02/08/2015


SAYURE TAYMO – A GUEIXa




Jansen Leiros*
  

Plathus e Flávia estavam retornando de uma atividade na região astral da 4ª dimensão, quando foram abordados por Nubiacira – a fadinha daquele sítio astralino, a qual trazia, num trenó, improvisado, uma entidade desencarnada, possivelmente dementada, tais os   sofrimentos de que fora vítima, quando de sua última encarnação

Segundo o relatório de Nubiacira, o espírito fora encontrado há muito tempo, ao lado de seu corpo em decomposição e a cabeça esfacelada,  dentro de um barco  de pesca japonês, encalhado e destroçado, numa pequena ilha do Pacífico. A entidade fora resgatada por uma turma de socorro espiritual, atuante no litoral andino

Acontecera que todos os recursos aplicados na tentativa de reanimar aquele espírito foram esgotados sem que lograssem nenhum êxito e o posto que o abrigara já não dispunha de meios para recuperá-lo.

Naquela noite, a fadinha passara ali de retorno de suas atividades socorristas, quando deparou-se com aquela questão, para a qual  os encarregados do posto não tinham solução.

Foi então que Nubiacira ofereceu seus préstimos e ponderou que se o espírito desencarnara em desespero, talvez vítima de um naufrágio, ou mesmo vítima da pirataria ligada à atividade  da pesca clandestina, poderia estar num difícil estado de perturbação que somente um tratamento psicológico, através de hipnose , poderia chegar a bom termo. Assim, resolvera ajuda-lo, no que foi aceito, levando-o à presença de um especialista na área, que aplicaria aquele sistema de terapia

Plathus e Flávia acercaram-se do trenó improvisado pela fadinha e, após uma avaliação acurada, decidiram leva-lo a um posto de socorro espiritual, existente nas proximidades de Matarani, dirigido por espíritos amigos, com os quais  o casal se relacionava muito bem e mantinha uma amizade de longo tempo.

O posto tinha  aparência de pequeno hospital e, anexo às suas dependências, havia um singelo apartamento onde se alojavam os espíritos trabalhadores da área médica, quando em atividade na área.

Plathus confabulou com o encarregado e fez-lhe um relatório do  ocorrido.  A seguir, sugeriu que o paciente ali permanecesse por algum tempo, enquanto seria submetido a um tratamento através de cargas magnéticas, na tentativa de resgatá-lo à consciência.

Tudo, acertado! O paciente fora abrigado em alojamento coletivo, tendo a fadinha se desdobrado para que tudo pudesse sair a contento.

As primeiras providências profiláticas foram tomadas e o espírito e o espírito colocado em leito confortável. Viam-se duas ataduras brancas.  Uma envolvendo a parte cerebral onde recebera pancadas muito fortes e outra que lhe envolvia o tórax.  Ele gemia muito e permanecia desacordado.

Fios estranhos, de coloração que aparentava o cobre, ligavam-no  mentalmente ao barco onde fora encontrado. Através desses fios, pareciam chegar as impressões de dor e de tormento, que o faziam estremecer no leito, como que mergulhado nas ondas de alucinante pesadelo.  Isso era possível ver em sua tela mental, agitada e nebulosa.    

Plathus ministrou-lhe energia à altura da cabeça e comandou-lhe um sono reparador, até a noite seguinte, quando retornaria  para dar início ao tratamento de que necessitava o paciente.

Antes de mergulhar no corpo, Plathus tentou contato telepático com Mei Ping para solicitar orientação específica e, se possível, obter dados da ficha acásica daquele ser.

Na noite seguinte, Plathus, Flávia e Nubiacira retornaram ao posto de socorro para o início do tratamento de que estava a precisar aquele espírito.

O grupo acercou-se do leito e Plathus começou a ministrar-lhe passes de limpeza áurica.  Após algum tempo, quando as nuvens cinzentas aderidas ao corpo  perispiritual do doente esmaeceram até o desaparecimento completo, o mestre começou a falar, lenta e suavemente, para  induzi-lo à necessária hipnose.

Amigo! Você foi encontrado num pequeno barco de pesca e acolhido por algumas almas boas que o levaram a modesto posto de socorro.  Pode me escutar?

HUM..., HUM..., HUM...,    dói-me a cabeça. O corpo todo. O que aconteceu? Que horas são?  Onde estou?  OH meu Deus! Preciso voltar à embarcação para levar o produto da pesca! Se me atrasar, serei punido!  Minha cabeça dói muito. Não sei como fui cair desse jeito!...Hum...Hum...

- Como se chama, amigo?
- Kioto Massuda – respondeu o espírito.
- Qual sua atividade, realmente?
- Quem é o senhor?  É algum patrulheiro?
- Não, amigo. Sou uma pessoa que deseja ajuda-lo.  Você sofreu num acidente  e é necessário que lhe ajude a sarar. Entendeu?
- Como vou saber se você não é um patrulheiro e quer me prender?
- É muito simples, se eu quisesse  lhe prender já o teria feito!
Não o fiz e quero lhe ajudar! 
- Trabalho para uma companhia de pesca de Tóquio, mas, na verdade ela é clandestina e está em luta com outras empresas, também fantasmas.  Receio que eu esteja sendo perseguido e que tenha sido atacado por uma delas. Preciso voltar urgentemente para meu barco, sob pena de perder tudo.  Tenho muito medo! Há outro problema.  Tenho uma cota de produção a cumprir.  Se não alcança-la, serei punido pela empresa e isso resultará em que perderei tudo o que fiz durante a viagem.

