25/01/2017

DE FERIADO, DIDEROT E CHICO DE BRITO

Valério Mesquita*

01) Os feriados estão acabando com esse país. O Brasil é uma nação intestinal. Consumista. Carnavalesca. País do ponto facultativo. Se você somar os feriados brasileiros em cada ano  e o que se deixa de produzir no comércio, na indústria, na agricultura, na administração pública, enfim, em todos os setores de trabalho da vida nacional, vai achar um prejuízo abissal incalculável e irrecuperável. Com tanta perdularidade até parece que somos uma pátria rica. Só vou acreditar nas mudanças se ocorrer também uma reforma no calendário extinguindo alguns feriados, estaduais, federais e municipais. Cada país tem uma única data nacional. Qual a data nacional do Brasil? A Independência, Tiradentes ou a Proclamação da República? Escolha-se a mais importante e se dê o feriado. Feriar os três eventos é subcultura, subdesenvolvimento. Celebrar sim, feriar nunca. Isso porque, quem comemora o 15 de novembro, o 21 de abril? Ah, sim, as praias, o ócio porque as escolas, os governos, são os primeiros a fugirem e a esquecerem. Feriado religioso, por exemplo: praias cheias e igrejas vazias. O Brasil tem a sua santa padroeira. Tudo bem. Mas, milhares de municípios têm padroeiros e padroeiras. Alguns têm até dois ou três padroeiros de uma só vez. E pegue feriado. Negócio de português. De mameluco. De aristocracia politíco-religiosa decadente de tempos inquisitórios. Que se celebre o dia do padroeiro(a) mas, pra quê vadiar? O melhor lema é: viva o santo, viva a santa mas, viva também o trabalho e a produtividade. É preciso acabar com essa concepção consuetudinária e chula dos portugueses colonizadores. O mundo é outro. Estamos no final de um milênio e ainda adotamos as mesmas práticas de trezentos, quatrocentos anos atrás. Se você comparar o número de feriados nas nações do primeiro mundo com o do Brasil fica estarrecido. Não me venha com esse negócio de tradição, da índole do povo etc. E se for a índole a culpada, é índole ruim, caráter preguiçoso, embromador, cuja lei da vantagem deve ter nascido num feriado. O único feriado que o brasileiro obedece é o do carnaval. Aí sim, você olha o calendário e o povo, e acha a sintonia, a harmonia, a simbiose da data com a mentalidade. O único presidente que levou o país a sério foi Humberto de Alencar Castelo Branco. Enfrentou o preconceito dos medíocres, extinguindo vários feriados fanfarrões. Mas, ainda falta. Um dia esse país cria vergonha. Aleluia!
02) Diderot, o irreverente enciclopedista francês, ateu anticlerical e opositor ferrenho da monarquia, gostava de repetir que “só haverá paz e sossego no mundo quando o último rei for enforcado com as tripas do último padre”. Radicalismo nefasto igual a esse só se encontra semelhança em alguns políticos potiguares quando tratam da própria sobrevivência eleitoral. Dir-se-ia que a antropofagia virou Estado de Direito. E quando se trata das coligações políticas, “chapões” e alijamentos, a humanidade se prodigaliza no exercício do mal ao próximo e até ao distante. À propósito, a lei eleitoral é tão confusa, infusa e difusa que, em vez de inovar,  restaurou um malefício de há muito banido da legislação: a reeleição, o bicho papão retrógado, devorador de candidatos e deformador da representatividade política. Essa excrescência me devolve a lembrança enodoada da legislação discriminatória dos tempos do bipartidarismo, das legendas, sublegendas e do voto vinculado. Com a nova legislação eleitoral, os partidos se tornam presas fáceis de manobras casuísticas ao bel prazer de “igrejinhas” de candidatos cativos, nativos e muitos nocivos. Ou aplaudir e ser cúmplice ou protestar e ser vítima. Semana passada protestei e ouvi em defesa desse imblógrio, a declaração astuta mas fajuta de que para entrar na disputa o candidato tinha que apresentar densidade eleitoral. Perguntei de imediato, onde conseguir tal atestado. E isso me fez novamente recorrer ao rabugento Diderot quando, moribundo, no leito de morte, recebeu a visita de um padre trazido por amigos como misericórdia diante do último momento. Disse-lhe o sacerdote: “Vim confessá-lo em nome de Deus!!”. Diderot abriu um olho e num último esforço de maledicência, balbuciou: “Mostre-me as credenciais!!”. Do mesmo modo, na bendita lei de Chico de Brito, para ser candidato a qualquer posto, o postulante não se submete mais ao vestibular da ficha suja. Do contrário, quem está fora não entra e quem está dentro não quer sair. É a lei de Chico de Brito. O Diderot das Caatingas.

(*) Escritor.

24/01/2017

 
   
Marcelo Alves

 

O “Code Civil des Français”, de 1804, como muitos de nós sabemos, é também conhecido como o “Código de Napoleão”. Merecidamente, claro, dado o reconhecido empenho pessoal do Cônsul/Imperador na elaboração e promulgação desse monumento legal. O que poucos sabem é que, para além de Napoleão (1769-1821), sob os pontos de vista político e sobretudo jurídico, o Código Civil dos franceses teve um segundo “pai”. Seu nome: Jean-Jacques-Régis de Cambacérès (1753-1824). 

