do Estado na economia, incentivando o aumento da produção e emprego e, consequentemente, o aumento da massa de salários e capacidade de pagamento das pessoas. 
Para Kalecki, sempre que os investimentos privados sejam insuficientes para manter essa adequação, o Estado deve intervir no sistema produtivo, via financiamento das empresas ou assumindo diretamente a tarefa de gerar empregos. Para isso teria que aumentar o endividamento do governo, via lançamento de títulos públicos, cujo pagamento futuro seria facilitado pelo aumento da arrecadação de tributos, resultante do aumento da produção e circulação das mercadorias e serviços. Ao assumir essas ideias ele quebrou o dogmatismo do credo marxista e, indiretamente, ensinou o capitalismo a reviver e se fortalecer, ao final de cada uma das suas crises sistêmicas. 
Pagou caro por isso. Em 1968 o governo da Polônia, controlado pelos dogmáticos soviéticos, afastou Kalecki de todos os cargos público.
Tribuna do Norte. Natal 02 mar 2014.
O Mossoroense. Mossoró, 27 fev 2014.

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