Os passes magnéticos ministrados por Plathus tinham efeito anestesiantes quanto à sensação de dor e, de certa forma, tranquilizantes, a ponto de permitir-lhe falar sobre sua atividade, como se nada, ainda, houvesse acontecido, segundo supunha.

Esse era o caminho. Plathus aprofundar-se-ia mais um pouco.

- Amigo, responda-me por favor.  Você tem família?  Onde mora?
- Sim, tenho! Fui casado com uma prima, durante quatorze anos. Do casamento, nasceram-me dois filhos que já estavam crescidos, quando meu casamento desmoronou em circunstâncias muito tristes.

Nesta altura, Plathus tornou a aplicar  energia com mais intensidade , a fim de manter o espírito fora do corpo da emotividade, para que tivesse a condição de narrar sua história  per3mitindwo-lhe  direcionar o tratamento, Kioto prosseguiu:

- Eu trabalhava para a marinha mercante do Japão e fazia muitas viagens internacionais  que me rendiam um bom soldo. Essas viagens me impunham afastamento  prolongado do lar, forçando-me a uma consequente falta de assistência  familiar, involuntária.  Naquela época o fluxo de turistas americanos em meu pais aumentou consideravelmente e você sabe como é aquela gente. Ninguém respeita ninguém. Juntaram-se a carência de minha mulher, e a corte insistente de um desses estrangeiros e ela se foi, deixando o lar e descuidando da orientação dos meninos. Fiquei alucinado. Eu amava demais à família e não me conformava. Tentei de tudo para recompor o lar. Deixei a marinha mercante para estar mais presente, mesmo que isso representasse uma diminuição considerável nos meus vencimentos.  Além disso, não tive sucesso com novos empregos.  As tentativas de reconciliação não lograram êxito. Minha mulher já se havia ocidentalizado demais e não aceitava retornar aos costumes japoneses.  Cada contato que tínhamos, resultava em tortura mental que me levavam a intensos sofrimentos. O temperamento de Tsuiako era muito forte. Bombardeava-me a auto estima com suas colocações jocosas.  Ofendia-me  com comparações odientas  quanto a meus dotes e meu desempenho sexual, a ponto de levar-me    à tentativa de suicídio.  As crianças, nesse caos, derivavam para as drogas e tudo ficou incontrolável. Perderam a condição de estudar e o mais velho suicidou-se aos dezesseis anos.  Quase enlouqueci e, pela segunda vez, tentei morrer, mas não tive coragem de consumar o ato.  Meu filho menor foi adotado por um parente e emigrou para o Brasil, indo morar em São Paulo, na cidade de Osasco. Alucinado, sem emprego e passando dificuldades, voltei ao mar, desta feita para uma atividade clandestina. Virei bandido da pesca e estou neste barco sem saber o que fazer.

- Amigo! Você não está no seu barco. Isto é uma enfermaria e você está sendo tratado convenientemente e vai ficar curado. Agora, vai dormir mais um pouco.  Os remédios que tomou  vão deixá-lo mais calmo. Amanhã, retornarei para ver como você está.
 - Obrigado doutor1  e adormeceu profundamente.

Explicações importantes

Plathus havia conseguido informações valiosas. A história contada por Kioto, superficialmente, era verdadeira, mas,  com extensões bem maiores do que parecia ter.  Sua ex-esposa, de fato, já havia sido sua parceira por mais de uma vez em vivências anteriores e ambos se deviam situações vexatórias no campo do sexo, motivada pela disputa do poder habitual” ou seja, pelo desequilíbrio energético que em se envolveram, face ao desconhecimento das leis universais e, basicamente, pelo desconhecimento dos processos de abastecimento pessoal de energia, pelas fontes universais. A disputa fora tão acirrada que os efeitos danosos levaram KIOTO à impotência absoluta, a ponto de desequilibrar-lhe as mais comezinhas funções do espírito, projetando mutilações na genitália, na encarnação imediata.

Com base em orientações superiores, Plathus tentaria condicioná-lo à nova postura, com sugestões hipnóticas, porém, o mais prático seria trabalhar-lhe a auto estima.

Através do correio telepático, Plathus acionou seu ciclo de amizades espirituais e conseguiu autorização para o cometimento. Durante quase quinze dias sucessivos, prestar-lhe-ia a terapia energética necessária à recomposição ou restauração do tônus vital e o conduziria, sugestivamente, durante quase quinze dias sucessivos numa euforia capaz de renová-lo nos seus mais íntimos desejos.

Na verdade, Hioto não sabia que havia morrido, nem se lembrava do episódio que o levou ao falecimento do corpo físico.

Para proceder-se ao tratamento programado, êle não poderia lembrar-se de seu desencarne, sob pena de invalidar os resultados. É que, sua ex-mulheer, Tsuiako, após o declínio do relacionamento com o americano, que a conquistara, por mero capricho, tentou, tardiamente reencontrar o marido, mas Kioto já se havia imiscuído na pesca clandestina e não era facilmente encontrado. Um filho morrera pelo suicídio, o outro havia emigrado para o Brasil e o próprio marido, que antes vivia lhe suplicando o retorno, desaparecera como por encanto.

Desesperada, e sob os efeitos das drogas, pelo caminho das quais enveredou, encheu-se de ódio e partiu para a vingança, pois fora ele que,  casando-se com ela, a teria afastado de seu  -  legítimo destino  - assim pensava.

Depois de muitas andanças, Tsuiako tomou conhecimento de que
Kioto estava trabalhando num barco pirata, em clandestina atividade e formou uma gang para fazer pirataria, porém o objetivo principal era encontrar o ex-marido e liquidá-lo, tal era o ódio que alimentava.