Eminente jurista e homem de estado, Cambacérès nasceu em Montpellier, em 1753, no seio de uma nobre família de juristas. Em 1772 formou-se em direito e sucedeu o pai na profissão. Embora moderado, apoiou a Revolução Francesa em 1789. Foi até eleito, como suplente, para o encontro dos Estados Gerais. Entre outras coisas, foi juiz/presidente do Tribunal Criminal de Hérault. Participou da Convenção Nacional que proclamou a 1ª República Francesa em 1792. Durante a Revolução, foi membro do Comitê de Defesa Geral e do famoso Comitê de Segurança Pública (numa fase bem mais tranquila deste), diplomata e Ministro da Justiça. Apoiou Napoleão no 18 de brumário. Durante o período do Consulado, de 1799 a 1804, foi um dos chefes de Estado, como 2º Cônsul, juntamente com o 1º Cônsul Napoleão Bonaparte e o 3º Cônsul Charles-François Lebrun (1739-1824). Pertenceu à Academia Francesa. Foi arquichanceler do Império. Dirigiu o Conselho de Estado. Exerceu muitas vezes de fato o poder imperial, quando da ausência do Imperador da França. Em suma, em vida, na política francesa, da Revolução ao apogeu napoleônico, além de “pai” do “Code Civil des Français”, Cambacérès foi quase tudo. 

Entretanto, sem dúvida, para a posteridade, o maior legado de Cambacérès foi o Código Civil francês, cuja elaboração e aprovação devemos muito a ele. Na verdade, Cambacérès foi o responsável pela elaboração de pelo menos três projetos de Código Civil para a França. Como explica Antonio Padoa Schioppa (em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea”, edição da WMF Martins Fontes, 2014): “A [primeira] iniciativa para a composição de um Código Civil foi encaminhada no ápice do período jacobino: no verão de 1973, a Convenção encarregou uma comissão de escrever um projeto de código. Quem de fato o realizou foi um jurista que teria um papel fundamental nos quinze anos seguintes, Jean-Jacques Régis de Cambacérès (1753-1824). Natural de Montpellier, onde se formara em Direito, havia presidido o tribunal penal de Hérault, sendo em seguida deputado na Convenção, ele foi o autor não apenas deste, mas dos outros dois projetos de código de que falaremos. Na época napoleônica foi segundo cônsul e depois arquichanceler do Império e dirigiu com extraordinária eficácia o Conselho de Estado na composição dos cinco códigos. Pronto a atender docilmente caso a caso às escolhas de quem estivesse no poder, o que o levou a ser qualificado como ‘camaleônico’, Cambacérès foi contudo um jurista dotado de capacidades excepcionais na elaboração de textos legislativos complexos, como demonstram tanto os seus projetos de código como as centenas de lúcidas e pontuais intervenções nas discussões preparatórias dos códigos”. 

De fato, após o golpe de estado de 18 de brumário, uma comissão – composta por Portalis (1746-1807), Tronchet (1726-1806), Bigot de Préameneu (1747-1825) e Maleville (1741-1824) – foi criada para levar a cabo um projeto trabalhado por Cambacérès. Entretanto, como registra o “Dictionnaire historique des juristes français (XIIe-XXe siècle)” (publicado pela PUF – Presses Universitaires de France, sob a direção de Patrick Arabeyre, Jean-Louis Halpérin e Jacques Krynen, em 2007): “Embora não fizesse parte da comissão, Cambacérès presidiu cinquenta das cento e dez sessões do Conseil d'État [Conselho de Estado francês de então] dedicadas ao exame do projeto, assim como assistiu a todas as sessões presididas pelo próprio Napoleão Bonaparte”. E em muitos casos de divergências entre os dois grandes responsáveis pelo Código Civil dos franceses, como na disciplina relativa ao divórcio por mútuo consenso e à adoção, foi a concepção de Cambacérès que prevaleceu no final. 

Cambacérès e sua turma trabalharam muito bem nesse Código Civil que, embora não tenha sido o primeiro criado, é considerado o de maior êxito na história moderna. No que toca aos seus méritos intrínsecos, devem ser destacados no Código, como o faz Antonio Padoa Schioppa, três aspectos: “Nos conteúdos, o código alcançou um excelente equilíbrio duplo: a unificação dos dois ramos da tradição francesa, o romanístico nos países de direito escrito e o consuetudinário no norte do país; e a inserção de uma série de inovações do período da revolução, excluindo dele outros não mais condizentes com a guinada pós-termidoriana. No método, o código pela primeira vez teceu uma disciplina coerente de todo o direito civil, fazendo com que ela ocupasse o lugar de qualquer outra fonte do direito em clara descontinuidade com a tradição histórica de pelo menos sete séculos. Era a resposta à crise agora irreversível do sistema do direito comum. Na forma, o código atingiu um nível de excelência com a adoção de uma linguagem clara e sucinta, magistral ao fixar o preceito da lei em fórmulas breves, sem redundâncias”. Ademais, o Código Civil dos franceses – que Napoleão considerava o fruto mais relevante e duradouro de seu domínio – influenciou os sistemas legais de diversos outros países. Acabou sendo adotado nos países sob ocupação napoleônica, formando as bases dos sistemas legais da Itália, Holanda, Bélgica, Espanha, Portugal e suas antigas colônias (o que inclui o Brasil); além, claro, de outros países – como Alemanha, Áustria e Suíça – que seguiram o exemplo e realizaram suas próprias codificações. 

Registre-se, por fim, que, ao Código Civil, seguiram outros códigos na França – Processual Civil (1806), Comercial (1807), Processual Penal (1808) e Penal (1810) –, que devemos também, em grandíssima parte, ao grande “elaborador de leis” chamado Cambacérès. 


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

23/01/2017

  
 
Tomislav R. Femenick adicionou uma foto ao grupo RELEMBRANDO MOSSORÓ.
 
