12/03/2014

O Atheneu: múltiplas memórias

Publicação: 12 de Março de 2014 - Tribuna do Norte     
 
Ticiano Duarte
escritor

Foi com emoção que assisti, nas comemorações dos 182 anos de fundação do Atheneu, o lançamento do livro, “Construtores da Ágora Soberana Potiguar, Múltiplas Memórias”, organizado por Eva Cristini Arruda Câmara Barros e Diógenes da Cunha Lima. É um valioso testemunho das diversas fases de vida da nossa primeira Universidade, que por dever de justiça podemos nominá-lo, nosso mais tradicional e glorioso estabelecimento de ensino público, do Rio Grande do Norte.

Para Eva Arruda o meu testemunho e creio de todos que participaram da elaboração do livro, da sua abnegação, pertinácia, paciência e determinação para alcançar o objetivo de homenagear o Atheneu, sua história de cultura e inteligência, os antigos mestres, as gerações que por ali passaram, os diversos períodos de sua rica existência, o resgate de sua importância na formação de uma elite política e intelectual que serviu e ainda serve, não somente ao Rio Grande do Norte, mas ao Brasil.

O Atheneu está para mim, como no verso do poeta, “intacto, suspenso no ar”, com as suas salas de aulas, seus corredores, sua balaustrada, a presença inesquecível do velho diretor, Celestino Pimentel, sua roupa azul de todos os dias, a gravata vermelha, e os meninos cantando baixinho, em cadência: Lá vem Celé/na porta do pé/ligui/ligui/liguelhé...

Ainda ouço a voz de neurastênica e impaciente do bedel, Zé Bezerra. Não tinha a doçura dos seus companheiros de trabalho, Sérgio Santiago, João Elesbão de Macedo, Waldemar Pedrinha e Vicente Manga Rosa. Zé Bezerra era apelidado de Chamirranha. Udenista radical. Na eleição de 1947, disputada por José Varela e Floriano Cavalcanti, foi várias vezes às “vias de fato” com alunos simpatizantes do candidato pessedista, vitorioso. E Chamirranha levou desvantagem em todos os momentos que tentou impor-se pela força.

Mas havia uma figura que conheci em idade bem avançada, ainda trabalhando que era o inesquecível tio Emídio, o porteiro do Atheneu, nome oficial que se dava ao administrador do estabelecimento, que abria, fechava e zelava o prédio. Tio Emídio tinha histórias antológicas. Pertencia a uma família de tradição política. Fora deputado e o seu sogro, o vigário Bartolomeu Fagundes, antigo deputado provincial, assumira interinamente o governo por diversas vezes.

O Atheneu de tantas lembranças, de tantas histórias dos seus alunos e professores. O Atheneu de Cascudo e padre Monte. O Atheneu de Cipriano Barata, Dr. Barata, herói da revolução de 1917, apostolo da liberdade de imprensa, na luta pela independência do Brasil. Cipriano Barata que editava o jornal, “Sentinela da Liberdade”, escrito nas masmorras, onde viveu no mais longo período de vida, condenado pelos colonizadores portugueses.

O Atheneu dos meus melhores momentos de juventude. O Atheneu que me ensinou a amar a liberdade, que me fez conhecer os clássicos, o gosto pela leitura, a lição que aprendi que mais tarde Carlos Lacerda melhor definiu, o Brasil é como um homem que foi bêbado para a cama dormiu pouco e mal, mais que precisava acordar bem cedo pela manhã. Você tem que sacudi-lo, estapeá-lo. Se ficar fazendo festinha, ele não levanta. Daí porque às vezes me confundiram com alguns dos meus colegas mais radicais que sonhavam com soluções extremistas. Eu pensava que a agitação era necessária para sacudir o povo sonolento e alienado. Enfim, o Atheneu foi à grande escola de civismo de todos nós.

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