Fez amizade com dois marinheiros truculentos em troca de favores sexuais e, com eles, saiu à caça. Sete meses depois, Tsuiako, descobriu o paradeiro de Kioto e sabia de todos os seus passos.

Certa noite, conseguira esconder-se no barco mãe da empresa clandestina para a qual Kioto trabalhava. Era o barco que recolhia o produto da pescaria realizada em águas e áreas proibidas.  Tsuiako e os dois  comparsas infiltraram-se entre os tripulantes pois a noite estava muito escura  e facilmente se localizaram em pontos estratégicos. O plano era de, no momento em que acontecesse a abordagem do barco de Kioto e ele se adentrasse no barco mãe, os três passariam para o barco pequeno e lá esperariam por Kioto e o eliminariam. Assim foi feito.  Quando Kioto passou para o barco mãe e começou a entrega da produção, eles se adentraram no seu barco e ali ficaram esperando. Quando Kioto retornou, simplesmente recebeu uma única pancada na cabeça que a esfacelou, tendo morte instantânea.

O  crime acontecera fazia seis anos e Kioto ainda estava vivendo o instante do impacto no crâneo, não podendo lembrar-se de nada, mesmo por que não havia tido tempo, sequer, de ver coisa alguma, exceto os sonhos e pesadelos que passara a viver após o desencarne.

Assim, Plathus deixara bloqueada essa memória que tão somente seria trazida ao consciente no momento oportuno, isto é, quando tivesse condições psicológicas de saber e reagir equilibradamente, sem ódios, sem mágoas, sem ressentimentos, sem rancores.

Ao final de duas semanas de tratamento intensivo, Kioto já se punha de pé e sentia-se recuperado, desconhecendo, ainda,  sua condição de desencarnado.. Imaginava que se encontrava num hospital .para recuperar-se de algum acidente marítimo ou simplesmente  de um naufrágio sem importância.

Plathus lhe comunicara que fariam uma pequena excursão a  bucólica região

No momento aprazado, o médico o tomou pelo braço, conduzindo-o a caminhar pela campina, em torno do posto. Chegando a um belo recanto ajardinado, via-se um magnífico quiosque, erguido sobre um tapete verde,  Na verdade, aquele recanto fora improvisado pela fadinha e sua equipe, com o objetivo de ajudar Plathus a recuperar, definitivamente, aquele espírito tão sofrido. Terminada a tarefa, o quiosque sereia desintegrado, exceto se a direção do posto lhe desse outra destinação.

Plathus e Flávia entraram no prédio. Era um ambiente belo e aconchegante!  A decoração oriental deixou Kioto inteiramente à vontade.

Sentou-se à moda japonesa e ficou olhando as paredes em seus mínimos detalhes.

Aquela construção fazia lembrar as dependências requintadas  dos palácios das antigas dinastias. O ambiente transpirava bem estar.  Kioto estava entrando em ritmo de felicidade.

Minutos depois, que sentara, duas gueixas entraram por uma porta lateral e lhe trouxeram dois biscoitos afrodisíacos. Kioto remoçara!

Plathus aproximou-se dele  e falou:
Kioto! HOJE, Você vai passar o dia neste quiosque!”  Depois de muito tempo no mar, você merece  um repouso! Um descanso feliz! Reparador, calmo, refazedor, energizante e cheio de euforia. Faça o que você achar melhor.

Na verdade, Plathus tinha outros pacientes para cuidar e deixou a Doutora Sayure Taymo para cuidar dele. 

De fato, especialista no problema de distúrbios da impotência sexual, nossa doutora fora convidada para prepará-lo, objetivando uma nova experiência no corpo, colocando-a na condição de futura companheira de vivência física, razão pela qual os encaminhou para uma colônia especializada na preparação de novos reencarnes, programando a escolha das famílias que os receberia, programando, também, o direcionamento da vida profissional, no campo médico. Enfim, programando um amanhã feliz para aquele velho marinheiro, agora cheio de esperanças.
 [ensaio]
     
Jansen Leiros*



Da Academia Macaibense de Letras;
Da Academia Norte Rio Grandense de Trovas;
Da União Brasileira de Escritores;
Do Instituto Norte Rio Grandense de Genealogia;
Do Instituto Histórico e Geográfico do RN.   






01/08/2015

IHGRN



INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE – IHGRN
PROPOSTA DE CALENDÁRIO PARA O SEGUNDO SEMESTRE DE 2015


AGOSTO
DIA 10 – APROVAÇÃO DAS NORMAS DA COMISSÃO ELEITORAL
DIA 21 – FEIRA DE LIVROS (durante o dia); NOITE DE AUTÓGRAFOS(noite) E LANÇAMENTO DO EDITAL CONVOCANDO ELEIÇÕES
DIA 24 – FESTIVIDADE DA REVISTA “FOCOS” (Marcus César) 20 h. Versalhes

SETEMBRO
DIA 11 – PALESTRA ALUSIVA À SEMANA DA PÁTRIA e (POSSE DOS NOVOS SÓCIOS)
DIA 14 – COMEMORAÇÃO DA FUNDAÇÃO DA UBE-RN
DIA 14 – ÚLTIMO DIA PARA RECEBIMENTO DE COLABORAÇÃO PARA A REVISTA DO IHGRN nº 91/2015
DIA 30 – PRAZO FINAL PARA REGISTRO DE CHAPAS