   
Tomislav R. Femenick

 
Série de reportagens de Tomislav R. Femenick sobre o Esperança Palace Hotel publicada em jornais do RN, PE e CE: 

MOSSORÓ: HOTEL ABANDONADO TRANSFORMADO EM ALBERGUE MOSSORÓ, 
2 – A história do Esperança Palace Hotel, de Mossoró, construído pelo governo passado, tem muito de curioso e cômico. 
Obra iniciada pela administração municipal, por volta de 1959, foi depois paralisada por falta de recursos para sua continuação. Em 1961, depois de muita querela entre o prefeito mossoroense e o governador do Estado, a construção passou para a alçada da administração estadual. 
CAVALO-DE-BATALHA – Consumada a transação, ficou a população de Mossoró há espera da continuação das obras. Da demora valeram-se as forças oposicionistas para usar o arcabouço do hotel como cavalo de batalha em arremetidas contra o então governador. Dizia-se que a promessa de construção era apenas “uma a mais do governador”. Finalmente, depois de servir como ponto de referência política, a obra foi dada como construída. 
INAUGURAÇÃO QUE NÃO VEM – A batalha seguinte – e a mais importante – ainda não foi terminada. Prende-se à inauguração do prédio e seu consequente funcionamento, a fim de que se possa dizer que Mossoró, realmente, possui um hotel de luxo. Infelizmente para que isso aconteça muita coisa terá que ser feita, incluindo entre outras, alguns serviços de acabamento e que é mais importante, o mobiliário que ainda não existe. E enquanto os mossoroenses esperam a inauguração, passam a banda e o tempo, e os móveis não chegam. 
ESTADO E CONSERVAÇÃO – Todos quantos vêm a imponente obra, que custou aos cofres do Estado agora um milhão de cruzeiros, com suas portas fechadas, sentem que o prédio tão importante esteja condenado ao abandono, sem prestar os serviços para os quais foi construído. 
E o pior é o mal estado de conservação em que o mesmo se encontra, sem ter quem o olhe por dentro, porque por fora todos os olham e lamentam o abandono a que foi renegado. Suas paredes já sentem o efeito da poeira mossoroense, os vidros de suas janelas já começam a se partir e por dentro, nas partes que se podem ver através dos vidros das lojas térreas, acumula-se a poeira numa mostra patente de sua solidão. Acreditamos, e conosco toda a população de Mossoró, que construção de igual porte não se faz apenas para servir de ornamento à cidade. Os milhões gastos no Esperança Palace Hotel, transformaram-se em capital ocioso, nada rendendo para o estado. 
O QUE FALTA – Afora pequenas obras de acabamento e os móveis, somente falta para o funcionamento do hotel, boa vontade por parte do governo estadual, a quem cabe tomar as providências no sentido de fazer funcionar a obra que constitui em aspiração do povo mossoroense. 
Enquanto o governador Walfredo Gurgel não toma essas medidas necessárias, a cidade e o povo de Mossoró assistem penalizados a deterioração do prédio que enfeita a Praça Vigário Antônio Joaquim. Lamenta-se mais ainda a falta que ele faz à cidade. Privando-a de uma hospedaria condigna com sua condição de cidade líder do Oeste. 
Diário de Natal – 02.02.1967 

Odisseia de uma obra inaugurada antes do tempo – I 
HOTEL DE MOSSORÓ TEM APELIDO: BELO ANTÔNIO 
MOSSORÓ, 17 – Muito embora tenha sido inaugurado há quase dois anos. Esperança Palace Hotel, aqui construído continua fechado sem servir a cidade e ao seu povo. Sonho de muitos, exigência de todos, aquela obra é ainda um problema que parece ter difícil solução. 
GOVERNO CALA – Enquanto Mossoró reclama deste benefício, o governador, único responsável pelo estado em que se encontra o prédio, cala e nenhuma explicação oferece. Não diz quais as razões de não funcionamento do mesmo. Não dá ao povo mossoroense, qualquer satisfação. E ele continua sem servir aos seus fins, e o que é pior, estraga-se dia a dia sob a ação do tempo. 
APENAS PARA EXPOSIÇÃO – Quando se esperava que o governo estadual resolvesse por em funcionamento o hotel, abrem-se algumas portas de seu andar térreo e uma exposição ocupa uma loja. Ante a evidência do fato, ficamos cada vez mais descrentes que atitudes de envergadura capazes de resolver o problema, venham a ser tomadas por quem de direito. 
Não somos contra o fim para o qual está sendo utilizado o hotel. Achamos que as exposições devem se repetir. Seria bom que muitas e muitas delas se instalassem ali. Isto porque as salas que elas ocupariam não mais ficariam de sujeira e poeira. 
Infelizmente não se constrói tamanho prédio apenas com este fim. Ele tem outro destino. Pelo menos tinha. E não acreditamos que queiram, agora, mudá-lo. 
A CIDADE PERDE – Enquanto o problema continua sem solução, a cidade sente a carência de hotéis que acomodem seus hóspedes. Os que a visitam a negócios ou a passeios, não gostam das acomodações necessárias durante sua permanência entre nós. Os hotéis que possuímos não dispõem das condições do conforto desejadas além de serem em número insuficiente. 
O BELO ANTÔNIO – O tempo passa e vai exercendo sua ação deletéria no grande Esperança Palace Hotel que não obstante sua imponente presença assemelha-se à figura do BELO ANTÔNIO. Isto porque de nada vale sua colossal estrutura, suas modernas e belas linhas arquitetônicas. Ele é inoperante, sem nenhuma validade. Apenas um ornamento caro na Praça Vigário Antônio Joaquim. 
Diário de Natal – 17.03.1967 