OUTUBRO
SEMANA DO ENCONTRO DOS ESCRITORES
30 – LANÇAMENTO DA REVISTA Nº 91 DO IHGRN

NOVEMBRO
DIA 10 – DIA DA ELEIÇÃO

DEZEMBRO
DIA 11 – CONFRATERNIZAÇÃO NATALINA NO LARGO “VICENTE DE LEMOS”
DIA 28 – INÍCIO DO RECESSO
ALCIDES CID VARELA

Valério Mesquita*

Alcides Cid Varela, casado com D. Silvéria, ambos já falecidos, residiam perto da ponte sobre o rio Jundiaí, à Rua Nair de Andrade Mesquita, antiga rua do comércio.
Dos anos quarenta até o final de 1960, Alcides desempenhou o papel de “médico” da cidade de Macaíba. Tinha a iniludível vocação profissional, menos o diploma. Fui por ele consultado inúmeras vezes. Curou-me de sarampo, catapora, papeira e resfriados sem fim. Segundo experientes pacientes, Alcides tinha faculdades mediúnicas para adivinhar diagnósticos, excetuando-se a aplicação de injeção. Uma Benzetacil ou Gripionase na seringa, pela munheca do “doutor”, levantava um catombo proeminente após uma dor aguda de gravidez. Alcides era magro, semicareca e trajava, usualmente, terno claro como se fosse uma bata médica de um hospital imaginário. Sua voz anasalada e os olhos miúdos emprestavam-lhe uma característica nascida do almanaque Capivarol das doenças corriqueiras.
Não era político, mas gostava de política. Trabalhou nos Correios e Telégrafos em Natal, por onde se aposentou. Foi amigo de Alfredo Mesquita desde a sua época de solteiro. O noivado de Alfredo e Nair  teve como palco a casa de Silvéria e a lua cheia do rio portadora de esperanças e sonhos.
Do casamento de Alcides e Silvéria apenas conheci o filho Edílson Cid Varela, macaibense ilustre jornalista e diretor do Correio Brasiliense da cadeia dos Diários Associados, também falecido. Visitei-o várias vezes quando ia à capital federal. Alcides ficou viúvo e foi morar em Natal na década de sessenta. Foi seu amigo também em Macaíba o comerciante José de Baltazar Marinho, com quem tomava porres homéricos. Alcides era o único macaibense que ousava ser passageiro do jeep guerreiro de Baltazar nas visitas etílicas pelos bares da cidade. O sábado era o dia preferido para ablução na água benta das garrafas do bar de Zé Distinto, ou da mercearia de Zé de Lima. Conhecedor da medicina, o velho Alcides anestesiava-se com o próprio álcool. Foi um tempo e uma fase áurea da boemia local. A estrada estadual asfaltada que liga Macaíba a São Gonçalo tem o seu nome desde o governo Lavoisier Maia. Nunca o DER colocou uma placa. Já pedi e nunca fui atendido.

(*) Escritor.


31/07/2015

Heleno  o  Extraterrestre

Jansen Leiros*

J


O tempo passara e o grupo especial, liderado por Plathus, continuou a reunir-se no topo da montanha, lugar carinhosamente chamado pelos transcendentes, como grupo de estudos:  “ Refúgio de DEUS”.

Numa bela manhã de domingo, com a presença plena do grupo habitual  e de um visitante ilustre, o coelhinho IHON, que raríssimas vezes frequentava as reuniões da montanha, após os exercícios habituais,  fizera o seguinte comentário:
“Amigos, durante a meditação de hoje, fui projetado do corpo somático e flutuei a uns cem metros de altura. Nesse momento, aproximou-se de mim um ser de aparência tranquila, o qual me convidou a segui-lo num passeio pela Via Láctea.  De tão surpreso, não cheguei a articular  nenhuma palavra, mas pensei na extensão do percurso e receei pelo tempo.  De imediato, aquele ser estranho, mas sereno e seguro no seu todo, me respondeu: 
“Plathus, estaremos fora da dimensão do tempo.  Não se aflija. Mantenha-se sereno.”
 Saímos a volitar – prosseguiu a narrativa. De princípio, começamos a contemplar aquela faixa leitosa de luminosidade difusa, que assemelhava-se a uma estrada sideral de poeira translúcida – o arroio de leite da antiga mitologia helênica. O primeiro impacto é indescritível. Um mundo de emoções nos invade o espírito e envolve – nos uma contundente sensação de pequenez.
Aquiete sua alma, Plathus. Você não sabe que fomos criados à imagem e semelhança de Deus? Relaxe e integre-se Nele!
-  Vou tentar! Respondi-lhe!
- Para acalmar-me – prosseguiu Plathus – ele começou serena e pausadamente a discorrer sobre a Via Láctea:
“Plathus! Nossa galáxia abriga bilhões de sóis. Milhões de vezes mais importantes e mais luminosos do que o nosso sol.  Imagine um gigantesco jardim de flores solares e planetários que integram e iluminam toda sua extensão.  Apreciando essa beleza, sideral, que é uma entre os bilhões de galáxias do Universo, você terá  somente uma pálida ideia da grandeza de DEUS, pela inexperiência e desconhecimento das leis siderais. Daí, se infere como é minúscula a Terra e como são inexpressivos os seres que nela habitam neste momento.   Por consequência, você terá uma relativa ideia de hierarquia, não só em razão da grandeza volumétrica dos corpos celestes, mas, principalmente, sobre o nivelamento moral dos planetas – enquanto moradia – e o conteúdo ético dos seres que lhe são comandatários.  Se quisermos aprofunda esse entendimento basta refletirmos  no fato de que  nossa Via Láctea é uma insignificante nebulosa estrela, diante do incomensurável número de outros que povoam as profundezas insondáveis do Universo.  Nosso sistema solar, é minúsculo componente deste caudal cósmico.  Milhares e milhares existem com mais importância no concerto sideral.  Hoje, nosso é fazer uma viagem corrida para lhe dar uma ideia de extensão.  Noutras oportunidades, e seguindo o planejamento para este procedimento educativo, iremos particularizar nossos estudos.  E, após essa primeira excursão, que me pareceu um século, trouxe-me de volta à Terra e retomei o corpo, despertando daquela projeção, com a mente em altíssima rotação pelo tanto que  vi e vivenciei
É interessante – disse o coelhinho IHON  como a cronologia da vida planetária parece-nos programada. Hà muito tempo, quando a humanidade ainda engatinhava pela superfície, coube a Hermes T restabelecer uma doutrina preexistente  nos primórdios do planeta , para considerar o Sol como centro do Universo.  A seguir, Nicolau Copérnico revolucionou a astronomia, formulando a célebre teoria heliocêntrica. Logo a seguir, Tycho Brahe divulgou suas observações sobre o movimento dos astros e Kepler sedimentou o caminho para que Newton anunciasse a lei da gravitação universal. 
Nesse exato momento, Plathus levantou-se e, erguendo os braços para o céu, disse a seguinte prece:

DEUS DE INFINITA BONDADE,
ABENÇOAI-NOS ESTE DIA!
PERMITI QUE OS ENSINAMENTOS HOJE RECEBIDOS
MERGULHEM FUNDO EM NOSSAS ALMAS E QUE A ESSÊNCIA UNIVERSAL QUE HABITA EM NÓS,
FAÇA MORADA EM NOSSOS CORAÇÕES E EM NOSSOS ARQUIVOS CÓSMICOS,
AD ETERNUM!

Jansen Leiros*


Da Academia Macaibense de Letras;
Da Academia Norte Rio Grandense de Trovas;
Da União Brasileira de Escritores;
Do Instituto Norte Rio Grandense de Genealogia;
Do Instituto Histórico e Geográfico do RN.   





30/07/2015



Crear en Salamanca

ENTREVISTA AL NOTABLE POETA LUSITANO ANTÓNIO SALVADO. POR MIGUEL NASCIMENTO


1 António Salvado, por Miguel Elías 
António Salvado, por Miguel Elías


Crear en Salamanca tiene el privilegio de publicar por vez primera, y en portugués, la entrevista que Miguel Nascimento ha realizado a uno de los más destacados poetas del país vecino, rico en lírica de calidad. Salvado está muy ligado a Salamanca desde hace unos treinta años. Aquí se la publicado varias antología y poemarios traducidos por el poeta Alfredo Pérez Alencart, profesor de la Universidad de Salamanca y dilecyo amigo suyo. En varias ocasiones ha recibido homenajes de las dos universidades y del propio Ayuntamiento de Salamanca. Recordable es el dedicado dentro del XIII Encuentro de Poetas Iberoamericanos, celebrado en 2010, donde apareció la amplia antología titulada ‘La hora sagrada’.
1B Antonio Salvado y Miguel NascimentoAntonio Salvado y Miguel Nascimento



Obra poética do autor
A Flor e a Noite, 1955; Recôndito, 1959; Na Margem das Horas, 1960; Narciso, 1961; Difícil Passagem, 1962; Equador Sul, 1963; Anunciação, 1964; Cicatriz, 1965; Jardim do Paço, 1967, Tropos, 1969; Estranha Condição, 1977; Interior à luz, 1982; Face Atlântica, 1986; Amada Vida, 1987; Des Codificações, 1987, Matéria de Inquietação, 1988; Soneto em Lembrança de João Roiz de Castelo Branco, 1989; Utere Félix, 1990; Nausicaa, 1991; O Prodígio, 1992; Dis Versos, 1993; O Corpo do Coração, 1994, Estórias na Arte, 1995; Certificado de Presença, 1996, Castália, 1996; O Gosto de Escrever 1997; O Extenso Continente, 1998; Rosas de Pesto, 1998; A Plana Luz do Dia, 1999; Os Dias, 2000; Largas Vias, 2000; Quadras (in) populares e Sábios Epigramas, 2001; Flor Álea, 2001; A Dor 2002; Águas do Sonó, 2003; Pausas do Aedo, 2003; A Quinta Raça, 2003; Rochas, 2003; Coisas Marinhas e Terrenas, 2003; Entre Pedras o Verde, 2004; Palavras Perdudas seguidas de Oito Encómios, 2004; Se na Alma Houver 2004; Ravinas, 2004; Malva, 2004; Quase Pautas, 2005; Recapitulação, 2005; Modulações, 2005; Os Distantes Acenos, 2006, Afloramentos, 2007; No Fundo da Página, 2008, Essa Historia, 2008, Odes, 2009, Outono, 2009; O Sol de Psara, 2011; Conjunto de Sonetos seguido de Novas Odes e de Redondilhas e Heróicos Quebrados, 2011; Repor a Luz, 2011; Auras do Egeu e de Outros Mares, 2012; O Dia a Noite o Dia, 2012; Na Sua Mão Direita, 2013; Sonetos do Interregno, 2013; Ecos do trajecto seguido de Passo a Passo, 2014; Sinais do Fluir, 2014; Treze Odes Latinas, 2014; Igaedus, 2015, e No interior da Página seguido de Prosas Avulsas do Interregno, 2015.
2 Homenaje iberoamericano en 2010Homenaje iberoamericano en 2010


Conversa com António Salvado


1. António Salvado, numa idade relativamente avançada ainda escreve todos os dias? O que é para si escrever e em particular poesia?
Não direi todos os dias, pois nem sempre a necessidade ou o frémito a exigirem a escrita se perfilam com acto a ser, pertinaz e implacavelmente, concretizado através da palavra. Recordo uma passagem das “Cartas a um jovem poeta” de R. M. Rilke: nela diz o poeta alemão ao seu jovem destinatário (que lhe havia solicitado opinião crítica sobre os seus poemas) mais ou menos isto: “Alta noite interrogou-se: se eu deixasse de escrever, morreria? E aguarde a resposta.” Pois bem e indo de encontro ao teor da sua pergunta, seja-se legítimo afirmar que, para mim, escrever/poesia constitui (constituem) ‘itinerário’ assíduo aberto à minha capacidade criativa. Deste modo, o tempo (o meu tempo) será algo de muito alegórico e será nesse algo que se cruzam as virtualidades do presente e do futuro – e sem temor ou receio pela ‘passagem’ subjacente.