Odisseia de uma obra inaugurada antes do tempo – II 
COMÉRCIO PEDE A ABERTURA DO ESPERANÇA PALACE HOTEL 
MOSSORÓ, 18 – “A inatividade do Esperança Palace Hotel não é um problema restrito apenas às classes dirigentes da cidade, é um problema da cidade. Muito já se tem falado sobre o assunto. O que pretendemos, nós mossoroenses, é que o prédio tenha alguma utilidade e funcione para o que foi construído” – disse ao Diário de Natal o Sr. José Amadeu Vale, presidente do Clube de Diretores Lojistas de Mossoró. 
PREJUÍZOS PARA A CIDADE – “A permanência das portas fechadas do Esperança Palace Hotel provoca prejuízos para Mossoró – continuou. Com a sua edificação, a indústria hoteleira teve uma natural retratação aqui, pois que outros empreendimentos não seriam economicamente recomendáveis. Assim somente o hotel do Estado é que foi iniciado. Não houve empreendimentos privados nesse sentido, o que e explicável, como já disse. Agora, a construção foi terminada, o prédio foi inaugurado e a cidade continua sem o hotel de luxo que esperava. Por outro lado, ficamos privados de um local realmente apropriado para hospedar as pessoas que vem a Mossoró, como turistas, a trato de negócios ou simplesmente como visitantes”. 
MATERIAL ELÉTRICO – Prosseguindo, disse o Sr. José Amadeu Vale: “Extraoficialmente, sabe-se que houve um empecilho para o pronto funcionamento do hotel; a empresa que estaria interessada na exploração do mesmo teria divergido do governo do Estado, quanto a quem caberiam as despesas com aquisição da subestação elétrica e demais equipamento elétricos que seriam instalados no prédio. O governo seria de opinião de que esses gastos devem ser por conta dos arrendatários: por sua vez, eles acham que o Estado é que deve arcar com a despesa. Quanto aos demais materiais de eletricidade, estão instalados, faltando apenas as lâmpadas, o que é o mais fácil”. 
LOJAS – Indagado qual seria o interesse do comércio local pelas lojas que ficam no andar térreo do prédio do Esperança Palace Hotel, declarou-nos o entrevistado: “Vários comerciantes estão somente esperando que as lojas do hotel sejam colocadas à disposição para concorrerem à sua compra ou locação. Mossoró sofre de carência de locais comerciais, quando o comércio se expande é tolhido por carência de pontos comerciais condignos”. 
PORTAS JÁ QUEBRADA – “O que lamentamos é o abandono a que está relegado aquele bonito prédio. Suas portas de vidro já sentem o descaso a que estão entregues e muitas delas encontram-se quebradas por falta de vigilância o que facilita a ação de maus elementos. Ante essa situação, resta-nos somente apelar ao governador Walfredo Gurgel para que tome as providências cabíveis ao caso. Sabemos a atenção que o governador devota a Mossoró. Por isso, esperamos que esse problema do hotel será resolvido o mais breve possível” – conclui o entrevistado. 
Diário de Natal – 18.03.1967 

O HOTEL DE MOSSORÓ 
Este jornal tem publicado reportagens seguidas sobre o fenômeno do Esperança Palace Hotel de Mossoró. Construído e ainda inaugurado no fim do governo Aluísio Alves, não foi posto a funcionar. É um belo edifício, de linhas modernas e se destinava, como é costume dizer-se em tais circunstâncias, a preencher uma grande lacuna: Mossoró, a capital do oeste, não possui um hotel merecedor desse nome, capaz de receber condignamente. Pois bem: o hotel foi feito e está fechado.
Naturalmente, eis uma contradição que não se justifica. Sobretudo porque o hotel, uma vez aberto não valerá como, atualmente, um simples ornamento urbano, um simples detalhe da paisagem. Um hotel tem sempre um sentido econômico, comercial, e é fora de qualquer dúvida que o hotel de Mossoró contará com rendimento líquido e certo. Em tais condições, deixá-lo fechado mais tempo é não só um descaso ou desinteresse pelo desenvolvimentos e pelo bom nome da terra mossoroense, como relegar ao desgaste um apreciável patrimônio. Acontece, até, sob este último prisma, que o desgaste, em Mossoró, dos edifícios em geral, é por demais acentuado e constante: trata-se de uma cidade situada em plena zona salineira, a respirar salitre por todos os seus poros. Não há parede que aguente muito tempo essa ação deteriorante; torna-se indispensável o contrapeso de um permanente trabalho de conservação. 
O governo estadual prometeu empenho na solução do problema, mas é necessário que esse empenho se objetive, o mais cedo possível, em providências concretas. Ninguém desconhece as inúmeras dificuldades financeiras com que tem lutado a administração do Padre. Mas o caso do hotel de Mossoró exige e impõe uma atenção especial: já está pronto; o que resta é colocá-lo em serviço. 
Se acontecesse com hotel o que acontece com corpo teleférico, que só existe nos planos, ainda vá lá. Mas não. O hotel está lá, erguido, sólido, concreto. 
Numa terra que, a semelhança da paulista, não gosta de parar, o Esperança Palace Hotel fechado é um contrassenso. 
Diário de Natal – 21.03.1967 