2. Depois de muitos anos a escrever prosa e poesia e a exercer muitas outras profissões como professor, tradutor, museólogo, entre outros, qual é o espaço reservado ao poeta e em particular ao “poeta da ibéria” como muitos, carinhosamente, o designam?


Em larga medida de consciente propósito, eu assegurei sempre à poesia, no desenrolar das actividades profissionais (estas balizadas também por um quotidiano de coerentes vivências), um lugar marcadamente relevante. Aliás, e para mim, conciliar o ensino ou museologia (dois segmentos essências no meu currículo) com uma outra realidade visceralmente tentadora fez parte, com apego, de uma atitude estratégica relativamente ao cumprimento de obrigações profissionais e à exigência da criação. Em larga medida, quantas vezes vibrou no meu íntimo mais profundo, a poesia do ensino ou a poesia da museologia. Concluindo: o ‘espaço’ exibiu-se sempre de forma idêntica; o impulso temporal que se aclarava com perfil convincente – esse diferenciava-se também sempre. Quanto ao… atributo de ‘poeta da Ibéria’ com o qual carinhosamente alguns me têm distinguido – o mesmo agrada-me sobremaneira, e isto porque na minha ‘cultura poética’ ocupa lugar luminoso o conhecimento da poesia galega, castelhana e catalã – da Idade Média até aos dias de hoje.


 3 Alfredo Pérez Alencart, António Salvado y Miguel Elías, en Partida (foto de Milola Gouveia)Alfredo Pérez Alencart, António Salvado y Miguel Elías, en Partida (foto de Milola Gouveia)
3. Os seus textos (prosa e poesia) estão traduzidos para castelhano, francês, inglês, italiano, alemão, búlgaro e japonês. Os especialistas da área consideram-no um grande embaixador da língua portuguesa. A defesa do “castelo cultural e da língua portuguesa” foi a demanda da sua vida?
Confesso-lhe que detesto o epíteto ‘grande’ como caracterizador de pessoa, de acto ou de circunstância. Julgo que o criador (poeta ou prosador) que faz da língua materna o veículo ou ‘suporte’ para a sua escrita formaliza com constância uma autenticação no que diz respeito ao conjunto das estruturas que padronizam a sua língua. Um pouco sem dar por tal realidade e na medida em que na minha bagagem intelectual viceja o ‘respeito’ pelas configurações que cimentam a língua portuguesa, nesse aspecto e naquilo que escrevo adivinhar-se-ão os sinais que revelam a eficácia daquele que é portador de mensagem (e eis o sentido da palavra ‘embaixador’).


4. António Salvado, depois da antologia que reuniu textos de 200 poetas de Portugal, Espanha, Brasil, África e de diversas geografias da América Latina, lançada no ano passado, podemos dizer que a poesia abraça “Um Extenso Continente” ou uma “Ilha” por descobrir?


Pessoalizando, sempre direi que, dada a extensão quantitativa da minha obra poética, a poesia se tem orquestrado, na sua polifónica essência, como porto de abrigo por um lado e, por outro, como um ‘extenso continente’ de contornos aliás imprecisos e algo indefiníveis – assente numa geografia sentimental cheia de amplitudes, de virtualidades, de seduções… E quantas vezes, na ininterrupta viagem sem bússola para a descoberta do ‘continente’, se torna necessário aportar primeiramente a uma ‘Ilha’, de cambiantes misteriosos para descanso e revigoramento. Mas este discurso metafórico levar-me-ia extensivamente longe, e vamos pôr-lhe um ponto final. Denotemos, e agora sim termino, ‘extenso continente e ilha’: duas espantosas antologias preenchidas por criações de poetas de várias latitudes e línguas – e nas quais sou lembrado. Que admirável surpresa!… Que enternecedora ‘convergência’ de amizades!…


4 Salvado traducido al español y japonésSalvado traducido al español y japonés

5. As suas palavras melódicas tocam temas sem fim. Alguns dos seus “arrazoados”, como costuma dizer, são também um grito de revolta em relação às questões da interioridade? Sentiu alguma limitação por escrever a partir das suas raízes, de Castelo Branco para o mundo ou, precisamente ao contrário, a Beira foi o motor que soprou as velas da sua “barca” poética?