Odisseia de uma obra inaugurada antes do tempo – IV 
PREFEITURA PODERÁ RETOMAR O HOTEL QUE GOVERNO ESQUECEU 
MOSSORÓ, 22 – Diversos são os fatores existentes que tornam premente o funcionamento do Esperança Palace Hotel, de Mossoró. 
Motivos de lutas políticas, com ataques entre ambas as facções partidárias locais; motivo e alegria, quando da construção do seu edifício, é agora o Hotel de Mossoró causa de cepticismo de alguns e “ainda” de esperança de outros. No entanto, é unanime a opinião de que o Esperança Palace Hotel deve funcionar. É já. 
RAZÕES JURÍDICAS – Segundo fomos informados pelo prefeito Raimundo Soares de Souza, o instrumento legal de doação do terreno e das obras iniciais do prédio que eram da municipalidade, possuiria uma cláusula que determinaria prazo para funcionamento do hotel. Não obstante esta clausula já teria sido desrespeitada pelo governo do Estado, o que daria à Prefeitura condições de requerer judicialmente a retomada posse do prédio do Esperança Palace Hotel. 
A Prefeitura de Mossoró assim não procede porque a ela não interessa entrar em choque com o governo Walfredo Gurgel e mesmo porque o prefeito mossoroense acredita que o funcionamento do hotel dar-se-á tão logo o Estado tenha condições de fazê-lo. 
RAZÕES DO COMÉRCIO – Além da própria circulação monetária causado por um hotel do porte que se espera seja o Esperança Palace Hotel, o comércio mossoroense tem outros motivos para desejar a atividade do mesmo. Uma delas é relacionada com as lojas existentes no andar térreo do prédio. Há carência de pontos comerciais em Mossoró e há lojas sem utilização no prédio do hotel. 
AS RAZÕES DA RAZÃO – Não se pode e nem se deve aplicar um milhão de cruzeiros antigos na construção de um prédio dinheiro do povo apenas para que este edifício fique a embelezar uma praça. Este ainda não é o caso do Esperança Palace Hotel, com vidros quebrados, a poeira e sujeira acumuladas, os pedintes e desocupados sentados e suas calçadas. Por outro lado, o dinheiro aplicado na edificação hoje representa capital ocioso para o Estado, quando poderia estar lhe dando lucro. 
TRIBUNAL DE CONTAS – Comenta-se em Mossoró, que o processo de arrendamento do esperança Palace Hotel parou no Tribunal de Contas do estado. A concorrência teria sido ganha pela REALTUR, porém por motivos que se desconhece ela não teria sido aprovada pelos ministros. Agora é o caso de se perguntar se vamos ficar nisso? O hotel parado e o governo a esperar que o problema seja resolvido por si só. 
Diário de Natal – 22.03.1967 

Odisseia de uma obra inaugurada antes do tempo – III 
HOTEL DE MOSSORÓ CONTINUA COM SUAS PORTAS FECHADAS 
MOSSORÓ – “Esta cidade continua esperando pelo se Esperança Palace Hotel, que não teve ainda oportunidade de prestar os serviços que o progresso está dele a exigir. Inaugurado simbolicamente, precisa ser instalado, de acordo com seu gabarito arquitetônico” – declarou ao Diário de Natal o Sr. Jorge Ivan Rodrigues, presidente do Rotary Clube de Mossoró. 
– “Sabemos que a REALTUR está interessada em dotar o moderno hotel de Mossoró com instalações à sua altura. Até hoje, entretanto, tudo não passou da estaca a zero e nossa cidade continua sem o hotel de luxo que esperava. Urge que o governo do Estado resolva o problema, com REALTUR, com Monte Hotéis, ou com qualquer outra empresa do ramo. É o que desejamos, é o que Mossoró precisa e exige”. 
E O PADRE? – Outra pessoa a ser ouvida pela reportagem, foi o Sr. Manoel Leonardo Nogueira, presidente o Lions Clube Mossoró Centro e da Liga Desportiva Mossoroense. 
– “Fomos dos que bateram palmas enaltecendo a atitude acertada do Governador Aluísio Alves, quando decidiu construir o Hotel de Mossoró, cujo contentamento mais se acentuou, por ocasião de sua inauguração simbólica, em fins de 1965. Todavia, o seu não funcionamento não se justifica acarretando prejuízos incalculáveis à cidade e à região que aguardavam ansiosamente a existência de um hotel condigno, de há muito reclamado pela nossa população e pelos que nos visitam”. 
“E o que é pior ainda – exclamou – é que, como está o hotel vai se deteriorando e, a persistir a demora de seu funcionamento, talvez já não mais atenda às finalidades para que foi construído. Muito esperamos da ação do Monsenhor Walfredo Gurgel, o qual vem realizando uma administração moralizadora à frente dos destinos do Estado”. 
Diário de Natal – 30.03.1967 

TC NÃO TEM CULPA SE HOTEL DE MOSSORÓ NÃO FUNCIONA 
Não é verdade que o Hotel de Mossoró não esteja ainda funcionando por culpa do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte. Estas foram as declarações prestadas à reportagem pelo Ministro Romildo Gurgel, presidente daquela Corte, a respeito de notícia divulgada por correspondentes jornalísticos de Mossoró, a respeito do impasse que vem impedindo a inauguração daquele Hotel. Esclareceu que a publicação mencionou que o Tribunal não havia permitido o registro do contrato para exploração do hotel. 
Mas adiantou: o Processo de Nº 698/66 – Gabinete, referente à proposta e contrato de Concessão Remunerada de Uso dos Hotéis de Mossoró a Angicos chegou ao Tribunal de Contas em 11 de fevereiro do ano passado. No dia 8 do mês seguinte, foi julgado em sessão, tendo o Tribunal decidido baixar a matéria em diligência, em virtude de irregularidades. No dia 10 do mesmo mês, ou seja, março de 1988, o processo devolvido sob protocolo ao Gabinete do Governador, para cumprimento das exigências e regularizações dos contratos. Até hoje, o processo mencionado não foi devolvido ao Tribunal, pelo Gabinete do Governador. Deste modo, concluiu, não cabe nenhuma parcela de culpa ao Tribunal, se o contrato não está registrado, nem o Hotel funcionando. 
Diário de Natal – 31.03.1967 