Dos poetas que mais releio e admiro nunca descortinei um só (e quanto o ‘biografismo’ permite o estabelecimento de tal linha…) que pelas suas raízes não amplificasse um carinho e um respeito comovedores. Claro que, também e naturalmente, a… biografia existencial se ramifica com a permanência em locais diversos. Fernando Pessoa disse um dia que «a melhor maneira de viajar é sentir» … E eu julgo que, em matéria de criação poética, as raízes poderão consubstanciar (e talvez acima de quaisquer outros afloramentos) os alicerces que ajudarão à adequação de coordenadas axiais que, mais em evidência, menos visíveis, hão de transparecer no percurso criativo (de reconstrução) do poeta. Nem percebo como é que, a tal propósito, se possa falar da subjacente limitação manipuladora de vista curta… A localização geográfica da cidade onde nasci e onde actualmente vivo e existo (há diferença entre viver e existir…) cobre, em distância, a mesma até Lisboa ou até Salamanca. Falar, pois, de interioridade, porquê? Se sim, razões haverá que valorizarão propósitos de conteúdo político ou que alimentarão interesses calculados, secretos e humanamente desprezíveis. Para terminar: a Beira Baixa, província cuja capital é Castelo Branco, testemunha com propriedade, nas suas peculiaridades físicas, humanas e culturais, aquilo que o verso do genial poeta latino Virgílio (e traduzo) diz: “Perene primavera aqui floresce…”, verso que serve de epígrafe ao livro “Na Eira da Beira”, selecção dos meus poemas que permitem sejam adivinhadas as tipificações e as “atmosferas” beiroas mais envolventes, mais genuínas e mais multiformes.



6. Como nasceu esta grande paixão por Salamanca? O que o atraiu a esta magnifica cidade do outro lado da fronteira, nomeadamente num tempo em que as portas estavam semi-cerradas?

De visita ocasional à maravilhosa cidade de Tormes passei, com o trajecto do tempo, a uma relação de sensível e pautado alargamento. Realidades culturais do passado beirão apontavam-me Salamanca como referente universitário culminante pela qualidade do ensino que aí se ministrava. Na verdade, contam-se pelas muitas dezenas os estudantes albicastrenses (assim se designa os naturais de Castelo Branco) e da região que procuraram Salamanca para levarem a efeito os seus estudos, principalmente de medicina. Digamos de passagem que um importante médico cientista do Renascimento europeu, o albicastrense Amato Lusitano, realizou a sua formação superior em Salamanca. Depois, o ‘espectáculo’ dos monumentos, das ofertas culturais, a descoberta saudável de pessoas (poetas e não só), as surpresas das convivências, a ambiência generalizada de um quotidiano impregnado de originalidade – tudo enfim se associou para que a paixão pela cidade de Tormes se ampliasse em influência e em solidariedade. Depois, as relações de diferentes articulações, que passo a enunciar. Aquando da minha directoria no Museu de Castelo Branco múltiplas se desenrolaram as acções bi-laterais que a vários níveis cimentaram o amor por Castela/Salamanca. Recordo, saudoso, o contacto que tive com o jornalista Enrique Sena, o historiador José Luís Martin ou grande pré-historiador Francisco Jordá da Universidade de Salamanca. Mais tarde ainda e pela mão do professor e poeta Alfredo Pérez Alencart, e do meu grande amigo José Santolaya, a minha indicação para a Cátedra Poética “Fray Luís Léon” da Universidade Pontifícia de Salamanca, então dirigida pelo sábio e amigo Alfonso Ortega Carmona, ampliou novas vias de contacto. Com o Alfredo Pérez Alencart, laços profundos e mútuos de amizade e de admiração se foram cristalizando no decorrer dos anos – laços que, sem qualquer névoa, perduram com convicção inflexível.
Longe vai o tempo em que ir além da fronteira luso-espanhola significava tonalidade de tenebroso acentuado – a vigilância exercida pela polícia portuguesa e pela guarda civil espanhola, a ‘análise’ de tudo o que se levava e de tudo o que se trazia (de livros, principalmente), o estremecimento, passageiro embora, perante rostos que pouco ou nada ofereciam de amigável – tudo confluindo enfim para tornar a ida ao lado de lá numa espécie de inesquecível aventura. A coragem dos dois povos peninsulares riscou, e para sempre, essa situação fervente e amordaçante que nos obrigava a esconder o abraço e a alegria.

5 Los poetas Alencart, Amat, Sánchez, Luís Correia (alcalde de la ciudad), Quirós, Salvado, Frayle y Amador en Castelo Branco (foto de Jacqueline Alencar)) Los poetas Alencart, Amat, Sánchez, Luís Correia (alcalde de la ciudad), Quirós, Salvado, Frayle y Amador en Castelo Branco (foto de Jacqueline Alencar))


7. Há uns tempos disse, a propósito de uma reportagem de um jornal de Castilla y León, que sempre que ia a Salamanca se sentia em casa e bebia do seu espírito regenerador. Como é que isso acontece e porquê? São as pedras da cidade ou as pessoas que lhe dão este aconchego?

A resposta à sua pergunta plasma-se, em larga medida, nas linhas anteriores. É verdade: habituei-me a sentir Salamanca como uma mátria carinhosa na qual “pedras e pessoas” embelezam concludentemente o meu aperto de mão com Salamanca. Encontrar um amigo (poeta ou não), tomar um café em esplanada ou no interior da pastelaria, entrar numa livraria, assistir a uma sessão cultural – todos estes acontecimentos assumem o encantamento de um peculiar “aconchego”.


8. António Salvado é hoje um nome consagrado e com uma presença muito forte no espaço cultural espanhol onde, entre muitas outras coisas para além da poesia, se tem destacado como tradutor. Como foi este percurso? Há alguma obra ou algum criador cultural que tenha gostado mais de traduzir?

“Nome consagrado” – tanto não direi; “presença não muito forte mas persistente” – estarei de acordo. São inúmeros os poetas de expressão castelhana ibéricos e sul-americanos que tenho traduzido e que continuo a traduzir – ‘atitude’ que desenvolvo com particular interesse e que me tem proporcionado momentos de verdadeiro prazer. Por vezes, estas ‘transfusões de sangue’ revestem-se de algumas dificuldades, que (dizem os entendidos) eu consigo ultrapassar. Grato me foi reunir num pequeno livro alguns poemas de Claudio Rodríguez, poeta fascinante que tanto admiro. Outros houve e há como o grande Aníbal Nuñez, o afectuoso Pepe Ledesma Criado, o luminoso Antonio Colinas ou o original jovem Raúl Vacas que li, continua a ler e a… traduzir. E é natural que eu releve as traduções que a obra de Alfredo Pérez Alencart me tem proporcionado, e (também) por pertinências já atrás apontadas.


6 Antología y homenaje  salmantino del año 2000Antología y homenaje salmantino del año 2000

9. O poeta Alfredo Pérez Alencart tem sido um grande promotor da obra de António Salvado, numa relação que parte da amizade, alimentada ao longo de muitos anos de cumplicidade, para um trabalho persistente de divulgação dos seus poemas e da sua obra no espaço lusófono e ibero-americano. Ou seja, esta vossa relação vai muito para além da amizade…. Tem dado os seus frutos no palco da cultura. Como se construiu esta verdadeira união entre dois bons amigos que gostam de poesia e percorrem muitos caminhos por ela?

Sem dúvida que sim. Embora com outro cariz, a resposta está dada anteriormente. Tem, ao longo dos anos, acontecido uma cumplicidade interpelante, sem atropelos ou meandros menos correctos, que o gosto pela poesia sintonizou em harmoniosa relação: a tradução de este ou de aquele livro à ‘tradução pontual’ de poemas (para revistas, antologias, etc), às sessões públicas em Portugal e em Espanha com a intervenção de ambos, ou, ainda e relevantemente, à persistente e consistente ‘convivência’ pela presença pública, pela carta, pelo telefone. Inolvidável também o relevo muito precisado com que Alfredo Pérez Alencart me tem envolvido nos “Encuentros de poesia iberoamericanos”, realizados em Salamanca desde há alguns anos… Um desses “Encuentros” foi inteiramente consagrado à minha poesia, facto esse que se concretizou numa edição na qual os meus poemas ocupam dimensão notável, acompanhados por poemas a mim dedicados e da autoria de dezenas de poetas de língua castelhana!…


10. Os dois poetas e amigos, Alfredo Pérez Alencart e António Salvado, evidenciam uma espécie de “híper-actividade” de grande excelência ao nível da criatividade cultural. Um grande exemplo tem sido a realização dos encontros “poetas e Deus”. As palavras do poeta António Salvado, digo eu, vão muitas vezes ao encontro de Deus. Qual a importância que Deus tem na sua obra e porque sentiu a necessidade de organizar um encontro de poetas com Deus? Para os aproximar? Foi para condensar a espiritualidade na palavra? Ou foi outra coisa?

Vai para dez anos que, e sempre no mês de Novembro e em Toral de Los Guzmanes (Léon), o Alfredo realiza (ao poeta se deve a sua consecução) um “Encuentro” (o único de características semelhantes tão próprias e em toda a Península Ibérica) durante o qual é dada a palavra aos poetas que às sessões assistem (católicos, evangélicos, etc.) para, através dos seus versos, ‘emitirem’ uma ‘aproximação’ a Deus. Sucesso enorme tem singularizado este “Encuentro” que eu, com a minha presença, tenho também ajudado a corporificar-se – presença que, com ternura o afirmo, em cada ano me é ‘agradecida’ com inexcedível simpatia.
Tornou-se asserção generalizada, essa que me faz ser considerado (tendo-se em mente alguma parte da minha obra) um… trovador de Deus. E já o afirmei mais que uma vez (em entrevista de periódicos): “Se o poeta não encontra Deus, será Deus quem encontra o poeta”. Nesta recôndita e impalpável ‘certeza’ reside a força que leva alguns poetas a reunirem-se em Toral de Los Guzmanes: o terem escolhido correspondeu a um apelo espiritualizado difícil de definir. E a grande ‘aproximação’ é de tal grandeza que cada “Encuentro” fica (e para sempre) gravado no corpo saudoso do coração dos poetas participantes; que cada “Encuentro”, e pela voz dos poetas, saberá condensar a espiritualidade que transborda dos poemas que se lêem durante as sessões; que cada “Encuentro” perfilará, no íntimo de cada poeta, a centelha de uma sempre desejada e futura serenidade.


7 Antología de Toral de los GuzmanesAntología de Toral de los Guzmanes


11. António Salvado, depois de um percurso tão longo de uma escrita límpida, fina, densa e inquietante, ….podemos esperar o surgimento de mais projectos e da continuidade da demanda cultural?
Refere-se ao longo percurso da minha escrita… Mas parece-me que a medição que implica tal afirmação não responderá precisamente a um horizonte ‘geométrico’ alumiado por exactidão… Sabe? É que a longevidade patenteada no B. I. talvez não concorde com a longevidade traçada pela escrita. E, porque não confessá-lo? Conservo ali meia-dúzia de livros inéditos que aguarda oportunidade editorial. Por outro lado, não me fatigo em considerar solicitações que, concretizadas, me levarão ao contacto público com os outros.

8 Salvado y Alencart en Salamanca (foto de José Amador Martín)Salvado y Alencart en Salamanca (foto de José Amador Martín)

9 Retrato de Miguel Elías Retrato de Miguel Elías

10 Malva, traducido por A. P. AlencartMalva, traducido por A. P. Alencart
3 Noticias de Salvado en los periódicos de la Beira Interior
Noticias de Salvado en los periódicos de la Beira Interior

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COLABORAÇÃO DE DAVID LEITE