ESPERANÇA PALACE HOTEL PODERÁ ABRIR EM SETEMBRO 
MOSSORÓ, 
22 – O “Esperança Palace Hotel” inaugurado no governo Aluísio Alves e até agora de portas fechadas, poderá ser inaugurado em setembro próximo, e se confirmar recente promessa do governador Walfredo Gurgel, que disse aguardar apenas a conclusão das obras instaladas do mobiliário e acabamento de luxo. 
Os móveis de luxo, que denunciam a categoria do hotel mossoroense a poder igualar-se com o Hotel Internacional dos Reis Magnos, de Natal, estão sendo feitos mesmo nesta cidade. A inauguração do novo hotel representará muito para o desenvolvimento de Mossoró, que se ressente de um hotel condigno para hospedar visitantes, principalmente nos encontros eventos. 
BENEMERÊNCIA – Atualmente o “Esperança Palace Hotel” vem se prestando para reuniões de campanha filantrópicas e de benemerência e coisas desse tipo. Acontecem nos salões do andar térreo, que quando da inauguração do hotel, serão ocupados com lojas comerciais. 
A inauguração do “Esperança”, se confirmar efetivamente para setembro, chegará quando Mossoró voltará a ser escala de aviões da VASP, com passageiros em trânsito ou pessoas que verão mais possibilidade de negócio nesta cidade, necessitando dos serviços de um hotel de categoria. 
Diário de Natal – 22.08.1967 

RAIMUNDO SOARES: NOME DE HOTEL 
DE MOSSORÓ É ASSUNTO IRRELEVANTE 
– “Não recebi do Prefeito Raimundo Soares, verbalmente ou por ofício, pedido de mudança do nome que terá o hotel de Mossoró que irei inaugurar no fim deste mês. Posso adiantar, contudo, que o hotel será o mesmo Esperança Palace Hotel. E por vários motivos: a sua construção é devida, exclusivamente, ao governo do Estado e, portanto, e não poderia vir a chamar-se Hotel Municipal: segundo, toda a documentação do hotel, inclusive assuntos submetidos ao Tribunal de Contas, faz referência a Esperança Palace Hotel. O assunto está resolvido e não será objeto de revisão” – Essas foram as palavras do Governador Walfredo Gurgel. 
NADA PEDI – Falando na manhã de hoje ao Diário de Natal, o Prefeito Raimundo Soares informou: 
– “Nada pedi ao Monsenhor Walfredo Gurgel. Nunca reivindiquei dele a mudança do nome do hotel, assumo que considero de nenhuma relevância. Tenho preocupações maiores e mais graves. E se um emaranhado de intrigas, ela não me envolve e, consequentemente, não sou eu que dela tenho de sair. Toda a programação de festejos mossoroenses foi feito em harmonia entre a Prefeitura de Mossoró e o Governo do Estado, com convites expedidos em nome dos dois poderes. Gostaria apenas de lembrar duas coisas: no contrato Prefeitura e governo estadual, há uma cláusula (que não irei discutir) prevendo que o nome será Hotel Municipal de Mossoró e, depois, o Estado recebeu da municipalidade o prédio com suas fundações concluídas, bem como terminada a sua primeira laje. Foi a nossa contribuição, que não fica bem minimizar”. 
Diário de Natal – 26.09.1967
Série de reportagens de Tomislav R. Femenick sobre o Esperança Palace Hotel publicada em jornais do ...

19/01/2017


CONTRADIÇÕES ATUAIS DA SOCIEDADE BRASILEIRA
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)

Atualmente parece haver uma inversão de valores e da ética. Analistas comentam que é grande nossa insanidade. Elegemos – e consequentemente adquire foro privilegiado – quem nos furta e abusa do poder. Cultuamos muitos que nos desprezam e zombam de nossa boa fé. Desvalorizamos e marginalizamos quem nos ensina. Não damos a devida importância àqueles que nos protegem e por nós se sacrificam. No início do ano, a sociedade ouviu perplexa a declaração de Sidnei Ramis de Araújo (assassino da ex-mulher, do filho e mais dez pessoas, durante o réveillon, em Campinas/SP): "Não temo morrer ou ficar preso. Como prisioneiro terei três refeições completas, banho de sol, salário, não precisarei acordar cedo para ir trabalhar, terei os representantes dos direitos humanos me defendendo, também não perderei dois ou três meses do meu salário com impostos".
Está em evidência a discussão sobre o sistema prisional brasileiro. Segundo estimativas, o país abriga hoje mais de seiscentos mil presos. Combatem-se os efeitos da criminalidade, sem atingir as causas, dentre elas, desigualdade social, falta de emprego, baixa escolaridade. A solução será polvilhar nosso território de presídios? Há quem proponha privatizar nossas penitenciárias. Mas, alguns apontam um perigo: as empresas administradoras dos cárceres receberão do Estado pagamento “per capita”. Assim, quanto mais cheia a prisão, melhor. E a reeducação? Especialistas afirmam que é preciso tirar os detentos da ociosidade e tornar as cadeias oficinas produtivas. Sugerem cursos profissionalizantes, assistência social e de saúde, ações educativas para mudar a mentalidade dos encarcerados, habilitando-os ao convívio social. E, uma vez comprovado o processo de ressocialização, proporcionar, de acordo com a lei, regressão da pena a cada etapa vencida. Eis a fala de alguns estudiosos, para os quais o problema é multidisciplinar: socioeconômico, psicológico, jurídico, religioso etc., alertando que não se pode permanecer na retórica inócua.
A Igreja ensina que, apesar dos crimes cometidos, a graça divina pode recuperar a dignidade humana. Lembra o ensinamento do Evangelho: “resgatar os cativos” (cfr. Lc 4, 18), não apenas da cadeia material, mas também da prisão interior, que os liga aos desvios sociais. De acordo com psicanalistas e sociólogos, dentre eles, o padre Bruno Trombetta (ex-coordenador da pastoral carcerária do Rio de Janeiro) “os mais extremados com o problema podem carregar em sua consciência a culpa ou o remorso de não ter sabido educar as pessoas, representadas nos apenados. Partem para um veemente libelo, que se torna muito mais a própria defesa, do que a dos presos”.
Todos são filhos de Deus. Há aqueles que questionam com sinceridade e retidão: a vida de milhões de desempregados, doentes, idosos, desassistidos... (que contribuíram ou ainda contribuem para o Estado) não deveria ter prioridade no debate nacional? Outros se interrogam: se o Estado não funciona para os cidadãos que trabalham, como há de ser para os presos? Por outro lado, existe uma pergunta que não se cala: que tratamento é dado às famílias dos que sofreram assaltos, torturas, estupros ou homicídios? O cardeal Evaristo Arns, na homilia da missa celebrada pelos mortos no motim de um presídio paulista, lembrou: “Choramos hoje nossos irmãos massacrados. Mas, não podemos ignorar as lágrimas de tantos órfãos e viúvas, suas vítimas”! O sociólogo François Houtart, em conferência na PUC/SP, exclamou: “Somos tentados às vezes a nos comover facilmente diante de algumas minorias. Isto é necessário. Mas, não podemos deixar sem resposta uma multidão que nos cobra direitos, sim direitos humanos”!

Quem luta por justiça, igualdade e melhores condições de vida, está ficando cético e cansado de batalhar em vão, enquanto os vilões continuam impunes. Parece que assistimos o enterro do aforisma: “O crime não compensa”. Oportunas e atuais as palavras de Ruy Barbosa: “De tanto ver... prosperar a desonra... crescer a injustiça... agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. 

18/01/2017

   
Marcelo Alves

Os quatro grandes

Já escrevi aqui, embora faça muito tempo, sobre o “realismo jurídico americano”, a corrente de pensamento surgida e desenvolvida nos Estados Unidos da América (em dois períodos distintos, pelo menos, e por mais de um grupo de juristas) que, a partir de um método empírico de análise científica, deu ênfase à realidade fática do direito e valorizou sobremaneira a atividade jurisdicional como criadora do direito em detrimento do papel (criativo) normalmente atribuído às normas legisladas. 

Hoje, na esteira das pequenas biografias que tenho apresentado sobre os grandes juristas anglo-americanos e com base num livro/manual que tenho lido por esses dias – “Textbook on Jurisprudence”, de Hilaire McCoubrey e Nigel D. White, Oxford University Press, 1999 –, vou homenagear, descrevendo quem são eles, os “quatro grandes realistas” do direito estadunidense: Oliver Wendell Holmes Jr., John Chipman Gray, Karl Llewellyn e Jerome Frank. 

O primeiro – e o mais célebre deles, como vocês vão notar – é Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935). Nascido ainda na primeira metade do século XIX, em Boston/Massachusetts, lutou na Guerra Civil Americana (1861-1865). Foi aluno e professor em Harvard. Foi juiz e presidente da Suprema Corte do seu estado natal. Foi também “Associate Justice” (que equivale ao nosso Ministro) da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, por cerca de trinta anos, de 1902 a 1932, aposentando-se com mais de noventa anos (pelo que eu sei, um recorde até hoje). É certamente um dos mais ilustres juízes, talvez o mais ilustre, da história da Suprema Corte dos EUA. No mais, ele é considerado o originador do “legal realism”. De fato, a ideia-chave do realismo jurídico está na famosa frase do seu livro “Common Law” (de 1881): “a existência do Direito não tem sido lógica; tem sido experiência”. E ele afirmou ainda: “as previsões sobre o que as cortes decidirão de fato, e nada mais pretensioso, são o que eu entendo por direito”. 

John Chipman Gray (1839-1915), também nascido na primeira metade do século XIX e natural de Boston/Massachusetts, foi contemporâneo de Holmes. Estudou direito em Harvard, formando-se em 1861. Lutou na Guerra Civil Americana. Mas, diferentemente do seu conterrâneo, não foi ser juiz. Foi advogado e, muito importante para nós, foi professor na Universidade de Harvard por duas décadas. Sua obra mais importante é “The Nature and Sources of the Law”, de 1909. Assim como Holmes, Gray defendia que os juízes criavam direito, sobretudo numa nação filiada à tradição do common law, como é os Estados Unidos da América, sendo isso fundamental para se entender o direito e, no futuro, fazê-lo melhor. Sendo que ele foi mais longe, como anotam Hilaire McCoubrey e Nigel D. White (no já referido “Textbook on Jurisprudence”): “Para Gray, o direito é apenas o que as cortes decidem. Tudo mais, incluindo as leis, são apenas fontes do direito. Até as cortes aplicarem as leis, elas não são direito”. 

Karl Llewellyn (1893-1962), nascido em Seattle, no estado americano de Washington, no finzinho do século XIX, faz parte de uma segunda geração de “realistas” que, apoiados nos ombros dos primeiros “gigantes”, nos fez enxergar os mais sutis aspectos do processo de elaboração das decisões judiciais. Llewellyn estudou direito em Yale e na Sorbonne parisiense. Curiosamente, germanófilo, lutou a Primeira Guerra Mundial no lado da Alemanha. Foi professor em Columbia e na Universidade de Chicago. Autor do clássico “The Bramble Bush” (de 1930) e de “Some Realism about Realism: Responding to Dean Pound” (de 1931), Llewellyn é considerado uma figura central do “movimento realista”. Como registram Hilaire McCoubrey e Nigel D. White: “Seus escritos, que abrangem o período mais produtivo do realismo, contém não somente os temas centrais do movimento, mas também os desenvolve de maneira crítica (sobretudo às atitudes do Judiciário) e construtiva”. 

Por fim, tem-se Jerome Frank (1889-1957), nascido na cidade Nova Iorque, mas radicado, ainda criança, com a família, em Chicago/Illinois. Foi aluno brilhante na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago. Advogou em Chicago e Nova Iorque. Foi professor em Yale. Foi juiz federal, por mais de 15 anos (de 1941 a 1957), na “United States Court of Appeals for the Second Circuit” (que equivale um tribunal regional federal nosso). Autor de “Law and Modern Mind” (1930) e “Courts on Trial” (1949), foi Frank que nos explicou, brilhantemente, que uma decisão judicial é muito mais do que o resultado da simples aplicação de uma norma aos fatos do caso. Primeiramente, a própria determinação, pelo juiz, de quais são e como são os fatos do caso acrescenta inúmeras variáveis a sua decisão final, assim como a interpretação da norma é algo muito mais complexo que uma simples releitura do seu texto, seguida de um processo analítico de subsunção. E mais: em conjunto com os outros realistas, ele defendeu, com razão, que os juízes decidem baseados numa variedade de fundamentos e apenas alguns deles são conscientes e analíticos. Os reais fundamentos da decisão judicial, que atuam previamente aos fundamentos conscientes e analíticos, são mais complexos e menos óbvios, extremamente influenciados pelos preconceitos e valores do julgador. 

Bom, dito isso, eu prometo que um dia escreverei sobre cada um dos realistas individualmente. Mas, por enquanto, apenas dou vivas para esses quatro juristas fantásticos (ops…, realistas). 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

16/01/2017

CUNHA LIMA, GILBERTO FREIRE E O PEREGRINO

Valério Mesquita*

01) Diógenes da Cunha Lima, advogado e poeta, iria tomar posse na presidência da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Para a sua surpresa e orgulho para qualquer intelectual da província, foi homenageado com a presença do sociólogo Gilberto Freire. Ano seguinte, o gênio de Apipucos aniversariava e Diógenes julgou-se no dever de restituir a delicadeza de sua visita. A essa altura, o poeta novacruzense e condestável do Curimataú, já envergava a pose de reitor da UFRN e as hosanas da presidência do Conselho Federal de Reitores das Universidades Brasileiras. Gilberto Freire, amado e idolatrado no Recife, recebia em sua casa uma homenagem supimpa, com toda pompa e circunstância. A dita imprensa falada, escrita e televisiva estava em profusão e documentava tudo em seus mínimos detalhes. Até o então Ministro da Educação e Cultura Eduardo Portela estava lá. Nisso, entra triunfal em cena o nosso impávido Diógenes, sentindo-se o primeiro dos homens. Após alguns passos no grande e decorado jardim, acompanhado e encandeado pelos difusos refletores, não percebeu que, a sua frente, a piscina havia sido coberta por uma lona de cor do assoalho, o que impedia o nosso Diógenes (que não conduzia a famosa lâmpada) distinguir com nitidez o chão, e, ao mesmo tempo, cumprimentar os convivas. De repente, explodiu lamurioso e sonoro aquele óóóóóóó.... De terno e gravata, Cunha Lima caiu na piscina de forma monumental e olímpica, como diria qualquer Galvão Bueno. Nadando cachorrinho para chegar a margem, o reitor era a própria imagem do desespero e o último dos homens. Encharcado tal e qual um sabiá molhado, ainda ouviu da esposa do anfitrião uma piadinha que parecia um “tiro de misericórdia”: “Diógenes, quando quiser tomar banho na nossa piscina, traga o calção...”. Içado a presença das autoridades, viu, contudo, o mestre Gilberto Freire, num fidalgo gesto, reunir ao seu redor os jornalistas para dizer em tom grave mas paternal: “Diógenes é meu amigo. É o reitor da UFRN e do Conselho Federal dos Reitores deste país. Não quero de vocês nenhuma linha sobre o assunto”. Gilberto Freire foi prontamente atendido pela imprensa pernambucana. E com a autorização de Diógenes, tanto tempo depois, o fato saiu do anonimato.
02) Lembrei-me de outra história do barbeiro do antigo Natal Clube, narrada por Diógenes da Cunha Lima. O deputado Djalma Marinho estava de malas prontas para viajar ao Vaticano. Fazia o cabelo no Natal Clube quando o barbeiro, muito católico, lhe pediu para que trouxesse do papa uma bênção especial. Promessa feita, viaja Djalma. No regresso, o crédulo barbeiro pergunta pela bênção papal. Desligado e imaginoso, como sempre, o nosso Djalma saiu-se com uma desculpa que pode servir de exemplo aos atuais peregrinos. “Não trouxe a mensagem do Papa”, disse o deputado, “Porque no momento que o cumprimentei ele surpreso, indagou: “Peregrino, peregrino quem foi o infeliz que estragou o seu cabelo””.
(*) Escritor